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Quando as coisas realmente apertam – quando não tem ninguém por perto e as luzes se apagam – será que somos naturalmente bons? Isto é, será que estamos predispostos a agir de maneira cooperativa às nossas próprias custas? Claudio Conti comenta.

  • Data :04/04/2013
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4 de abril de 2013

Cientistas investigam a natureza humana e descobrem que somos bons, afinal

Estudos recentes descobrem que nossos impulsos são altruístas.

Adrian F. Ward

Quando as coisas realmente apertam – quando não tem ninguém por perto e as luzes se apagam – será que somos naturalmente bons? Isto é, será que estamos predispostos a agir de maneira cooperativa, a ajudar os outros mesmo às nossas próprias custas? Ou será que somos, em nossos corações, criaturas egoístas?

Há muito essa questão fundamental sobre a natureza humana alimenta discussões. A doutrina do pecado original de Agostinho proclamava que todas as pessoas nascem defeituosas e egoístas, e que só são salvas pelo poder da intervenção divina. Hobbes também argumentava que os humanos eram selvagemente auto-centrados; no entanto, ele sustentava que a salvação não vinha do divino, mas por meio do contrato social, ou lei civil. Por outro lado, filósofos como Rousseau argumentavam que as pessoas nasciam boas, instintivamente preocupadas com o bem-estar dos outros. Mais recentemente, essas questões sobre a natureza humana – egoísmo e cooperação, deserção e colaboração – foram trazidas a público por programas como o Survivor e o Golden Balls do Reino Unido, que testam o equilíbrio entre egoísmo e cooperação colocando a força dos laços interpessoais contra o desejo por grandes somas de dinheiro.

Mas nem mesmo os mais atraentes choques televisivos entre egoísmo e cooperação fornecem mais que evidências anedóticas. E nem mesmo os mais eloquentes argumentos filosóficos significam alguma coisa sem dados empíricos.

Um novo conjunto de estudos fornece dados convincentes que nos permitem analisar a natureza humana não pelo caleidoscópio de um filósofo ou pela câmera de um produtor de TV, mas pelas claras lentes da ciência. Esses estudos foram realizados por um grupo diverso de pesquisadores de Harvard e Yale – um psicólogo do desenvolvimento com formação em teoria evolutiva dos jogos, um filósofo moral que virou psicólogo, e um biólogo-matemático – interessados na mesma questão essencial: se nosso impulso automático – nosso primeiro instinto – é agir de maneira egoísta ou cooperativa.

Esse foco nos primeiros instintos surge da teoria do processo duplo da tomada de decisões, que explica decisões (e comportamentos) em termos de dois mecanismos: intuição e reflexão. A intuição é frequentemente automática e sem esforço, levando a ações que ocorrem sem compreensão das razões por trás dela. A reflexão, por outro lado, é apenas pensamento consciente – identificar comportamentos possíveis, pesar os custos e benefícios de resultados prováveis, e escolher racionalmente um curso de ação. Com esse quadro de processo duplo em mente, podemos reduzir as complexidades da natureza humana a uma questão simples: qual comportamento – egoísmo ou cooperação – é intuitivo, e qual é produto da reflexão natural? Em outras palavras, será que nós cooperamos quando superamos nosso egoísmo intuitivo com autocontrole racional , ou será que agimos de maneira egoísta quando superamos nossos impulsos intuitivos de cooperação com o autointeresse racional ?

Para responder essa pergunta, os pesquisadores primeiro aproveitaram a confiável diferença entre intuição e reflexão: processos intuitivos operam rapidamente, enquanto processos reflexivos operam de maneira relativamente lenta. É provável que a tendência comportamental – egoísmo ou cooperação – predominante quando as pessoas agem rapidamente seja a resposta intuitiva; a resposta que mais provavelmente se alinha com a natureza humana básica.

Primeiro os pesquisadores examinaram ligações prováveis entre velocidade de processamento, egoísmo e cooperação usando dois paradigmas experimentais (o “dilema do prisioneiro” e um “jogo de bens comuns”), cinco estudos, e um total de 834 participantes provenientes dos campi das duas universidades e de uma amostra nacional. Cada paradigma consistia de tarefas financeiras de tomada de decisão em grupo e pedia que os participantes escolhessem entre agir de maneira egoísta – optando por maximizar os benefícios individuais à custa do grupo – ou cooperativamente – optando por maximizar os benefícios do grupo à custa do indivíduo. Os resultados foram marcantes: em todos os estudos, decisões mais rápidas – isto é, mais intuitivas – foram associadas a níveis mais altos de cooperação, enquanto decisões mais lentas – ou seja, mais refletidas – foram associadas a níveis mais altos de egoísmo. Esses resultados sugerem que nosso primeiro impulso é cooperar – que Agostinho e Hobbes estavam errados, e que nós somos fundamentalmente criaturas “boas” afinal.

Os pesquisadores seguiram esses estudos correlacionais com um conjunto de experimentos em que manipulavam diretamente tanto essa aparente influência sobre a tendência de cooperar – velocidade de processamento – quanto o mecanismo cognitivo que se pensava ser associado a essa influência – a tomada intuitiva, e não reflexiva, de decisões. No primeiro desses estudos, pesquisadores juntaram 891 participantes (211 alunos de graduação e 680 participantes de uma amostra nacional) e pediram a eles que jogassem um jogo de bens comuns com uma alteração fundamental: esses participantes foram forçados a tomar decisões rapidamente (dentro de 10 segundos) ou lentamente (depois de 10 segundos, no mínimo). No segundo, os pesquisadores fizeram 343 participantes jogarem um jogo de bens públicos depois de instruí-los a usar o raciocínio intuitivo ou reflexivo. Os dois estudos mostraram o mesmo padrão – fossem as pessoas forçadas a usar a intuição (agindo com limitações de tempo), ou simplesmente encorajadas a fazê-lo (com instruções), elas davam significativamente mais dinheiro para o bem comum do que os participantes que confiavam na reflexão para tomar suas decisões. Isso novamente sugere que nosso impulso intuitivo é cooperar com outros.

Se examinados juntos, esses estudos – sete experimentos totais, usando incríveis 2068 participantes – sugerem que nós não somos criaturas intuitivamente egoístas. Mas será que isso significa que somos naturalmente cooperativos? Ou será que a cooperação é nosso primeiro instinto simplesmente por que é recompensada? Afinal de contas, vivemos em um mundo em que vale a pena lidar bem com outros: cooperar nos ajuda a fazer amigos, ganhar capital social, e encontrar sucesso social em vários domínios. Para abordar essa possibilidade, os pesquisadores também executaram outro estudo. Nesse, eles perguntaram a 341 participantes de uma amostra nacional sobre suas interações diárias – especificamente, se suas interações eram ou não cooperativas; eles descobriram que a relação entre velocidade de processamento (isto é, intuição) e cooperação só existiam para aqueles que relataram ter interações primariamente cooperativas na vida diária. Isso sugere que a cooperação só é a resposta intuitiva para aqueles que rotineiramente se engajam em atividades onde esse comportamento é recompensado – a “bondade” humana pode resultar da aquisição de uma característica regularmente recompensado.

No correr das eras, as pessoas se perguntaram sobre o estado básico da natureza humana – se somos bons ou maus, cooperativos ou egoístas. Essa questão – uma que é central para quem somos – já foi abordada por teólogos e filósofos, apresentada ao público por programas de televisão, e dominou as noites insones de vilões tomados pela culpa e vítimas aturdidas; agora ela também foi abordada pela pesquisa científica. Apesar de nenhum conjunto de estudos ser capaz de fornecer uma resposta definitiva – não importa quantos experimentos sejam conduzidos, ou quantos participantes estejam envolvidos – essa pesquisa sugere que nossas respostas intuitivas, nossos primeiros instintos, tendem a levar à cooperação em vez de levar ao egoísmo.

Apesar dessa evidência não resolver definitivamente o problema da natureza humana, ela nos dá evidências que podemos usar para montar o quebra-cabeças – e nossas soluções provavelmente terão variações de acordo com nossa definição de “natureza humana”. Se a natureza humana é necessariamente inata, então podemos não ser bons nem maus, cooperativos ou egoístas. Mas se a natureza humana é simplesmente a maneira como tendemos a agir com base em nossos impulsos automáticos e intuitivos, então parece que somos uma espécie extraordinariamente cooperativa, disposta a contribuir para o bem do grupo até mesmo às nossas próprias custas.

Notícia publicada na Scientific American Brasil , em 22 de novembro de 2012.

Claudio Conti comenta*

O artigo em análise requer grandes ponderações acerca da interpretação que o movimento espírita dá ao processo evolutivo que os espíritos viventes neste planeta estão particularmente submetidos.

O entendimento comum é de que os espíritos, criados simples e ignorantes, evoluem sim, mas que, para isso, passam pela fieira das paixões. Nesta interpretação, o espírito que era inicialmente isento de paixões necessita, para seu aprendizado, desenvolver características negativas para, depois, se aprimorarem. Contudo, este mesmo entendimento reconhece que as Leis Divinas estão impressas no espírito, conforme afirma “O Livro dos Espíritos” na questão 621. Portanto, fica a questão: Por que haveria a necessidade de desenvolver características negativas para depois se depurarem se as Leis já estão gravadas no espírito?

Outra abordagem seria a de que os espíritos ligados a um mundo de expiações e provas são mais uma exceção do que a regra. Em outras palavras, não haveria necessidade do desenvolvimento das paixões nem, tampouco, de processos expiatórios. O surgimento das paixões seria decorrente de escolhas de uma parcela de espíritos, mas não de todos, e aqueles que não “optaram” por este caminho permaneceriam no processo evolutivo caracterizado por aprendizado, sem provas ou expiações, mas apenas pelo desejo íntimo de trabalharem para a finalidade da criação.

Na questão 1009 de “O Livro dos Espíritos”, em dissertação do espírito que se apresentou como Paulo, apóstolo, encontramos este conceito ao dizer: “Quem é, com efeito, o culpado? É aquele que, por um desvio, por um falso movimento da alma, se afasta do objetivo da criação, que consiste no culto harmonioso do belo, do bem, idealizados pelo arquétipo humano, pelo Homem-Deus, por Jesus-Cristo.”

A seguir estão apresentadas algumas citações de “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, Cap. III, que podem servir para maiores esclarecimentos acerca desta questão:

“As qualidades inatas que eles trazem consigo constituem a prova de que já viveram e realizaram certo progresso. Mas, também, os numerosos vícios a que se mostram propensos constituem o índice de grande imperfeição moral.”

“Os Espíritos em expiação, se nos podemos exprimir dessa forma, são exóticos, na Terra; já tiveram noutros mundos, donde foram excluídos em consequência da sua obstinação no mal e por se haverem constituído, em tais mundos, causa de perturbação para os bons.”

“A Terra, conseguintemente, oferece um dos tipos de mundos expiatórios, cuja variedade é infinita, mas revelando todos, como caráter comum, o servirem de lugar de exílio para Espíritos rebeldes à lei de Deus.”

Um ponto que precisamos estar sempre atentos é que a Doutrina Espírita nos moldes que conhecemos foi trazida para espíritos em expiação e provas. Desta forma, podemos compreender porque somos essencialmente bons, mas quando utilizamos nosso livre-arbítrio na condução do nosso comportamento nem sempre agimos e pensamos como deveríamos.

  • Claudio Conti é graduado em Química, mestre e doutor em Engenharia Nuclear e integra o quadro de profissionais do Instituto de Radioproteção e Dosimetria - CNEN. Na área espírita, participa como instrutor em cursos sobre as obras básicas, mediunidade e correlação entre ciência e Espiritismo, é conferencista em palestras e seminários, além de ser médium pscógrafo e psicifônico (principalmente). Detalhes no site www.ccconti.com .