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Prevenir o suicídio é o Santo Graal de todos os tratamentos de saúde mental. Mas a forma como isto está sendo feito pode estar causando mais mal do que bem, segundo análise publicada no American Journal of Psychiatry. André Henrique de Siqueira comenta.

  • Data :14/01/2013
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14 de janeiro de 2013

Critério médico de prevenção do suicídio deixa pacientes vulneráveis

Da New Scientist

Risco de errar

Prevenir o suicídio é o Santo Graal de todos os tratamentos de saúde mental.

Mas a forma como isto está sendo feito pode estar causando mais mal do que bem.

Essa é a mensagem polêmica de uma análise que acaba de ser publicada no American Journal of Psychiatry, por Matthew Large (Universidade de Nova Gales do Sul) e Olav Nielssen (Universidade da Austrália).

O estudo sugere que o principal fator usado pelos médicos para avaliar o risco de suicídio acaba tirando o tratamento de quem mais precisa, e tratando em excesso aqueles que não precisam.

Avaliação do risco de suicídio

Segundo os dois psiquiatras, a maioria dos suicídios ocorre entre aqueles pacientes com problemas psiquiátricos considerados de baixo risco.

É tão difícil prever quem vai realmente atentar contra a própria vida que cerca de 98 a 99 por cento das pessoas consideradas de alto risco, e por isso encarceradas ou fortemente medicadas, nunca irão cometer suicídio, diz o Dr. Large.

“Mesmo as pessoas que classificamos como de baixo risco são muitas vezes mais propensas a se matar do que os membros da comunidade em geral,” afirma ele. “Avaliar pacientes psiquiátricos como de alto e baixo risco é como comparar a diferença entre o 10º e o 11º andares e não olhar para a diferença entre esses andares e o chão.”

O psiquiatra explica que o “pilar fundamental” da avaliação de risco é a ideação suicida - ter pensamentos sobre suicídio.

Este tipo de ideação geralmente resulta na categorização automática do paciente como de alto risco.

Ideação suicida

Mas quando analisaram detidamente todas as evidências dos tratamentos, os dois psiquiatras descobriram que a ligação entre a ideação suicida e o suicídio não é necessariamente tão forte como se assume.

Outros fatores de risco também devem ser considerados, dizem eles.

Um paciente psiquiátrico com ideação suicida pode ter 2,5 vezes mais chances de cometer suicídio do que um paciente psiquiátrico sem a ideação suicida - observe que a comparação não é feita com a população em geral, mas entre os pacientes psiquiátricos.

Por outro lado, destacam os autores, em algumas populações em geral, os homens têm 4 vezes mais probabilidade de morrer de suicídio do que as mulheres.

Por isso, basear-se na ideação suicida para escolher quem tratar, pode até mesmo resultar em mais suicídios em geral, uma vez que menos esforços serão direcionados para o grupo de “baixo risco”.

Mito confortável

Os pesquisadores afirmam que inúmeros pacientes se suicidam sem nunca ter planejado isto.

Além disso, muitos deles podem simplesmente não contar para o seu médico que têm ideias suicidas.

“A maior parte da avaliação de risco é um tipo de mito confortável, que só serve para justificar o racionamento dos recursos destinados a esses pacientes,” concluiu Large.

Notícia publicada no Diário da Saúde , em 20 de junho de 2012.

André Henrique de Siqueira comenta*

O que leva alguém a cometer suicídio?

O fato de pensar nesta possibilidade foi considerado o fator de risco mais comum entre os pacientes que cometem suicídio até a divulgação do estudo realizado pelos pesquisadores Matthew Large e Olav Nielssen, publicado no American Journal of Psychiatry. Segundo a pesquisa, muitas das ocorrências de suicídio ocorrem entre pessoas que nunca pensaram nesta possibilidade ou que nunca a mencionaram aos seus médicos ou familiares. O fato levou os pesquisadores a sugerirem como equivocada a acentuação de cuidados entre os pacientes que apresentam ideação suicida em detrimento do maior número de pessoas que, mesmo sem pensar em suicídio, atentam contra a própria vida.

O estudo devolve-nos a pergunta inicial: o que leva alguém a cometer suicídio?

Uma pesquisa realizada por Madelyn Hsiao-Rei Hicks e Dinesh Bhugra, do Institute of Psychiatry de Londres, apontam que entre as mulheres inglesas três causas são destacadas: 1º - a violência dos maridos contra elas; 2º - um ambiente familiar hostil e 3º - a depressão.

Uma pesquisa publicada no General Hospital Psychiatry (num. 34, 2012) teve o objetivo específico de identificar a relação entre as ideações de suicídio, o seu planejamento e realização. A pesquisa, realizada por 8 pesquisadores (Paul Links, Rosane Nisenbaum, Munazzah Ambreen, Ken Balderson, Yvonne Bergmans, Rahel Eynan, Henry Harder e John Cutcliffe), concluiu que existe a necessidade de renovação nas estratégias de prevenção de suicídio. O estudo indicou que 39,4% dos pacientes que tentaram o primeiro suicídio tentaram novamente após um período de até 6 meses após a liberação da internação hospitalar. As causas incluem majoritariamente diferentes níveis de depressão e a desesperança em relação à própria vida.

Um conjunto de estudos (Bonner & Rich, 1988; Dixon, Heppner & Anderson, 1991; D’Zurilla, Chang, Nottingham & Faccini, 1998; Priester & Clum, 1993) aponta uma estreita relação entre a existência de problemas sociais, a ideação suicida e a morte por suicídio. A pesquisa de Madelyn Hsiao-Rei Hicks e Dinesh Bhugra aponta que tais estudos estão considerando apenas pacientes psiquiátricos. As causas de suicídio incluem o déficit na capacidade de resolver problemas do dia-a-dia, causando um estresse contínuo, segundo pesquisa do Dr. Edward C. Chang, do Department of Psychology, University of Michigan, publicado no jornal especializado Personality and Individual Differences (num. 32, 2012), entitulado “Predicting suicide ideation in an adolescent population: examining the role of social problem solving as a moderator and a mediator”.

Atentar contra a própria vida como forma de resolver os problemas, tanto sociais quanto individuais, tem como premissa a falsa crença de que o suicídio marca o final da existência e, com isto, a extinção dos problemas.

Os estudos sobre suicídio têm desconsiderado um lado da questão que poderia trazer grandes esclarecimentos para o tema: a opinião dos suicidas.

As diferentes e avultadas comunicações de suicidas têm sido levadas a efeito nas reuniões de atendimento espiritual, nas quais dialogadores tratam o problema da sobrevivência ao ato de suicídio. Nestes episódios, os Espíritos, que são todos imortais em relação ao corpo físico, narram as suas tristes experiências e a surpresa de se encontrarem ainda vivos e com sofrimentos ainda maiores. É o caso de um menino de 10 anos de idade que após ser repreendido pela mãe, num ato de impulsividade rebelde, tomou veneno de rato e veio a falecer sob os cuidados de sua aflita genitora. A sua comunicação espiritual consternou a todos os presentes: “Eu queria apenas assustar minha mãe… Como faço para voltar para ela?… Eu queria ir para casa.” - eram suas dolorosas rogativas. Atendido com o carinho dos que respeitam a dor da ignorância, recebeu ele o atendimento espiritual de seu avô paterno, também desencarnado, que o auxiliou na recuperação da própria integridade para dar prosseguimento á difícil tarefa de reparação do ato impensado. Noutra ocasião, um senhor de 50 anos, desesperado pelas dívidas vultosas que contraíra, resolveu abandonar a família à própria sorte, procurando a fuga pelas portas da morte, cioso de que encontrara um ponto final nos próprios problemas. Mas a vida lhe demonstrou que, no máximo, existe uma pausa, à semelhança de uma vírgula - na brilhante expressão de Monteiro Lobato -, separando o mundo dos vivos encarnados do mundo dos vivos desencarnados. O seu sofrimento havia se intensificado, tanto ao sentir os tormentos do ato suicída que lhe permaneciam vivos na memória, quanto nas rogativas mentais de seus familiares que lhe questionavam a conduta egoísta de deixar-lhes problemas financeiros os quais decisivamente desconheciam. O seu atendimento revelou o cometimento de um crime planejado e o fato agravava o seu processo de recuperação, pois ele próprio sentia-se um pária da bondade divina, impossibilitado de qualquer misericórdia. Para sua surpresa, foi a própria esposa, também desencarnada - para ele o tempo havia parado em sua ideação pós-suicida - que lhe veio em socorro e amparo, trazia consigo a mão do autocida e estendia-lhe a mão em nome do amor que lhe votava. O fato deixou profundas marcas no grupo que lhe atendeu, tanto pela beleza do diálogo entre vítima e algoz, quanto pela bondade do momento em que o amor supera as iniquidades das loucuras humanas.

Um estudo importante sobre o problema do suicídio foi realizado em 1991 pela pesquisadora Diane M. Buchanan, da Universidade de Alberta, Canadá. No estudo, intitulado  “Suicide: A Conceptual Model for an Avoidable Death”, a pesquisadora propõe a compreensão do suicídio como dois fenômenos distintos: como um fato e como um processo. Como fato, o suicídio é o ato de por termo à própria vida, e é um fato que os profissionais de saúde tentam evitar, como ato último do suicídio como processo. Como processo, o suicídio é compreendido na forma de um conjunto de fatores que podem resultar no suicídio, como ato de por fim à própria vida ou seguir como sendo um processo que impressiona o indivíduo em sua casa mental. O modelo apresentado por Buchanan inclui fatores hereditários e outros que influenciam a vida do indivíduo e o fazem julgar episódios de seu dia-a-dia. Ao perceber mudanças em sua vida, o indivíduo faz juízo destes episódios e responde com sentimentos, pensamentos e atitudes. Seus sentimentos podem ser de esperança ou desespero, de desenvolvimento psicossocial ou de depressão. Seus pensamentos podem ser de aprendizados com a situação ou de temor diante dela. Suas atitudes podem ser de resolução efetiva de problemas ou de convivência incômoda com eles. As combinações entre tais sentimentos, pensamentos e atitudes resultam numa avaliação do valor da própria vida, segundo o modelo apresentado por Diane Buchanan. O resultado desta avaliação é o reconhecimento do valor ou desvalor da própria vida e o desejo de continuar vivendo ou de morrer (não necessariamente através do suicídio, mas de uma morte qualquer). A avaliação do desvalor da própria vida leva o indivíduo a uma atitude de desgosto com a própria existência e ao desenvolvimento de um desejo de morte, de que a vida possa terminar… Este desejo dará origem aos fenômenos da ideação da morte, ou pode simplesmente desvanecer-se com a ocorrência de novos episódios na vida do indivíduo. Mas a ideação suicida seria o episódio central no desenvolvimento de atitudes que levam à tentativa do suicídio, a qual poderá ser falha, ou ao cometimento efetivo da própria morte. Um outro caminho possível é o desenvolvimento de atitudes auto-destrutivas, o que pode ser classificado como um suicídio indireto.

Parece-nos muito especulativa a possibilidade de alguém cometer um suicídio, compreendido tanto como um fato e como processo, sem que a ideia da própria morte não tenha acionado o mecanismo da própria atitude. Compreendemos assim que o modelo do estudo realizado pelos pesquisadores Matthew Large e Olav Nielssen, publicado no American Journal of Psychiatry, refere-se efetivamente a doentes psiquiátricos, nos quais a atitude de morte não se tenha antecipada ao pensamento de suicídio, agora visto como processo de planejamento da própria morte.

Por outro lado, têm razão os pesquisadores quando apontam a necessidade de desenvolver estratégias de prevenção do suicídio em relação a pessoas que nunca pensaram em se matar. O impulso do desespero, da impossibilidade de resolver os próprios problemas e os diferentes níveis de depressão têm levado criaturas aparentemente sãs aos termos finais do comportamento suicida, mas nestes casos o processo suicida identificado no modelo da pesquisadora Diane M. Buchanan parece imperar.

Em todo caso, há que se tratar das almas. Necessitamos desenvolver comportamentos sociais mais equilibrados e antes que a flor da civilização desabroche entre as coletividades é necessário que suas sementes sejam plantadas na alma de cada um. Alegria, esperança, perspectiva e utilidade são desejos que os corações anseiam por construir e desenvolver. É preciso construir nos valores da educação espiritual (diferente de uma educação puramente religiosa que se presta à construção de crenças e dogmas sectários) a elaboração de instrumentos para melhorar as condutas humanas diante de si e da sociedade. A construção de tais valores poderá alterar a forma como o homem compreende a vida e como se comporta diante dela. Este comportamento inclui o da preservação da própria vida, como oportunidade de aprendizado, como experiência de superação através da qual compreendemos as leis da existência, o valor do próximo, a importância de nós mesmos, seres únicos e exclusivos na maravilhosa harmonia universal. Compreendendo isso, saberemos que o suicídio não é a solução!

Para Saber Mais:

KARDEC. A. O Céu e o Inferno. 40 ed. Rio de Janeiro: Federação Espirita Brasileira. 1995;

KARDEC. A. O Livro dos Espíritos. 76 ed. ed. Rio de Janeiro: Federação Espirita Brasileira. 1995;

PEREIRA. Y. A. (psicografado de Camilo Castelo Branco) Memórias de um Suicida. 10 ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira. 1992;

BUCHANAN, D. M. Suicide: A Conceptual Modelfor an Avoidable Death. Archives of Psychiatric Nursing, Vol. V, No. 6  pp. 341-349, Dezembro, 1991;

HICKS, M. H.-R. and BHUGRA, D. Perceived Causes of Suicide Attempts by U.K. South Asian Women. American Journal of Orthopsychiatry, 73: pgs. 455–462. 2003;

LINKS, P., NISENBAUM, R. AMBREEN, M. et all. Prospective study of risk factors for increased suicide ideation and behavior following recent discharge. General Hospital Psychiatry. Volume 34, Issue 1, pags. 88-97. Janeiro-Fevereiro, 2012.

  • André Henrique de Siqueira é bacharel em ciência da computação, professor e espírita.