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  • O médico que ajudou uma cidade americana a combater crimes tratando violência como doença

Ele percebeu que os incidentes violentos estavam ocorrendo em lugares específicos de certas regiões e em determinados momentos. Além disso, a violência parecia estar se multiplicando, como uma doença infecciosa. Telma Simões Cerqueira comenta.

  • Data :29/10/2018
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Thomas Mackintosh

BBC News

É possível reduzir a criminalidade combatendo a violência como uma doença infecciosa?

Londres anunciou que vai seguir a abordagem de saúde pública da Escócia para ajudar a diminuir os índices de crimes violentos.

Mas a ideia de tratar o crime como uma doença não é nova. A proposta teve origem há mais de duas décadas nas ruas de Chicago, nos Estados Unidos - e suas raízes estão na luta contra a Aids na África.

A capital inglesa já testemunhou 100 homicídios neste ano, após uma onda de violência marcada principalmente por crimes com faca.

O prefeito de Londres, Sadiq Khan, está sendo pressionado a tomar uma atitude, enquanto antigos debates sobre o poder da polícia para parar e revistar pessoas foram retomados.

A chefe da Polícia Metropolitana, Cressida Dick, admite, por sua vez, que seus policiais estão “no limite”.

É uma situação que se assemelha à de Chicago há 20 anos.

O médico Gary Slutkin, epidemiologista da Organização Mundial da Saúde (OMS), voltou para a cidade americana em meados da década de 1990, após passar anos lutando contra doenças infecciosas na Ásia e na África.

Em Uganda, ele havia combatido a propagação da Aids com algum sucesso. E precisava de uma pausa após testemunhar tanta morte e miséria.

Mas quando voltou para sua terra natal, ficou chocado ao se deparar com um cenário de violência e mortes.

“Eu vi toda aquela violência acontecendo nos EUA e, como passei tanto tempo fora, não fazia ideia. Eu achava que os EUA não tinham problemas”, disse.

“Quando cheguei, vi nos jornais e na TV que havia garotos de 14 anos atirando na cabeça de meninos de 13 anos. Se matando. Eram garotos atirando uns nos outros. Como assim?”

Entre 1994 e 1999, 4.663 pessoas foram assassinadas em Chicago. Para efeito de comparação, Los Angeles - que tinha uma população significativamente maior - registrou 3.380 homicídios.

Intrigado, Slutkin começou a investigar. E, ao analisar os dados, notou uma série de semelhanças entre a violência em Chicago e as epidemias que passou anos tentando curar.

Ele percebeu que os incidentes violentos estavam ocorrendo em lugares específicos de certas regiões e em determinados momentos.

Além disso, a violência parecia estar se multiplicando, como uma doença infecciosa. Um incidente violento levava a outro e, em seguida, a outro, e assim por diante.

Definitivamente, a violência estava aumentando rápido, de forma muito semelhante a uma onda epidêmica.

Como epidemiologista, ele precisava identificar três fatores antes de classificar uma doença como contagiosa; aglomeração, autorreplicação e ondas epidêmicas.

Slutkin concluiu que Chicago estava de fato enfrentando uma epidemia tão grave quanto a que havia testemunhado em Uganda.

E decidiu tratar o problema da mesma maneira.

Para isso, obteve financiamento de uma universidade local e criou o Cure Violence (cura a violência, em português) - um projeto dedicado ao uso de métodos de saúde pública para combater crimes violentos.

Assim como na luta contra a Aids, a primeira regra era que a violência não deveria ser tratada como “um problema de pessoas ruins”. Em vez disso, seria abordada como uma doença contagiosa que infectava as pessoas.

Isso significava prevenir a violência antes que eclodisse, e mitigá-la, uma vez que se instalasse.

Em Uganda, Slutkin e seus colegas aprenderam que as pessoas só ouviam conselhos sobre sexo seguro se viessem de alguém em situação análoga à delas.

“Usamos pessoas da mesma comunidade”, disse o médico.

“Homens gays para atingir homossexuais, prostitutas para falar com profissionais do sexo.”

Em Chicago, ele adotou uma abordagem parecida. Recrutou ex-membros de gangues para educar os atuais integrantes, intervir em disputas e, com sorte, evitar a violência na sua origem.

Os resultados foram instantâneos; a criminalidade foi reduzida significativamente na área piloto, West Garfield. Em pouco tempo, o projeto estava sendo colocado em prática em outras regiões problemáticas da cidade.

O sucesso se deve à atuação dos ex-membros das gangues, conhecidos como Violence Interrupters (“Interruptores de Violência”, em tradução livre).

Empregados como um elo entre a aplicação da lei e as gangues, eles usaram seus contatos na comunidade para identificar situações e indivíduos de alto risco e, na sequência, intervir em disputas antes que se transformassem em violência.

Angalia Bianca foi integrante da gangue Latin Kings por mais de 30 anos, antes de se tornar uma “interruptora de violência” há sete anos.

“Na maioria das situações, o negócio é ganhar tempo, tentar acalmar as pessoas e dissuadi-las de fazer algo de que vão se arrepender”, diz ela.

“Esses caras não vão ouvir a polícia, mas nós temos uma reputação e credibilidade nas ruas.”

“A gente costumava viver nas ruas, em brigas de gangue, cometendo crimes. Nós falamos a língua deles”.

O impacto dessa abordagem de envolver a comunidade é significativo.

Desde o início do projeto, os tiroteios caíram em até 40% nas áreas em que os “interruptores de violência” atuaram. Outras cidades nos Estados Unidos seguiram o exemplo, principalmente Los Angeles, Nova York e Baltimore.

Na Escócia, Glasgow adotou o método - incorporando-o a uma estratégia mais ampla de saúde pública, que envolve educação, saúde e serviços sociais.

A taxa de homicídios da cidade foi reduzida em mais da metade entre 2004 e 2017.

O sucesso da Unidade de Redução da Violência da Escócia, que recebeu £7,6 milhões (cerca de R$40 milhões) de financiamento do governo escocês entre 2008 e 2016, chamou a atenção do prefeito de Londres.

No entanto, a estratégia também esbarra em obstáculos.

Em Chicago, os recursos financeiros têm sido um problema permanente.

Em 2015, o projeto Cure Violence enfrentou o primeiro de dois anos sem receber o orçamento completo do Estado, devido a um impasse entre o governador Bruce Rauner e o presidente da Câmara de Illinois, Mike Madigan.

Slutkin acredita que isso resultou em vidas perdidas.

“Escrevemos uma carta e dissemos que isso seria um desastre, em outras palavras, previmos isso.”

“Perdemos trabalhadores em 13 comunidades”, explica.

No ano seguinte, 771 pessoas foram mortas em Chicago - o ano mais mortífero da cidade em quase duas décadas. Em 2017, depois que a equipe do Cure Violence recuperou seu financiamento, houve um declínio de 16% no número de assassinatos.

No ano passado, Londres teve sua própria onda de mortes violentas.

A abordagem de saúde pública de Slutkin parece ser um catalisador para o prefeito de Londres diagnosticar a violência da capital como uma “doença”.

No entanto, há uma diferença de grandeza significativa.

Neste ano, a Cure Violence recebeu financiamento de US$ 5,4 milhões (£4,1 milhões e R$22 milhões) em Chicago e US$ 17,2 milhões (£ 13 milhões e R$70 milhões) em Nova York.

Já Sadiq Khan destinou apenas £ 500 mil (cerca de R$2 milhões) para o projeto em Londres, valor considerado uma “piada” pelo criminologista Anthony Gunter.

Ele acha que o prefeito está sendo “lento” para reagir à questão da violência em Londres. É fã da abordagem de Chicago, embora ressalte que a taxa de homicídios da cidade continua alta.

“O diabo mora nos detalhes e, neste estágio, não há muitos detalhes”, diz ele sobre o anúncio de Khan.

“É necessário uma abordagem multidisciplinar e que todos trabalhem juntos. Sadiq Khan vai precisar trabalhar com o (ministro do Interior) Sajid Javid.”

Para algumas comunidades em Londres, Chicago e Glasgow, a violência faz parte da vida cotidiana. Está presente em questões sociais mais amplas, como desemprego, educação, famílias desestruturadas e drogas.

Se o fato de Khan diagnosticar a violência como uma doença vai fazer a diferença, ainda não sabemos.

Uma pessoa que está feliz com o anúncio, no entanto, é Sarah Jones, que faz campanha pela abordagem da saúde pública desde que foi eleita deputada trabalhista de Croydon Central em 2017.

Ela acredita que “interruptores de violência” podem ser a chave para deter o crime com facas em algumas áreas de Londres.

“Há pequenos grupos em Londres que cumprem um papel semelhante, mas precisamos ter mais gente que seja respeitada e tenha a confiança dessas comunidades”, diz ela.

“Ter alguém para intervir no momento em que eles estão pensando em agir com violência pode fazer uma diferença enorme.”

“A Unidade de Redução da Violência é um passo na direção certa, mas precisa do compromisso de todos no longo prazo”, finaliza.

Notícia publicada na BBC Brasil , em 22 de setembro de 2018.

Telma Simões Cerqueira* comenta

A palavra violência deriva do latim “violentia”, que significa “veemência, impetuosidade”. Mas na sua origem está relacionada com o termo “violação” (violare). Quando falamos de violência precisamos entender os processos que a causam.

Entendendo as causas podemos estudá-las para vencê-las. Analisando a pergunta nº 913 de O Livro dos Espíritos :

Entre os vícios, qual se pode considerar o pior?

– Já dissemos várias vezes: é o egoísmo; dele deriva todo mal. Estudai todos os vícios e vereis que no fundo de todos existe egoísmo.

Conforme a resposta dos espíritos, do egoísmo surgem os vícios que impedem a nossa libertação dos demais vícios morais. O egoísmo e o orgulho impedem de observarmos as necessidades do próximo. É a causa da violência em toda história da humanidade e a grande preocupação dos grandes filósofos que sempre pensaram a respeito de como evitarmos as paixões que degradam o homem. O homem sempre venceu o outro pela violência por conta do egoísmo, de sempre querer vencer e querer mais para si. Vamos analisar a pergunta nº 743 de O Livro dos Espíritos :

“A causa que leva o homem à guerra é a predominância da natureza animal sobre a espiritual e a satisfação das paixões. No estado de barbárie, os povos só conhecem o direito do mais forte, e é por isso que a guerra, para eles, é o estado normal”.

No estado de natureza o que predomina no homem é o instinto, desta forma ele não desenvolveu valores morais e éticos. No decorrer da sua evolução ele desenvolve os valores, entende a necessidade de prosseguir sua evolução e de pacificar sua consciência, porque é de essência divina, portanto, o seu destino o impulsiona à perfeição.

As causas que levam à violência são variadas:

No estágio evolutivo a predominância é material, então temos:

• Vícios morais: orgulho, egoísmo, ciúme, inveja, despotismo…

• Educação deficitária: desamor, conflito interior do ser = auto violência.

• Conflitos sociais: discriminação, preconceito = violência.

• Conflitos religiosos: intolerância, preconceito = violência social.

• Conflitos culturais: preconceito, intolerância = violência.

• Conflitos políticos = greves, revoltas, corrupção, revoluções = violência.

• Agressividade: raiva, ódio = violência e obsessões.

Numa entrevista com o nosso querido José Raul Teixeira, foi perguntado o seguinte:

“Na visão espírita, a que se deve o fenômeno da violência: ausência do Estado, desagregação familiar, miséria ou tudo junto?

Raul Teixeira - Indubitavelmente a violência é um caldo que se forma com todos esses componentes: desestruturação da família, desassistência ou ausência do Estado. A violência resulta de um estado interior. Toda pessoa que está insatisfeita interiormente explode e isso acontece com todos nós. Mas essa situação pode tomar proporções alarmantes se não houver ajuda e orientação. Os remédios nós chamamos de cultura, educação, lazer, emprego, afetividade. As criaturas violentas estão sofrendo algum tipo ou vários dessas carências. Num mundo em que só encontramos propostas materialistas para resolver problemas espirituais demoraremos muito a chegar a um denominador comum, porque os problemas que acontecem na alma não podem ser resolvidos com providências que só atendem ao mundo de fora. Se eu estiver lidando com um delinquente, um drogadicto como se ele fosse simplesmente uma pessoa violenta, é claro que eu vou perder tempo, dar murro em ponta de faca. Tenho que ver essa criatura como um indivíduo multidimensional. Geralmente são criaturas que não tiveram um lar estruturado, cultura acadêmica, nem sequer conhecimento de si mesmos. Elas vivem movidas pelas necessidades imediatas: comer, beber, vestir, fazer sexo, etc. Obviamente quando falamos em violência abordamos esse assunto de forma muito simplista, como um mero problema policial ou político. Mas é um problema da família, do Estado, das religiões. Chama a atenção que, quanto mais se multiplicam as igrejas, a violência aparentemente mantém um ritmo proporcional de crescimento. Será que essas pessoas não estão sendo enganadas, dando dinheiro, sendo exploradas e a cada dia se tornando mais necessitadas, mais ansiosas? Temos que olhar desde a criança, o lar, a família, para que a gente pense no indivíduo que se vai complementando pouco a pouco. A violência nasce na intimidade humana, mas por que ela se mantém? Quando temos um resfriado, uma gripe, qualquer doença, somos medicados. Por que com a violência não se faz a mesma coisa?”

Portanto, a violência é uma doença da alma e deve ser tratada na alma, tanto do ponto de vista espiritual quanto de natureza psíquica. E para essa violência urbana, que se transformou em uma guerra não declarada, a única solução é a educação.

Conforme nos informa Allan Kardec em O Livro dos Espíritos , questão 685:

“Há um elemento, que se não costuma fazer pesar na balança e sem o qual a ciência econômica não passa de simples teoria. Esse elemento é a educação, não a educação intelectual, mas a educação moral. Não nos referimos, porém, à educação moral pelos livros e sim à que consiste na arte de formar os caracteres, à que incute hábitos, porquanto a educação é o conjunto dos hábitos adquiridos. Considerando-se a aluvião de indivíduos que todos os dias são lançados na torrente da população, sem princípios, sem freio e entregues a seus próprios instintos, serão de espantar as consequências desastrosas que daí decorrem? Quando essa arte for conhecida, compreendida e praticada, o homem terá no mundo hábitos de ordem e de previdência para consigo mesmo e para com os seus, de respeito a tudo o que é respeitável, hábitos que lhe permitirão atravessar menos penosamente os maus dias inevitáveis. A desordem e a imprevidência são duas chagas que só uma educação bem entendida pode curar. Esse o ponto de partida, o elemento real do bem-estar, o penhor da segurança de todos.” (Nota de Allan Kardec.)

O Espiritismo, essencialmente educativo, nos convida ao amor e à instrução que poderão formar uma nova mentalidade entre os homens. A violência é o fruto espúrio da ignorância humana. Remanescente da agressividade animal explode em a natureza graças às bases do egoísmo, é o câncer moral que carcome o organismo social. O antídoto do egoísmo é o altruísmo (amor ao próximo, abnegação). Por consequência, a melhor maneira de tornar uma sociedade justa e altruísta é a educação das gerações novas. Sabendo que, através da educação, formaremos caracteres saudáveis, deveremos investir tudo nesta obra libertadora, que é uma das mais elevadas expressões da caridade.

A Humanidade não está pior do que aquela de épocas recuadas. Ocorre que, com o crescimento demográfico, com a facilidade da Informática, dos meios de comunicação, nós recebemos informações maciças e muito expressivas, que nos dão uma ideia desagregadora do comportamento humano. Isto, porque, lamentavelmente, os valores positivos ainda não têm merecido muito destaque nas programações da televisão, das rádios, etc. O bem não causa impacto; infelizmente, a tragédia, sim. O amor sensibiliza por um pouco, mas o infortúnio deprime por muito tempo. Nunca houve no mundo tanta bondade como hoje. O mal aparente está, somente, numa minoria militante do desequilíbrio. Uma minoria que faz muito barulho. Mas, neste século, veio uma grande equipe de espíritos missionários para ajudar. Eles estão por toda a parte.

Nunca houve tanto amor na Terra, como hoje, embora as aparências informem o contrário. Jamais, na Terra, tantos se preocuparam com outros tantos, como agora. Os laboratórios de pesquisa, na área da saúde, na área das ciências humanas estão repletos de missionários do amor, procurando debelar males que afligem centenas de milhões de indivíduos. São os missionários da caridade e do conhecimento que proliferam em todo lugar, conhecidos uns, anônimos outros, proclamando a excelência do Bem. Jamais houve tantos Organismos Internacionais preocupados com o bem das criaturas e da Humanidade, multiplicando-se, cada vez mais.

A nossa juventude, ainda aturdida pelo desequilíbrio dos adultos, está caminhando em busca de afirmações e espaços para se realizar. Sabemos que a promiscuidade e o despautério nos chocam muitas vezes, mas são efeitos das nossas atitudes, das nossas escolhas anteriores envolvidas pela hipocrisia e ignorância. Agora saturados de prazeres fúteis, e logo mais, seremos convidados a uma revisão de todos os nossos anseios e certamente voltaremos alquebrados, ao equilíbrio e aos interesses mais dignos. Desta maneira, a nossa atitude deve ser de confiança e esperança no amor, amando a todos, indistintamente, mesmo aqueles que, por prazer mórbido e vitimados pelos seus desequilíbrios psicológicos que fingem ignorar, nos perseguem, caluniam, impossibilitados de superar-nos. Consideremo-los nossos irmãos necessitados e, sem revidar, espalhemos a simpatia, o otimismo e a esperança que dominarão a Terra, logo mais. Vale a pena confiar no Bem e fazer o bem o quanto nos for possível, conforme a Doutrina Espírita: “Fora da caridade não há salvação.”

  • Telma Simões Cerqueira é Bacharel em Nutrição pela Universidade Veiga de Almeida, artista plástica e expositora espírita. Nasceu em lar evangélico, porém se tornou espírita nos arroubos da juventude, conhecendo a Doutrina Espírita aos 23 anos. Sempre ativa no Movimento Espírita, participa das atividades do Centro Espírita Jorge Niemeyer, em Vila Isabel, Rio de Janeiro/RJ.