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O estudo mais recente, da Associação Americana de Saúde Pública, divulgado em 2011, registrou 400 mil casos de violência sexual de mulheres, de entre 15 e 49 anos, em apenas um ano, no ex-Zaire. Isso significa que 1.095 congolesas foram estupradas por dia - 45 por hora. Jorge Hessen comenta.

  • Data :12/12/2013
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12 de dezembro de 2013

Estupro vira arma de guerra no Congo

Estudo registra 400 mil casos de violência sexual em apenas um ano

ADRIANA CARRANCA, ENVIADA ESPECIAL / MASISI, REP. DEMOCRÁTICA DO CONGO - O Estado de S.Paulo

Em um leito do hospital de Masisi, na conturbada Província de Kivu do Norte, dominada por rebeldes, K.S., de 33 anos, não consegue olhar para o filho recém-nascido. O bebê faz parte de uma geração perdida no rastro dos conflitos na República Democrática do Congo, ex-Zaire: os filhos de estupros. O crime ocorre no país mais do que em qualquer outro lugar do mundo.

O estudo mais recente, da Associação Americana de Saúde Pública, divulgado em 2011, registrou 400 mil estupros de mulheres, de entre 15 e 49 anos, em um ano.

Isso significa que 1.095 congolesas foram estupradas por dia - 45 por hora. Num país como o Congo, de proporções continentais e infraestrutura precária que impede o acesso às regiões mais remotas, é difícil obter números confiáveis. Nos vilarejos do leste, porém, ainda mais difícil é encontrar mulheres que não tenham uma história de violência sexual para relatar.

Uma delas, de 30 anos, tentou oferecer tudo o que tinha - 1.000 francos congoleses (US$ 1) - a rebeldes do M23 quando eles a encontraram na mata, após ela ver seu marido ser morto com um tiro em um ataque contra o vilarejo de Kabizo, na região de Rutshuro, mas eles não queriam seu dinheiro. A chacina de homens e os estupros de mulheres se tornaram armas de guerra no Congo. Servem para demonstrar força e humilhar o oponente ao dominar e massacrar populações de sua etnia.

K.S. estava a caminho de Kitchanga, no território disputado por rebeldes tutsis, hutus e hundes, quando um grupo cruzou o seu caminho. Ela foi forçada a seguir com eles e a testemunhar o ataque contra seu próprio vilarejo, quando mataram os homens com facões - seu marido, entre eles. Na base dos rebeldes, foi amarrada com cordas entre duas árvores e estuprada durante três semanas, até conseguir fugir com a ajuda de uma das mulheres do campo - os grupos rebeldes mantêm mulheres para funções como cozinhar e cuidar de crianças sequestradas que se tornarão soldados.

A riqueza dos detalhes que as mulheres dão e a quantidade que chega aos hospitais com infecções, suspeita de gravidez ou de contaminação pelo vírus HIV após os estupros não deixam dúvidas de que essa não é uma tragédia fabricada.

Em 2012, os centros de saúde em Kivu do Sul, uma das 11 províncias do Congo, registraram o atendimento de pelo menos 40 mulheres por dia vítimas de estupro, em 2012, segundo relatório do Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos. Destas, um terço era de crianças, 13% das quais menores de 10 anos.

Esses são somente os casos que puderam ser registrados. “É muito difícil para as mulheres admitir que foram estupradas, porque elas têm vergonha e podem ser excluídas”, diz Maman Agathe Farini, que cuida de grávidas de risco. Como as distâncias são longas e o atendimento de emergência é dificultado por estradas precárias, elas passam os últimos três meses na casa, com 76 leitos, em um anexo do hospital de Masisi, mantido pela organização Médicos Sem Fronteiras.

Maman perdeu seu filho, de 25 anos, em um ataque e foi testemunha de dezenas de outros. No último deles, em dezembro, viu rebeldes em uma área perto do hospital. Depois, ajudou a recolher os corpos. “Eles estupraram as mulheres. Das grávidas, cortaram a barriga com facões, os bebês mortos lá dentro. As que sobrevivem a um ataque como esse não querem mais ver um homem. Se engravidam (dos estupradores), não querem ver a criança, não querem alimentá-la. Muitas tentam abortar em casa. Tomam chá de ervas, usam galhos, porque, no Congo, isso é ilegal.”

K.S. tentou abortar, mas, quando descobriu a gravidez, já era tarde.

Entre 9% e 10% das mortes de mulheres no Congo é causada por abortos ilegais, a maioria por vítimas de estupros. Se nascem, as crianças serão abandonadas, excluídas do convívio social ou até assassinadas.

Em razão do componente étnico do conflito, aos olhos da comunidade, os filhos de estupros se tornam automaticamente um “interahamwe” - referência à milícia hutu responsável pelo genocídio de tutsis em Ruanda, que se refugiou nas matas do vizinho Congo após o massacre. São vistos como inimigos.

“É nesse ambiente de trauma que estão crescendo as crianças do Congo e isso é preocupante, porque já se percebe mudanças nos valores da sociedade”, diz a psiquiatra Audrey Magis, da ONG Médicos sem Fronteiras, especialista em stress pós-traumático, com experiência em países como Síria, Líbia, Egito e territórios palestinos.

“Nós fizemos campanha para que as mulheres procurassem atendimento médico após um estupro para evitar a aids. Então, hoje, elas nos procuram, mas chegam com questões práticas, como quanto tempo devem deixar de fazer sexo com o marido, porque não querem contar a eles que foram estupradas. A violência que sofreram, em si, parece ter menos impacto. São tantas mulheres violentadas que se tornou rotina.”

Os efeitos do trauma só são conhecidos mais tarde, na forma de uma doença que já não é vista no Ocidente: histeria, um tipo complexo de neurose causada por um problema emocional que se manifesta em sintomas físicos como dores e até paralisia, cegueira e surdez.

K.S. tem pesadelos constantes, em que sonha ainda estar em posse dos rebeldes.

Desperta com os próprios gritos, encharcada de suor. Ao acordar, só consegue ver no filho a materialização de seu tormento.

Notícia publicada em estadao.com.br , em 27 de outubro de 2013.

Jorge Hessen comenta*

Relatório da American Public Health Association, de 2011, recém-divulgado, registra que ocorreram mais de 400 mil casos de violência sexual na República Democrática do Congo contra mulheres com idades de entre 15 e 49 anos. Em 2012, os centros de saúde em Kivu do Sul, uma das 11 províncias daquele país, registraram o atendimento diário de pelo menos 40 mulheres vítimas de estupro, segundo relatório do Office of the United Nations High Commissioner for Human. Destas, um terço era de crianças, das quais 13% menores de 10 anos.

Nesse funesto panorama, cerca de 10% das mortes de mulheres no Congo é consequência de abortos ilegais (a maioria por vítimas de violência sexual). Os bebês que nasceram foram ou abandonados ou excluídos do convívio social ou até assassinados. Em face de provável componente étnico do conflito na região, os filhos de violência sexual se tornam automaticamente um “interahamwe” – referência à milícia hutu responsável pelo genocídio de tutsis em Ruanda, que se refugiou nas matas do vizinho Congo após o massacre.

Existem distintas pesquisas revelando que 24% dos homens e 39% das mulheres foram vítimas de estupro noutros países africanos nesses últimos anos. Infelizmente, não somente no Congo ocorre a violência sexual, mas igualmente na África do Sul, hoje considerada a “capital do estupro” do mundo. Uma menina nascida no país que Nelson Mandela redesenhou tem mais chances de ser abusada sexualmente do que aprender o alfabeto e ler. Esta questão tem muitas origens culturais, pois que 62% dos meninos com mais de 11 anos creem que forçar alguém a cópula não é um ato de violência.

Abolir a primitiva cultura da violência sexual demanda um governo arrojado e atuações direcionadas para acarretar transformações morais para alguns grupos africanos. As implicações das atrocidades no continente como observamos, dentre outras, são os abortamentos ou filhos rejeitados ou trucidados após a gestação. Nesses casos, sob o enfoque do Evangelho, considerando especificamente a cultura espírita, não há como acobertarmos o aborto, ou o abandono do rebento, em que pesem as variáveis na aplicação da Lei Divina, mormente em face do panorama calamitoso entre seres em escala evolutiva confessadamente primitiva.

É difícil divisar como são exatamente os cenários de crise que vivem e viveram esses países africanos após amargarem anos sob os guantes da guerra e segregação racial. O que sobra dos valores construídos por um povo? Um espaço delimitado por fronteiras cuja cultura foi depauperada, e onde aqueles que largaram as armas se portam agora como algozes que molestam homens e mulheres a esmo e subjugam qualquer um a seu bel prazer. Mas que prazer é esse? Como explicar o comportamento animalesco que assumem esses estupradores? Aliás, de Angola também se noticiaram outras tantas barbaridades sexuais contra as mulheres.

Podemos inferir que esses irmãos africanos incorreram no mesmo erro de antanho, e que talvez tenham se proposto a reparar através da reencarnação na região. Parece que o caos africano instiga os espíritos a cair no mal, quem sabe por indução maléfica de outros desencarnados que se alimentam dessa situação de terror. Obviamente os “milicianos” que trucidam os homens inimigos e violentam sexualmente as mulheres são espíritos em escala evolutiva muito primária. São seres muito próximos da irracionalidade.

Naturalmente não podemos, perante tais flagelos, permanecer em estado de inércia compassiva, sob impulsos de petrificação emocional; até porque somos todos oriundos de um mesmo Senhor e a humanidade na Terra é constituída pela soma de todos nós.

Inobstante os contrastes da vida social, considerando os mosaicos das culturas humanas, Jesus permanece na administração do Planeta. Há uma ordem nas coisas e não jazemos desamparados pelos prepostos do Mestre, que escoltam cada episódio e ajeitam o ensejo de correção para os que cometem infrações e o acolhimento das que padecem da estupidez dos perversos no curso da prova terrena.

  • Jorge Hessen é natural do Rio de Janeiro, nascido em 18/08/1951. Servidor público federal aposentado do INMETRO. Licenciado em Estudos Sociais e Bacharel em História. Escritor (dois livros publicados), Jornalista e Articulista com vários artigos publicados.