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Nkosiyapha Kunene e Virginia Kunene, pais vegetarianos de um bebê de 5 meses que morreu de raquitismo agudo, estão respondendo à acusação de homicídio culposo - quando não há a intenção de matar - em um tribunal inglês. Raphael Vivacqua Carneiro comenta.

  • Data :16 Jul, 2014
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16 de julho de 2014

Pais vegetarianos são processados após morte de bebê por raquitismo agudo

Os pais vegetarianos de um bebê de cinco meses que morreu de raquitismo agudo estão respondendo à acusação de homicídio em um tribunal em Londres.

Nkosiyapha Kunene, de 36 anos, e Virginia Kunene, 32, nasceram no Zimbábue e moravam no sudeste de Londres. O filho deles, Ndingeko Kunene, morreu no dia 14 de junho de 2012.

Eles se declararam culpados da acusação de homicídio culposo - quando não há a intenção de matar.

Segundo o jornal britânico Daily Telegraph, acredita-se que o casal seguia uma dieta ovo-lacto-vegetariana. - que permite o consumo de leite e ovos, mas não de carnes.

“Devido à dieta (que Virginia Kunene) seguiu, a criança ficou doente”, disse o promotor do caso, Richard Whittam, acrescentando que este foi um “caso trágico”.

Não foram revelados detalhes sobre a alimentação dada ao bebê.

O juiz, Rabinder Singh, afirmou que está “analisando todas as opções” antes de proferir a sentença.

“A gravidade do crime pelo qual a vida de um bebê foi perdida é clara para todos”, disse ele em uma audiência na segunda-feira.

Os dois estão respondendo ao julgamento sob liberdade condicional.

O raquitismo é uma doença que afeta o desenvolvimento dos ossos, deixando-os fracos, e é causada por uma deficiência de vitamina D e cálcio.

A causa da doença é uma dieta pobre em nutrientes ou alguma outra doença que afete como as vitaminas e minerais são absorvidos pelo corpo.

O raquitismo costumava ser comum no passado, mas a doença quase desapareceu nos países ocidentais devido à adição de vitamina D a alimentos como cereais e margarina.

Qualquer criança pode sofrer de raquitismo, mas crianças de pele escura (já que é necessária uma quantidade maior de luz solar para conseguir vitamina D) e crianças prematuras são mais suscetíveis à doença.

Notícia publicada na BBC Brasil , em 28 de janeiro de 2014.

Raphael Vivacqua Carneiro comenta*

Este caso enseja muitas reflexões e atenção de todos, pelos fatores que levaram ao seu trágico desfecho. Nenhum sofrimento deve ser em vão; tudo deve gerar aprendizado aos homens, para que o mal não se repita e a luz prevaleça.

O casal Kunene é adepto fervoroso da Igreja Adventista do Sétimo Dia, cujas crenças incluem a adoção da alimentação mais saudável possível e a abstenção dos alimentos considerados “imundos” pelas Escrituras. A igreja possui 150 anos de existência e 18 milhões de adeptos, sendo a maioria praticante da dieta ovo-lacto-vegetariana.

Não há correlação entre a ocorrência de casos de raquitismo e a prática da dieta ovo-lacto-vegetariana, por uma razão simples: a causa mais comum de raquitismo é a deficiência grave de vitamina D, a qual auxilia a absorção de cálcio pelo organismo. A gema de ovo e os laticínios são fontes ricas de vitamina D; além disso, os laticínios e certos vegetais são fontes ricas de cálcio. É lógico, portanto, que uma dieta à base de vegetais, ovos, leite e derivados não poderia ser causa de raquitismo.

O bebê Kunene faleceu aos cinco meses de vida e era alimentado com leite materno; os nutrientes que ingeria eram provenientes do organismo da sua mãe. Ela seguia uma dieta “vegana”, mais rigorosa do que a ovo-lacto-vegetariana, e possuía deficiência de vitamina D em seu organismo. Essa deficiência não foi diagnosticada a tempo de evitar o drama.

A dieta vegana é constituída apenas por alimentos de origem vegetal; não admite ovos, nem laticínios, nem mesmo mel de abelha. Esta dieta vem ganhando popularidade; estima-se que o número de veganos nos Estados Unidos seja de 1% da população, ou seja, três milhões de pessoas. A dieta é viável em todas as fases da vida, embora exija um bom planejamento para assegurar as fontes de nutrientes importantes, como as vitaminas D e B12, ferro e ômega 3. Um dos recursos utilizados é o consumo de alimentos com suplementos nutricionais, como, por exemplo, margarinas e cereais enriquecidos com vitamina D. Pelo que se deduz, Virginia Kunene não possuía um planejamento alimentar eficiente.

O fato que mais chocou a opinião pública e influenciou o julgamento do caso Kunene foi o comportamento dos pais. Desde o seu nascimento, o bebê Kunene apresentou problemas médicos. Mesmo assim, a mãe não compareceu ao check-up médico marcado para ocorrer dois meses após o parto. Aos três meses de vida, o casal sabia que o filho não estava bem, mas preferiu apenas rezar pela sua saúde, em vez de buscar tratamento médico. No dia fatídico, o pai, que é enfermeiro de profissão, notou que o filho estava passando mal e, mais uma vez, recusou-se a chamar o socorro médico. Em vez disso, apenas orou. Ele acreditava que recorrer aos médicos seria um pecado, uma demonstração de pouca fé, uma vez que a vida ou a morte do seu filho seria determinada pela vontade de Deus.

Diante de tal negligência movida pelo fanatismo religioso, a justiça britânica condenou o casal a três anos de prisão, por crime de homicídio culposo. O juiz declarou que o direito de alguém seguir uma religião não pode sobrepujar o direito à vida, principalmente a de uma criancinha indefesa.

A Igreja Adventista do Sétimo Dia declarou que a visão religiosa dos Kunene é muito extrema e não reflete a doutrina pregada pela instituição. Eles não estavam praticando a alimentação recomendada pelos adventistas. Além disso, a igreja sempre aconselha os seus membros a buscarem conselhos médicos. Afirma ainda que as pesquisas dos institutos de saúde pública norte-americanos constataram que os adventistas constituem um dos grupos de pessoas de maior longevidade, o que confirma os benefícios da dieta vegetariana.

O que diz o Espiritismo sobre todo este caso? No que se refere à alimentação, a Doutrina Espírita é bem flexível, ao afirmar que a lei divina prescreve que o homem se alimente conforme exija o seu organismo, para que mantenha as suas forças e a sua saúde, e possa cumprir a lei do trabalho. É permitido ao homem alimentar-se de tudo o que não lhe prejudique a saúde.

Entretanto, outros autores espirituais posteriormente aprofundaram o pensamento acerca deste tema. Tudo nos é lícito; porém nem tudo nos convém. O Espírito André Luiz, na obra “Missionários da Luz”, reproduz uma fala do seu instrutor Alexandre, em que critica o hábito de consumo de carne a pretexto de buscar recursos proteicos. Segundo ele, os homens esquecem-se de que a sua inteligência, tão fértil na descoberta de comodidade e conforto, teria recursos de encontrar novos elementos e meios de incentivar os suprimentos proteicos ao organismo, sem recorrer às indústrias da morte dos animais. Afirma ainda que tempos virão em que o estábulo, assim como o lar, será também sagrado. Na obra “O Consolador”, o Espírito Emmanuel, mentor de Chico Xavier, afirma que a ingestão de vísceras dos animais é um erro de enormes consequências. Segundo ele, haverá novos tempos, em que os homens poderão dispensar da alimentação os despojos sangrentos de seus irmãos inferiores. Na obra “Cartas e Crônicas”, o Espírito Irmão X, pseudônimo de Humberto de Campos, recomenda diminuirmos a volúpia de comer a carne dos animais. Segundo o autor, o “cemitério da barriga” é um tormento, após a transição para além-túmulo.

No que se refere à prática da oração, a Doutrina Espírita é muito favorável. A prece é considerada a manifestação de uma lei natural, um sentimento inato, que aproxima a criatura ao Criador pela elevação do pensamento, com o propósito de louvar, pedir e agradecer. A prece torna melhor o homem, porque aquele que ora com fervor e fé se faz mais forte contra as tentações e se predispõe a receber o socorro dos bons Espíritos.

A aceitação dos desígnios de Deus também é uma conduta espírita. Chegado o momento da morte, a ele não podemos nos furtar. Entretanto, jamais devemos descuidar de tomar as precauções para evitar as ameaças à vida. Segundo ensinam os Espíritos benfeitores, frequentemente as precauções que tomamos são justamente sugeridas por eles, com a finalidade de evitar a morte que nos ameaça. É um dos meios empregados pela Providência divina para que a morte não ocorra.

Na página inicial da obra “O Evangelho segundo o Espiritismo”, Allan Kardec estampou a máxima que talvez represente o aspecto mais libertador da Doutrina Espírita: “Fé inabalável só o é a que pode encarar frente a frente a razão, em todas as épocas da Humanidade”. A dieta alimentar escolhida pela família Kunene e a sua manifestação de fé por meio da oração e da resignação não merecem qualquer ressalva, do ponto de vista espírita. O aspecto mais importante deste episódio, contra o qual todos devemos nos precaver, é a fé cega, reflexo da ignorância e do fanatismo religioso.

A fé cega aceita, sem verificação, tanto o verdadeiro como o falso, e a cada passo se choca com a evidência e a razão. Levada ao excesso, produz o fanatismo. Assentada no erro, cedo ou tarde desmorona. Ainda existem homens que resistem à divina lei do progresso. Serão arrastados pela força dos acontecimentos. Apesar de encararem as coisas de pontos de vista distintos, Ciência e Religião não se repelem mutuamente; ao contrário, complementam-se.

  • Raphael Vivacqua Carneiro é engenheiro e mestre em informática. É palestrante espírita e dirigente de grupo mediúnico em Vitória, Espírito Santo. É um dos fundadores do Espiritismo.net.