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Uma cidade em que as pessoas caminhem mais e dirijam menos e onde a vontade da comunidade seja respeitada e considerada no planejamento urbano. Parece um sonho distante? Para sir David King, um exemplo para as cidades-verdes do futuro. Jorge Hessen comenta.

  • Data :29 Mar, 2015
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29 de março de 2015

‘Favelas poderiam servir de modelo para cidades do futuro’

Luiza BandeiraDa BBC Brasil em Londres Uma cidade em que as pessoas caminhem mais e dirijam menos. Uma cidade em que a vontade da comunidade seja respeitada e considerada no planejamento urbano. Parece um sonho distante? Para um dos ambientalistas mais respeitados da Grã-Bretanha, esses elementos já estão presentes em favelas brasileiras e poderiam ser um exemplo para as cidades-verdes do futuro. “Precisamos ser mais sensíveis à forma como as comunidades querem viver junto”, diz o físico britânico (nascido na África do Sul) sir David King, presidente do grupo de inovação urbanística Future Cities Catapult. “É um processo de construir comunidades, não destruí-las. Construir um ambiente em que as pessoas encontrem seus vizinhos, trabalhem com eles em projetos comunitários”, afirma ele, em entrevista à BBC Brasil. Mas isso não significa que as favelas sejam um modelo em todos os sentidos. O que King defende é a adoção de duas de suas mais desejáveis características: a forma de auto-organização das comunidades, evitando o planejamento “de cima para baixo”, e distâncias que podem ser vencidas a pé. King também traça um paralelo entre as favelas e as cidades medievais. Ele defende que uma cidade planejada “do zero” a partir do modelo de favelas e cidades medievais se aproximaria de Barcelona - e seria o oposto da capital econômica do Texas, Houston.

Leia trechos da entrevista a seguir: BBC Brasil - Por que as favelas poderiam ser exemplos para as cidades no futuro? David King - Há dois aspectos. Primeiro, precisamos aprender com o jeito como as comunidades se auto-organizam. Evitar o planejamento de cima para baixo, em que os urbanistas acham que sabem mais do que as comunidades. É uma questão de trabalhar com as pessoas do local e ver o que elas querem. No passado, governos já acabaram com favelas e colocaram prédios altos no lugar. A comunidade, quando se muda de volta para esses prédios, recria o ambiente comunitário que as favelas representavam. É quase gratificante ver que a vida local se passa, na verdade, no espaço entre esses prédios altos. Meu ponto não é que as favelas são lugares bons, e nem é boa a ocupação ilegal e o comportamento que vem com isso. Mas precisamos ser mais sensíveis à forma como as comunidades querem viver junto. Essas favelas muitas vezes viram motores para o crescimento econômico, como em Nairóbi e Mumbai. É uma questão de mostrar respeito às pessoas e demonstrar que a auto-organização delas pode ter resultados muito positivos. Em Lima, arquitetos europeus fizeram um projeto em que construíram apenas as bases das casas e as partes mais difíceis, como banheiro e cozinha. E deixaram as pessoas continuarem as construções. Se você for nessas áreas hoje, verá que algumas dessas casas têm três andares, são todas diferentes. Mas todas se encaixam muito bem no ambiente que foi criado. A possibilidade de andar é crucial (nas favelas). Você não precisa ter um carro para se locomover e isso é uma grande vantagem. O que existe em Lima é uma espécie de versão modelo do que estou falando. Existe um paralelo com as antigas cidades medievais da Europa, cujo design era em parte resultado da auto-organização, mas também determinado pelo fato de que as pessoas andavam de um lugar para o outro. A possibilidade de andar era um atributo chave para esses locais funcionarem. As pessoas podiam andar de casa para o trabalho, para locais de lazer, para locais de compras. Cada área dessas cidades medievais é uma combinação do que as pessoas querem e precisam no seu dia a dia. E ficam a uma distância razoável a pé. BBC Brasil - Na prática, se fôssemos começar uma cidade do zero inspirada pelas favelas, como ela seria? David King - Primeiro eu vou te dizer como uma cidade não deve ser: como Houston. É provavelmente a cidade menos densa do mundo. Ou Atlanta. São cidades que acreditam que todo mundo deve morar longe dos outros. E as pessoas chegam a pegar o carro para ver seus vizinhos. E, claro, para ir ao trabalho, comprar algo e para qualquer outra coisa. Essas cidades, de baixa densidade, fazem as pessoas gastarem muita energia no dia a dia, são naturalmente caras e pobres em transporte de massa, pelas grandes distâncias que os ônibus teriam que percorrer, e não são agradáveis para as pessoas. Em Houston, a média de tempo gasto no carro é de 3 horas por dia, 7 dias por semana. E há muita obesidade. Se começássemos uma cidade do zero, uma cidade modelo seria como Barcelona - uma cidade medieval que manteve a noção de poder andar e de alta densidade. As cidades modernas estão completamente congestionadas e ninguém quer ficar sentado dentro de um carro em um engarrafamento dia após dia. É um processo de construir comunidades, não destruí-las. Construir um ambiente em que as pessoas encontrem seus vizinhos, trabalhem com eles em projetos comunitários. É muito mais provável isso ocorrer em uma cidade de modelo medieval com alta densidade demográfica que do que nas Houstons e Atlanta. BBC Brasil - Favelas são locais com diversos problemas, que vão de violência à poluição. Isso pode indicar que esta auto-gestão está fracassando? David King - Em geral, quando falamos de favelas, falamos de pessoas que criaram estes espaços precisamente porque não há outro lugar para morar. Em ambientes urbanos que criam espaço suficiente para as pessoas, as favelas não se auto-organizam. O desenvolvimento urbano que ocorreu de forma acelerada na América Latina entre 1950 e 2010 já chegou ao fim, mas levou - quanto seria? - 75% das pessoas nessa parte do mundo a viver em áreas auto-organizadas. Isso ocorreu porque havia falta de planejamento, mas também de financiamento para este rápido desenvolvimento urbano. Não estou sugerindo que é boa ideia criar ambientes em que as pessoas vivam fora da sociedade normalmente organizada, ou usem eletricidade sem pagar, etc. Mas estou sugerindo que respeitar o ambiente que essas pessoas criaram é uma boa ideia. A favela é um ambiente urbano que funciona apesar dos problemas. BBC Brasil - O sr. já esteve em alguma favela? O que achou? David King - Já estive em favelas no Rio e em Caracas. Uma das coisas interessantes é que você espera encontrar casas construídas de forma precária, e que o espaço entre as casas seja muito precário. Então, como as favelas costumam ter muitas subidas, é interessante se ver subindo por uma escada sólida, ver que as pessoas criaram um ambiente que funciona. Acho que essa é a grande surpresa. BBC Brasil - A chegada de serviços públicos às favelas muitas vezes resulta em gentrificação - processo acelerado, no Brasil e especialmento no Rio, pela Copa do Mundo e pelas Olimpíadas. As favelas podem tirar algum proveito destes eventos? David King - Se olharmos para o legado de outros Jogos Olímpicos, houve exemplos bons e outros muito ruins. Na Grécia, depois das Olimpíadas, muitas das instalações caíram em desuso e estão degradadas. Em Londres, quando começamos a planejar, não havia uma visão real de que o legado era mais importante que os Jogos em si. Depois do primeiro ano de planejamento, houve uma rápida percepção. A chave é ver que o legado é ainda mais importante que os Jogos. E Londres também usou os Jogos como meio de promover um renascimento urbano. As Olimpíadas foram feitas no que era talvez a parte mais pobre da cidade, e houve uma regeneração do espaço urbano. Limpar e tornar verdes esses ambientes é a chave, e não remover as pessoas. Isso nos leva a um ponto chave: a gentrificação. Evitar a gentrificação, no sentido de obrigar as pessoas a sair de um lugar porque elas não podem mais pagar para viver lá, é uma parte muito importante do processo. Se por gentrificação queremos dizer “melhorar o ambiente”, então tudo bem. Mas se queremos dizer desalojar pessoas para que a classe média possa se mudar para a área, entao é claro que é mais problemático. Não quero usar a palavra gentrificação como necessariamente ruim. Melhorar a qualidade das casas, dos serviços, é crucial. Fornecer eletricidade legal, esgoto e água, ou seja, aumentar a possibilidade de as pessoas viverem bem. Notícia publicada na BBC Brasil , em 10 de fevereiro de 2015.

Jorge Hessen comenta* A fraternidade é a lei da assistência mútua e da solidariedade comum, sem a qual todo progresso, no planeta, seria praticamente impossível. Fraternidade pode traduzir-se por cooperação sincera e legítima, em todos os trabalhos da vida. E, em toda cooperação verdadeira, o personalismo não pode subsistir, salientando-se que quem coopera cede sempre alguma coisa de si mesmo, dando o testemunho de abnegação, sem a qual a fraternidade não se manifestaria no mundo, de modo algum. Atualmente as pessoas e famílias inteiras, mormente das classes “A” e “B” no Brasil se enclaustram egoisticamente nos seus casulos arquitetônicos, a fim de não contagiar o grupo com o povão. Diferente das décadas de 1950 e 1960, quando era muito comum as pessoas compartilharem alegrias e tristezas na sociedade. Visitava-se regularmente os avós, tios, sobrinhos. Os amigos se viam, abraçavam-se, conviviam abundantemente. Concordamos com o presidente do grupo de inovação urbanística Future Cities Catapult que os moradores do chamado “subúrbio” ou até na “favela” (um ambiente urbano que funciona apesar dos problemas), embora estigmatizados os suburbanos e “favelados”, são muito mais fraternos, compartilham experiências, exercitam em grande escala a solidariedade, são mais venturosos, pois são mais sensíveis à forma como as comunidades querem viver junto. É surpreendente viver numa comunidade capaz de edificar um ambiente em que as pessoas visitem seus vizinhos, trabalhem com eles em projetos comunitários no processo de auto-organização, divorciados dos especulativos programas urbanísticos que quase sempre afeta uma região ou bairro pela alteração das dinâmicas da composição do local, tal como novos pontos comerciais ou construção de novos arranha-céus, valorizando a região e afetando a população de baixa renda local. Tal valorização é seguida de um aumento de custos de bens e serviços, dificultando a permanência de antigos moradores de renda insuficiente para sua manutenção no local cuja realidade foi alterada. Óbvio que há aquele arquiteto urbanístico abnegado, legítimo obreiro do progresso e da fraternidade, que faz grandes obras da engenharia, em sua feição beneficiária; apesar de materiais, possuem elevada significação pela extensão de sua utilidade ao espírito coletivo. Os programas de governos precisam estar sintonizados com à forma como as comunidades querem viver juntos. Quem disse que para aceitar o convite de Jesus para o Evangelho necessitamos de um carro para locomoção? Aliás, andar de casa para o trabalho (vive e versa), fazer compras, entreter-se quando plausível é um ótimo exercício para o corpo e a alma. A experiência terrena deve ser considerada uma escola de fraternidade para o nosso aperfeiçoamento e regeneração. Muitos que na Terra se encontram em tarefas purificadoras, às vezes colimam o resgate de dívidas extremamente intensas. Daí o motivo de a maioria encontrar sabor amargo nos trabalhos do mundo, que se lhes afigura rude penitenciária, cheia de gemidos e de aflições. Mas, na dor como na alegria, no trabalho fraterno como na experiência pedregosa, deveremos considerar a reencarnação um processo de sublime aprendizado fraternal, concedido por Deus em nosso caminho de progresso e redenção.

  • Jorge Hessen é natural do Rio de Janeiro, nascido em 18/08/1951. Servidor público federal aposentado do INMETRO. Licenciado em Estudos Sociais e Bacharel em História. Escritor (dois livros publicados), Jornalista e Articulista com vários artigos publicados.