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Fósseis de 1,8 milhão de anos encontrados na Geórgia sugerem que a aparência dos ancestrais humanos era muito variada; e que os ‘Homo habilis’, ‘Homo rudolfensis’ e ‘Homo erectus’ poderiam ser uma mesma espécie. Carlos Miguel Pereira comenta.

  • Data :01/01/2014
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5 de janeiro de 2014

Descoberta de novo crânio pode reescrever história da espécie humana

Fósseis de 1,8 milhão de anos encontrados na Geórgia sugerem que a aparência dos ancestrais humanos era muito variada; e que os ‘Homo habilis’, ‘Homo rudolfensis’ e ‘Homo erectus’ poderiam ser uma mesma espécie

Um crânio descoberto em 2005 na região de Dmanisi, na Geórgia, pode obrigar os cientistas a reescreverem toda a história de evolução da espécie humana. O fóssil possui aproximadamente 1,8 milhão de anos e é o mais antigo crânio completo já encontrado por pesquisadores. Suas características físicas — a caixa craniana pequena e o grande maxilar — nunca haviam sido encontradas em conjunto antes, desafiando as divisões traçadas pelos cientistas para separar as espécies de ancestrais humanos. Segundo um estudo publicado nesta quinta-feira na revista Science, a descoberta sugere que os primeiros membros do gênero Homo , aqueles classificados como Homo habilis , Homo rudolfensis e Homo erectus , faziam parte, na verdade, da mesma espécie — seus esqueletos simplesmente pertenceriam a indivíduos de aparência diferente.

Essas espécies foram todas encontradas na África, em períodos que vão até 2,4 milhões de anos atrás. Os pesquisadores usaram a variação no formato de seus crânios para classificá-las como espécies diferentes, porém aparentadas. No entanto, desde a descoberta dos primeiros fósseis, os cientistas têm enfrentado dificuldades para traçar uma linha evolutiva entre elas, sem conseguir apontar de maneira definitiva qual deu origem às outras e aos Homo sapiens.

O novo crânio descoberto na Geórgia — que ganhou o nome de Crânio 5 — combina entre suas características uma caixa craniana pequena, um rosto excepcionalmente comprido e dentes grandes. Até agora, o sítio arqueológico só foi parcialmente escavado, mas se revelou um dos mais importantes já descobertos. O fóssil foi encontrado ao lado dos restos mortais de outros quatro ancestrais humanos primitivos, um grande número de ossos de animais e algumas ferramentas de pedra.

Segundo os cientistas, os fósseis estão associados ao mesmo local e período histórico, sugerindo que as ossadas pertenceram todas à mesma espécie de ancestral humano. Isso forneceu aos pesquisadores uma oportunidade única para comparar os traços físicos de indivíduos de uma mesma espécie e o que descobriram foi uma grande variedade de tamanhos e formas, mas nada diferente da variação encontrada entre os humanos modernos. “Graças à amostra relativamente grande de Dmanisi, pudemos ver a grande diferença que existia entre os indivíduos. Essa variação, porém, não é superior à encontrada entre populações modernas de nossa própria espécie, dos chimpanzés ou bonobos”, diz Christoph Zollikofer, pesquisador do Instituto e Museu de Antropologia, na Suíça, e um dos autores do estudo.

A partir dessa conclusão, os cientistas sugerem que os fósseis mais antigos do gênero Homo , com origem na África, também representavam a variação entre os membros de uma única linhagem evolutiva: o Homo erectus . “Uma vez que vemos um padrão semelhante de variação no registro fóssil africano, é sensato assumir que também houve uma única espécie Homo naquela época”, concluiu. “E, uma vez que os hominídeos de Dmanisi são tão parecidos com os africanos, assumimos que todos representam a mesma espécie.”

Duas espécies em um mesmo crânio – O Crânio 5 foi escavado em duas etapas pelos pesquisadores. Primeiro, eles descobriram a pequena caixa craniana, no ano 2000. Seu tamanho diminuto — ela media apenas 546 centímetros cúbicos, em comparação aos 1350 centímetros cúbicos dos humanos modernos — sugeria a existência de um cérebro pequeno. Durante os anos seguintes, continuaram escavando a região, em busca do maxilar que iria completar a figura.

Em 2005, finalmente encontraram os ossos que faltavam, mas, ao contrário do esperado, o maxilar era enorme, com dentes grandes. “Se a caixa craniana e o resto do Crânio 5 fossem encontrados como fósseis separados, em lugares diferentes da África, eles seriam atribuídos a espécies diferentes", diz Christoph Zollikofer.

Durante os oito anos seguintes, os pesquisadores realizaram estudos comparativos dos cinco crânios encontrados no local. Como resultado, concluíram que eles pertenceram à mesma espécie de ancestrais humanos, surgidos pouco tempo depois de o gênero Homo divergir do Australopithecus e se dispersar da África. “Os fósseis de Dmanisi parecem muito diferentes uns dos outros, e seria tentador classificá-los como espécies diferentes”, diz Zollikofer. “No entanto, sabemos que esses indivíduos vieram do mesmo local e tempo geológico, então eles devem, em princípio, representar uma única população de uma única espécie.” Segundo os cientistas, diferenças de idade e sexo devem ser responsáveis pelas principais diferenças morfológicas.

Assim, os pesquisadores sugerem que a ideia da existência de várias espécies Homo — cada uma especializada para um ambiente da Terra — seja derrubada. Ao contrário, eles defendem a existência de uma única espécie Homo erectus , surgida no continente africano, capaz de se adaptar aos diferentes ecossistemas e que viria dar origem aos seres humanos modernos. A hipótese não deve ser aceita de imediato pela comunidade científica, mas dar origem a discussões acadêmicas e mais estudos que podem, eles sim, mudar o modo com a história evolutiva da espécie humana é narrada.

Matéria publicada na Revista Veja , em 17 de outubro de 2013.

Carlos Miguel Pereira comenta*

Ao ler esta notícia, não consigo evitar um sorriso nostálgico ao ser transportado de novo para os bancos da minha escola, deliciado com as caretas engraçadas que o meu velho e esquálido professor de história fazia ao discorrer sobre as características e habilidades daqueles seres peludos, de nomes estranhos, que ele garantia serem familiares longínquos da nossa espécie. Alguém mais ousado questionou: “Professor, como é possível saber se isto é mesmo verdade?” O professor sorriu com uma condescendência que não ocultava um sentimento de superioridade e replicou: “Essa matéria já foi transmitida anteriormente e os meus amigos já deviam sabê-la: através de registros arqueológicos!” Fez-se silêncio e mais ninguém ousou perguntar nada.

Mais de vinte anos depois, novas evidências arqueológicas parecem contradizer em parte o que o meu professor ensinava: Alguns dos hominídeos catalogados como pertencendo a espécies distintas podem afinal ser da mesma espécie. Mas por que é que se afirma que esta descoberta pode “reescrever toda a história de evolução da espécie”? Significa tão simplesmente que a ciência está a fazer o seu caminho natural de procura da verdade. Ao longo da história da ciência, inúmeras ideias científicas generalizadas e “inequívocas” foram corrigidas ou rejeitadas porque surgiram melhores evidências. Isto acontece porque a ciência é auto-corretora. Não trabalha com ideias sagradas, mas com dados objetivos. Não é forjada através de suposições, mas de fatos. Assim, havendo humildade e lucidez, um cientista deve encarar as suas assunções, descobertas e conclusões como provisórias, constituindo as melhores explicações possíveis com a informação e tecnologia disponível no momento, mas que investigações futuras poderão revelar como falsas ou incompletas.

Será que estas novas evidências podem colocar em causa a teoria da evolução das espécies de Darwin? Desde a publicação de “A Origem das Espécies”, a evolução é um conceito fundamental da biologia moderna. Não faz qualquer sentido abordar o fenômeno biológico sem o associarmos a um processo evolutivo. A quantidade de evidências existentes, desde o registro fóssil, passando pela embriologia, a morfologia comparada e a bioquímica, prova, para a esmagadora maioria dos biólogos, que a evolução não é uma teoria, mas um fato indesmentível.

Se a evolução é um fato, o modo como ela se desenvolveu, a forma como se desenrolou até à espécie humana e os mecanismos por ela responsáveis ainda se encontram abertos à discussão. O Espiritismo não tem a pretensão de ser uma referência em biologia, não é esse o seu papel. De acordo com os seus postulados, ele caminhará sempre lado a lado com as descobertas da ciência, não entrando em contradição com elas. No entanto, é necessário levantar alguns pontos para reflexão: No passado, alimentou-se a esperança de que os fios de teia que tecem a vida fossem imensamente simples. Várias vezes se esteve na iminência expectante de serem desvendados os segredos mais íntimos da vida. Essa expectativa foi sempre esmagada. É hoje reconhecido que os mais ínfimos detalhes da vida são organizados de uma forma altamente sofisticada e que o seu funcionamento é tão complexo que ainda não foi possível descobri-lo, mesmo com toda a tecnologia à disposição. O que é ainda mais extraordinário é que sistemas biológicos de elevada complexidade revelaram uma tendência para a auto-organização e aprimoramento. Será o acaso um princípio organizador? A seleção natural, sendo uma explicação lógica e genial para a compreensão de como os mais bem adaptados singraram e se desenvolveram, poderá e aplicar completamente este caminho extraordinário, desde a ameba até à mais organizada e genial complexidade? Como é possível que mutações genéticas casuais, quaisquer que sejam as suas causas, tenham produzido a mais extraordinária inteligência, gerado a mais sublime complexidade e criado toda a beleza que se encontra à distância de um olhar atento?

A Doutrina Espírita defende a existência de um novo princípio organizador: O Espírito. A ação do Espírito, através do seu perispírito, funciona como um elemento organizador e modelador, através dos campos de força e das energias que ele manipula, promovendo não apenas a homeostase do organismo, mas influenciando também a ocorrência de “saltos” e mutações genéticas, moldando lentamente a matéria orgânica às suas necessidades evolutivas. Esta ideia defendida pela Doutrina Espírita não encontra ainda suporte científico, mas, à medida que a ciência for penetrando nos mistérios que agora não admite, irá reconhecer um novo paradigma que se abre à humanidade e à compreensão de fenômenos até agora atribuídos à pura sorte.

  • Carlos Miguel Pereira trabalha na área de informática e é morador da cidade do Porto, em Portugal. Na área espírita, é trabalhador do Centro Espírita Caridade por Amor (CECA), na cidade do Porto, e colaborador regular do Espiritismo.net.