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Não é o dióxido de carbono que destrói os equilíbrios climáticos, são as pessoas. E o mundo estaria muito melhor com menos gente. Esse é um resumo superficial de um livro sério e seriamente provocativo do professor de filosofia Travis Rieder. Breno Henrique de Sousa comenta.

  • Data :03/01/2017
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3 de janeiro de 2016

Querem frear a mudança climática? Parem de ter filhos

Não é o dióxido de carbono que destrói os equilíbrios climáticos, são as pessoas, esse é o resumo do livro do professor de filosofia Travis Rieder Por Eric Roston Washington – Não é o dióxido de carbono que destrói os equilíbrios climáticos, são as pessoas. E o mundo estaria muito melhor com menos gente. Esse é um resumo superficial de um livro sério e seriamente provocativo de Travis Rieder, professor de filosofia moral e especialista em bioética da Universidade Johns Hopkins. Quando os economistas escrevem sobre mudança climática, muitas vezes falam da “identidade Kaya” — basicamente, um problema de multiplicação (não um romance de espionagem) que ajuda a estimar a quantidade de dióxido de carbono que pode estar chegando à atmosfera. A identidade Kaya afirma que o ritmo da poluição climática é mais ou menos o produto de quatro fatores: O teor de carbono dos combustíveis; A quantidade de energia que a economia precisa para produzir o PIB; O PIB per capita; e A população. Após anos de falatório das autoridades sobre isso ou aquilo com pouco ou nenhum carbono, Rieder basicamente se concentra no fator que ninguém quer admitir: o número de pessoas no planeta — particularmente nos países ricos — é literalmente parte dessa equação. Pense no argumento de Rieder como o que está à espreita caso o Acordo de Paris, firmado entre 195 países e que chegou bem perto da ratificação nesta semana, não resolver o problema. A seguir, uma transcrição editada de uma entrevista com ele. Pergunta: Qual é o problema? Rieder: Existem 19 milhões de órfãos esperando adoção e uma mudança climática catastrófica no horizonte. Colocar uma criança no mundo piora a mudança climática e, se não nos organizarmos, isso pode não ser muito bom também para essa criança. Há duas possibilidades. Você pode afirmar que a mudança climática é um grande problema estrutural que, portanto, requer uma solução estrutural. Esta é uma questão de política pública. Ou você pode dizer que um problema como a mudança climática exige que modifiquemos nossa cultura de obrigação individual e que todo mundo precisa pensar em ter famílias pequenas. P: Essa tarefa parece bastante difícil. As pessoas não querem pensar nem em comprar uma pipoca de tamanho pequeno no cinema. R: Bom, o problema é esse: os seres humanos me mostraram que simplesmente não estão dispostos a abrir mão de seus brinquedos. Por isso precisamos colocar outra opção na mesa. Você quer continuar morando em uma casa de 900 metros quadrados? Quer continuar viajando de jatinho e coisas do tipo? Então, isso significa uma quantidade muito menor de pessoas na face da Terra. P: Pelo menos nos países que geram muito carbono? Você acha que isso poderia realmente acontecer? R: Meu principal objetivo é colocar isso na mesa. A população é uma parte central da equação para definir o total de emissões, mas esse aspecto é meio ignorado porque as pessoas não gostam de falar sobre isso. Matéria publicada na Revista Exame , em 23 de setembro de 2016.

Breno Henrique de Sousa* comenta O Problema do Crescimento Populacional A superpopulação é uma problemática muito séria, discutida há décadas, sobretudo a partir da afirmação do economista britânico Thomas Malthus, que disse que a produção de alimentos cresce em progressão aritmética e a população cresce em progressão geométrica. Isso significa que o aumento da produção de alimentos é mais ou menos uma constante, que pode ser representado por uma reta que sobe de maneira regular, no entanto, o crescimento populacional é exponencial, ou seja, ele fica cada vez mais rápido. Basta lembrar que levamos mais de duzentos mil anos para chegar ao primeiro bilhão de habitantes e pouco mais de dois séculos para chegar a sete bilhões. É fácil prever as consequências desse panorama. Quando a população ultrapassa a produção de alimentos, temos fome no mundo. A resposta para essa ameaça foi um programa mundial de produção de alimentos, patrocinado por governos, bancos e pela indústria, chamado Revolução Verde. Esse movimento ganhou vulto a partir da década de 1960 e atingiu os objetivos de aumento na produção de alimentos, porém trouxe diversas consequências negativas. Hoje, por causa da Revolução Verde, o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. Solos e águas foram contaminadas, a industrialização da agricultura gerou desemprego no campo e maior concentração de terras e de renda. Práticas comerciais injustas e políticas públicas que sempre privilegiaram as minorias abastadas não dão condições de o pequeno produtor competir com o grande, resultando em pobreza no campo e êxodo rural. Áreas imensas foram devastadas substituindo ecossistemas naturais por plantações e áreas de pasto. A agricultura se tornou mais dependente de combustíveis fósseis, de insumos externos e de produtos industrializados. Poderíamos estender longamente a lista desses malefícios, porém, apesar deles, a humanidade não parece estar disposta a abrir mão desse modelo de produção de alimentos, pelo simples fato de que ele entrega o que promete: produção de alimentos em larga escala; e nesse aspecto específico, nenhum outro modelo é tão eficiente. O que se esconde por detrás dessa eficiência é alto custo econômico, social e ambiental que torna esse modelo insustentável. Apesar da ampla produção de alimentos, o problema da fome não foi resolvido no mundo. Sabe-se hoje que esse problema está associado a inúmeros fatores de ordem social, política, climática e geográfica. Mesmo assim, apesar de a Revolução Verde haver retardado o limite da fome, a afirmação de Malthus é uma verdade incômoda para ruralistas e ambientalistas. Os ruralistas dizem que é preciso intensificar a Revolução Verde para evitar atingir o limite de Malthus, os ambientalistas (ou agroambientalistas) dizem que essa é uma corrida finita que terminará com o esgotamentos dos recursos naturais; dizem ainda os ambientalistas que de fato o problema da fome não é falta de alimentos no mundo, de fato ainda não é, mas será um dia não muito distante. Parece que ambos os modelos de produção ignoram em seus discursos o problema populacional; os ruralistas vivem com a utopia dos recursos naturais infinitos e os agroambientalistas com a utopia de que o seu modelo produtivo é capaz de abastecer a demanda de alimentos no mundo. Os governos decidiram que é mais simples mudar os meios de produção do que dizer às pessoas que elas devem ter menos filhos. Interferir sobre a liberdade individual é sempre mais complicado e nem eu estou afirmando que a população deve ser reduzida por decreto, como foi o caso da China, mas hoje sabemos que um dos fatores associados a esse crescimento populacional é a pobreza. Os números demonstram que quanto mais pobre e menos instruídas, mais filhos têm as famílias. Políticas públicas sérias voltadas para a redução da pobreza e educação para o planejamento familiar, além de estímulos à adoção - como foi dito no artigo, existem 19 milhões de órfãos esperando adoção -, são caminhos possíveis para a humanidade. Vale ressaltar que aqui estou destacando apenas a problemática da produção de alimentos no mundo. Temos a problemática energética, econômica, sanitária, educacional e das mudanças climáticas provocadas pelo excesso populacional que foi destacada no artigo de Eric Roston. O crescimento desenfreado gera inúmeros problemas e não parecemos muito conscientes ou preocupados com o que pode acontecer. Esta é, em poucas linhas, a problemática complexa de manter a humanidade sobre a Terra e ao mesmo tempo garantir que os recursos naturais estejam disponíveis para as gerações futuras, ou seja, viver de tal maneira que as gerações futuras disponham também de meios de sobrevivência. E essa discussão passa pelo problema populacional.

A visão espírita Fazendo parte do meio espírita, tenho me deparado com algumas opiniões apressadas e, no meu entendimento pessoal, equivocadas sobre o problema do crescimento populacional e do desenvolvimento. Essas opiniões eu expressei em um artigo(1) onde eu discuto a ideia comum no movimento espírita de que existe uma fila de espíritos que querem reencarnar e por isso não devemos impedir a reencarnação deles. Conheço famílias que chegam ao extremo de não utilizar qualquer método contraceptivo. De fato, acreditamos que existe uma população espiritual muito superior à população de encarnados, e muitos deles esperam a oportunidade de reencarnar. O fato é que, considerando a população de cerca de sete bilhões, essa oportunidade nunca esteve tão disponível como no atual momento da humanidade. Mesmo que reduzíssemos o número de filhos por família, a população continuaria a crescer e isso é o que de fato acontece hoje. As pessoas têm menos filhos, porém existem mais pessoas que têm filhos e por isso a população continua crescendo em ritmo exponencial, apenas diminuímos o ritmo de crescimento. Diminuir o ritmo é importante porque dará tempo à humanidade de criar soluções para esse problema. Se o crescimento for mais rápido do que nossa capacidade de inovar e resolver esse desafio, então teremos uma catástrofe. Isso faz parte da lei de causa e efeito e do aprendizado coletivo da humanidade. Deus permite que aprendamos com nossos próprios erros e nos legou o livre-arbítrio. É certo que a espiritualidade conduz a nossa caminhada evolutiva, mas não para impedir que qualquer coisa de ruim aconteça. Se assim fosse, as guerras nunca teriam acontecido. Outro dia um amigo contestou meu ponto de vista, dizendo que a Terra sempre produz o necessário para o sustento da humanidade e citou o seguinte trecho de O Livro dos Espíritos: 704. Dando ao homem a necessidade de viver, Deus ter-lhe-á fornecido sempre os meios de consegui-lo? “Sim, e, se ele não os encontra, é que não os compreende. Deus não daria ao homem a necessidade de viver, sem lhe dar os meios de consegui-lo; é por isso que fez a Terra produzir o necessário a todos os seus habitantes, pois apenas o necessário é útil: o supérfluo nunca o é.” 705. Por que nem sempre a Terra produz o bastante para fornecer o necessário ao homem? “É que o homem, ingrato, a negligencia! Ela é, entretanto, uma excelente mãe. Frequentemente, também, ele acusa a Natureza do que é resultado da sua imperícia ou de sua imprevidência. A Terra produziria sempre o necessário, se o homem soubesse contentar-se com isso. Se o que ela produz não é suficiente para todas as necessidades, é porque o homem emprega no supérfluo o que poderia ser utilizado no necessário. Olha o árabe no deserto; ele encontra sempre do que viver, porque não cria para si necessidades factícias; porém, quando a metade dos produtos é desperdiçada, para satisfazer a fantasias, deve o homem se espantar, por nada ter, no dia seguinte? Tem razão de se queixar, por estar desprovido, quando chega o tempo da penúria? Em verdade, vos digo, não é a Natureza que é imprevidente, é o homem, que não sabe se controlar.” Respondi ao meu amigo que esse trecho, ao contrário do que ele disse, vem prestar apoio ao meu ponto de vista. De fato, hoje não faltam alimentos no mundo, mas a grande oferta de alimentos não se dá porque aprendemos a aproveitar de forma racional os recursos da Terra, mas sim porque criamos um modelo predatório de produção, e o que é pior, sem resolver os problemas da distribuição desse alimento que é desperdiçado. Nós, espíritas, sempre somos entusiastas do desenvolvimento sem refletir que existem muitos caminhos e significados para essa palavra. Desenvolver, no sentido espiritual é sempre positivo, mas no sentido das coisas humanas essa palavra pode ser dúbia e esconder injustiças e desigualdades. O Livro dos Espíritos critica justamente a cultura do supérfluo que é a cultura que embasa nosso modelo de produção e consumo. Dizem os Espíritos, em outras palavras, que o supérfluo não é sustentável. O fato é que vivemos uma corrida contra o tempo do limite de Malthus, uma corrida onde estamos atingindo o esgotamento dos recursos naturais e as pessoas não parecem dispostas a abrir mão do supérfluo. Diante disso, temos que discutir todas as alternativas e, dentre elas, ter menos filhos. O crescimento e o desenvolvimento é sempre bom quando ocorre de maneira planejada e racional e é sob essas condições ideais que os Espíritos falaram de maneira otimista, porque sabem os Espíritos que o equilíbrio está na Natureza, porém quando o crescimento ocorre de forma predatória e insustentável, como tem ocorrido desde a revolução industrial, é preciso por um pé atrás. Esse é o entendimento de Kardec no comentário da questão 707: “A desgraça, para muitos, é que enveredam por um caminho que não é o que a Natureza lhes traçou; é então que lhes falta a inteligência para obter êxito. Há um lugar ao sol para todo o mundo, mas com a condição de que cada um tome o seu lugar e, não, o dos outros. A Natureza não poderia ser responsável pelos vícios da organização social e nem pelas consequências da ambição e do amor-próprio”. A ambição e o amor próprio estão na raiz de toda essa problemática. São essas duas chagas que estão na raiz do nosso atual modelo de crescimento e é por elas que já estamos sofrendo as consequências dos nossos desmandos sobre a Natureza.

Referência: (1) Métodos Contraceptivos e Planejamento Reencarnatório. Disponível em: http://www.espiritismo.net/node/6727/ .

  • Breno Henrique de Sousa é paraibano, professor da Universidade Federal da Paraíba nas áreas de Ciências Agrárias e Meio Ambiente. Está no movimento Espírita desde 1994, sendo articulista e expositor. Atualmente faz parte da Federação Espírita Paraibana e atua em diversas instituições na sua região.