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    • Expectativa x realidade: por que não devemos romantizar a maternidade?

    No Facebook, Juliana tinha sido “desafiada” por um grupo de amigas a compartilhar momentos felizes com seu filho. “Nem foto eu quero tirar…” comentou para si mesma. “Imagina, então, foto feliz!”. Juliana se recusou a entrar na brincadeira. Mais do que isso. Desafinou o coro dos contentes ao mostrar a maternidade como ela é, com direito a noites em claro, dores nos seios e trocas de fraldas. Mabel Perito dos Santos Velez e David Perito Velez comentam.

    • Data :01/06/2025
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    Publicado em 08/02/2024 - Revisado em 01/06/2025

    Expectativa x realidade: por que não devemos romantizar a maternidade?

    iamge

    O conceito de maternidade real se opõe a outro: o da maternidade ideal, heroica e romantizada.

    A íntegra da matéria pode ser acessada em:
    https://www.bbc.com/portuguese/articles/c2v5z773lldo

    O comentário a seguir é de Mabel Perito Velez e de David Perito Velez:

    Vivemos tempos de muitas vozes. Redes sociais, livros, artigos e vivências compartilhadas oferecem olhares diversos sobre a maternidade, ora enaltecida como missão sublime, ora retratada com o peso da realidade. O artigo que comentamos nos traz uma contribuição importante ao discutir os desafios enfrentados pelas mães. No entanto, sendo espíritas, pensamos que a reflexão deve se aprofundar e buscar confrontar as dores da maternidade à sua grandeza espiritual, sem negar as dificuldades, mas também sem perder de vista o sentido maior que essa experiência contém.

    A maternidade, como toda missão na Terra, está impregnada de dualidades. Pode ser feita de noites em claro, privações e cansaços que o corpo mal suporta, mas também de olhares que curam, sorrisos amáveis e pequenos gestos que marcam almas para sempre. E é preciso coragem, não apenas para reconhecer as dificuldades, mas também para não permitir que elas ofusquem a beleza do que se vive e do que se constrói no silêncio.

    Quando observado sob as luzes do Espiritismo, nenhum tema pode ser avaliado no sentido simplista e assim devemos considerar a maternidade. Em “O Evangelho segundo o Espiritismo", ao comentar o mandamento “Honrai vosso pai e vossa mãe”, encontramos reflexões sobre a responsabilidade moral daqueles que receberam filhos para orientar e educar. Allan Kardec não retrata esse papel com cores ilusórias, mas sim com a seriedade da missão que envolve almas em evolução. Maternidade, na mesma medida da paternidade, é compromisso reencarnatório. Não raras vezes, é também reencontro, reajuste, redenção.

    Mas é preciso muito cuidado quando se nega poesia às mães! Para onde relegamos a esperança? Em nome do realismo, corre-se o risco de apagar a centelha divina dessa experiência, tornando-a apenas fardo. Quando isso acontece, a mulher já exausta, em meio às exigências da vida moderna, pode se sentir ainda mais perdida. A dor precisa ser acolhida, mas a força que brota da alma também precisa ser lembrada.

    Muitas mães hoje vivem sem rede de apoio, sobrecarregadas por jornadas triplas, marcadas pela culpa, pelo medo de errar e, não esqueçamos, pela comparação cruel imposta por modelos irreais. Não se trata, portanto, de exigir heroísmo, mas de oferecer alento. O Espiritismo nos convida a exercer as nossas responsabilidades com alegria porque nelas identificamos o dever cumprido e estendemos o nosso olhar mais além. Não há missão sem luta, mas também não há missão sem propósito. O ministério das mães é tão grandioso, que ao falar delas, pensadores como Victor Hugo assim se expressam: “Certos pensamentos são como orações. Em dados momentos, qualquer que seja a postura do corpo, a alma está de joelhos.” (“Mãe, Antologia Mediúnica”, Wallace Leal V. R, psicografia de Chico Xavier)

    Às mães que choram sozinhas, que sentem-se exauridas ou invisíveis, queremos dizer que as vossas lágrimas não são em vão. O esforço aparentemente pequeno, a paciência diante de um filho em crise, o renunciar a um desejo pessoal em nome do cuidado – tudo isso é construção de amor que ecoa na eternidade. Lembremos que Jesus exaltou a viúva pobre que deu duas moedinhas, porque era tudo o que tinha (Marcos 12:41–44). O que importa não é o quanto damos, mas o quanto nos doamos!

    Ao discordarmos fraternalmente de certos trechos do artigo mencionado, não o fazemos por desconsiderar os sofrimentos maternos, muito pelo contrário, queremos reafirmá-los, compreendê-los com profundidade. Mas entendemos que é igualmente necessário iluminar a caminhada com sentido. A maternidade pode ser difícil, mas jamais inútil. Pode ser silenciosa, mas é profundamente sagrada. Mesmo quando falha, mesmo quando se desequilibra, a mãe é uma alma em construção, e seus erros são matéria-prima para crescimento.

    Allan Kardec, ao tratar da infância em “O Livro dos Espíritos", nos lembra que o período infantil é quando o Espírito está mais acessível ao seu aprimoramento moral. E quem está mais perto para moldar esse caráter senão a mãe, presente nos primeiros gestos e palavras? A influência que uma mãe exerce sobre um filho não se limita a uma vida, muitas vezes é um envolvimento de séculos, reencontros planejados antes mesmo do berço.

    Mas… e quando o cansaço parece insuportável? Quando a depressão pós-parto se insinua, quando a criança apresenta comportamentos difíceis, quando há solidão, abandono, ou uma mãe se vê frente a uma deficiência inesperada? O Espiritismo não nos convida à fuga da dor, mas ao enfrentamento com coragem e apoio. Sim, é preciso pedir ajuda. O equilíbrio que se pretende envolve considerar o ser humano em seu tríplice aspecto - físico, emocional e espiritual. Se a prece é sustento, o acompanhamento profissional é, muitas vezes, ferramenta recomendada pelo próprio plano espiritual.

    Mesmo diante das exigências silenciosas, é preciso recordar que nenhuma mãe caminha sozinha. A Providência Divina vela por cada uma, amparando com recursos invisíveis, muitas vezes traduzidos em intuições, forças renovadas ao amanhecer e soluções afetuosas que surgem como resposta à prece sincera.

    Deus, que é Pai e Mãe em plenitude, conhece as dores secretas e as alegrias mais íntimas da alma materna. A maternidade, embora repleta de desafios, não é missão desamparada.

    Os Espíritos Benfeitores, sensíveis às lutas do coração materno, muitas vezes inspiram e sustentam aquelas que, em silêncio, doam-se integralmente. Assim, mesmo quando tudo parece árido, há sempre um cuidado superior que conduz, consola e fortalece.

    Queremos, enfim, propor uma visão ampliada, nem idealizada, nem amarga. A maternidade é sim exigente, mas pode ser caminho de regeneração, de serviço, de realizações imorredouras. O que importa é que cada mãe, com suas circunstâncias únicas, se sinta amparada e nunca diminuída.

    Acolher, escutar, apoiar. Levar as mães à descoberta de suas próprias potências interiores. Isso também é caridade. Isso também é evangelho vivo. Porque quando acolhemos uma mãe, estamos, igualmente, acolhendo o futuro que ela cuida em seus braços.

    Que Maria, a mãe de Jesus, símbolo de ternura e força, nos inspire. Ela, que também enfrentou incompreensões, angústias e dores profundas, mas permaneceu em amor e confiança até o fim. Que nenhuma mãe se sinta sozinha. Que nenhuma dor seja negada. E que, ao lado do realismo necessário, permaneça sempre vitoriosa a esperança.

    “É imenso o papel da mulher na vida dos povos. Irmã, esposa ou mãe, ela é a grande consoladora e a doce conselheira. Através da criança, garante o porvir e prepara o homem futuro. Assim, as sociedades que a rebaixam, rebaixam-se a si mesmas. É a mulher respeitada, honrada, esclarecida, que faz a família forte, a sociedade grande, moralizada, unida!” - Léon Denis, “O Problema do Ser, do Destino e da Dor”

    Mabel Perito Velez e David Perito Velez são espíritas e colaboram com o Espiritismo.net