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Há trinta anos, o psicólogo americano Michael Shermer dedica a vida a combater superstições e acaba de publicar no Brasil o livro ‘Cérebro e Crença’, no qual estuda as bases neurológicas das convicções. Cristiano Carvalho Assis comenta.

  • Data :28/10/2012
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28 de outubro de 2012

“A crença no sobrenatural é perigosa”, diz psicólogo

O americano Michael Shermer dedica a vida a combater superstições e acaba de publicar no Brasil o livro ‘Cérebro e Crença’, no qual estuda as bases neurológicas das convicções

Filipe Vilicic

Há trinta anos o psicólogo americano Michael Shermer se dedica a combater superstições. Ele criou uma ONG, uma revista (Skeptic Magazine ), sites e programas de TV focados em promover o pensamento científico e desmascarar charlatões. Shermer, que chega ao Brasil no fim deste mês para uma série de palestras, é autor de quinze livros. O último, Cérebro e Crença , foi lançado em português na semana passada. Nesta entrevista, publicada na edição de VEJA desta semana, ele diz que a tendência a se iludir com fantasias é própria do processo mental humano e defende o combate à crendice em favor do progresso.

Por que as pessoas acreditam no inacreditável? A evolução fez do cérebro uma espécie de máquina de reconhecimento de padrões na natureza. Às vezes, esses padrões são reais, mas na maioria dos casos são fruto da imaginação. Milhões de anos no passado, ao ouvir um barulho vindo da mata, um hominídeo poderia supor que se tratava de algo inofensivo, como o vento. Se estivesse errado, e fosse um predador, correria o risco de ser devorado. Nosso ancestral poderia, por outro lado, imaginar a presença de uma divindade perigosa no mato e se afastar o mais rápido possível.

A segunda opção é a que a maioria adota. Imaginar o perigo e fugir garante a sobrevivência, mas também a ignorância. Ir até o mato verificar do que realmente se trata o barulho exige curiosidade e uma batalha contra os instintos. É nessa categoria, a dos homens que não se rendem a narrativas fictícias, que se encaixa o cientista. Os crentes seguem a trilha inversa, a dos que se contentam com suposições sobrenaturais. É um fenômeno que tem a ver com a química do cérebro: a convicção de que o pensamento mágico é o que basta para a compreensão do universo produz uma sensação de prazer. Ficamos felizes em imaginar que seres místicos, sejam eles deuses ou extraterrestres, se preocupam e cuidam de nós. Não nos sentimos sós.

Como se sabe que o cérebro é propenso a acreditar no fantástico? A neurociência identifica padrões de ondas cerebrais distintos que nos levam a criar crendices e a ter prazer na constatação de que temos respostas às nossas dúvidas. Em situações extremas, como as enfrentadas por quem está no limite da resistência física ou próximo à morte, o cérebro reage com a redução da atividade na área responsável pela consciência e o aumento em regiões ligadas à imaginação. Essa reação natural está na origem das alucinações. Não há mistério nesse processo. Os cientistas são capazes de produzir visões ou a sensação de transcendência espiritual com o estímulo artificial de certas áreas do cérebro.

O senhor foi um cristão evangélico ativo no esforço de atrair fiéis para sua igreja. Como se tornou um cético? Somos mais abertos à religião na juventude e na velhice. Naturalmente, no fim da vida é comum procurar por conceitos reconfortantes, ainda que irreais. No meu caso, o apelo da crendice me atingiu na juventude, como uma explicação fácil para tudo o que existe. A religião tem um apelo social enorme. O ambiente alentador de uma comunidade ajuda a afastar as dúvidas até daqueles que não acreditam plenamente no sobrenatural e nos dogmas religiosos. Desvencilhei-me da crença ao entrar para a comunidade científica. O método científico, cujo princípio básico é o de que qualquer afirmação deve ser comprovada em experimentos repetidos, alimenta o ceticismo e favorece o progresso.

O que faz com que a ciência seja a melhor ferramenta para explicar o mundo? A ciência é democrática. Qualquer um pode estudar e chegar a conclusões racionais. Cientistas estão abertos à possibilidade de estarem errados e, por isso, promovem a invenção e a reinvenção de conceitos. É o que garante o avanço do conhecimento. A crendice é intolerante. Fixa uma verdade e não abre espaço para perguntas. Se nos apegássemos apenas ao sobrenatural, nunca teríamos saído da floresta e criado a civilização.

No mundo moderno, ainda precisamos da crença? É impossível deixar de crer. A ciência também depende da nossa capacidade de elaborar crenças. Qualquer experimento nasce com uma premissa baseada no que se acredita ser verdade. Ideologias também precisam da habilidade de crer. Eu acredito no liberalismo, na democracia e nos direitos humanos. Podemos, porém, abandonar o que não pode ser explicado, como deuses e bruxos. Não nos faria falta.

Há vantagens na crença? A evolução nos concedeu a habilidade de acreditar por boas razões. A crença em divindades nos levou a temer o mundo e, com isso, nos ajudou a sobreviver nele. Também contribuiu para a formulação de leis que regiam comunidades primitivas. A moral e a ética nasceram na religião.

Se a ética tem origem religiosa, por que ela prevalece na sociedade laica? As igrejas se tornaram um fator de corrupção, motivo de guerras e perseguições. Por sorte, presenciamos o declínio da crença no sobrenatural. Países do norte europeu, onde apenas um quarto da população segue alguma religião, têm índices de criminalidade, suicídio e doenças sexualmente transmissíveis inferiores aos de estados em que a maioria dos habitantes é de crentes, como os Estados Unidos e o Brasil. Se a religião se declara um bastião da bondade, por que, historicamente, estados teocráticos são mais suscetíveis à criminalidade do que os seculares?

Apesar de vivermos na era da ciência, cresce a crença no sobrenatural. Por quê? É verdade que vivemos num mundo em que a ciência faz parte do dia a dia. Todos gostam de iPhones e admiram as naves que pousam em Marte. Mas poucos abdicam de crenças sobrenaturais e aceitam a ciência como ferramenta para explicar o universo. A maioria só quer aproveitar os produtos da ciência. Quando se trata de responder a dúvidas primordiais, como a origem do universo ou o sentido da existência, preferem explicações irreais, mas convincentes em suas narrativas fictícias.

Por que o senhor se dá ao trabalho de combater a superstição? Sempre me perguntam por que não deixo os crentes em paz. Ocorre que a crença no sobrenatural não é inócua. Ao contrário, é bastante perigosa. Acreditar na dita medicina alternativa é um exemplo. Muita gente morre por substituir o tratamento médico sério por procedimentos supersticiosos, como o consumo de ervas com propriedades supostamente milagrosas.

Não é possível provar a existência de divindades e criaturas fantásticas. O senhor concorda que também é difícil provar que não existam? O fato de não explicarmos um mistério não significa que ele exija explicações sobrenaturais. Só mostra que ainda não há resposta. O ônus da prova cabe aos crentes. O cético só crê no que é provado. Nesse aspecto, a ciência tem feito bom trabalho ao desmascarar mitos. No passado, já se acreditou que a Terra viajava pelo cosmo no lombo de um elefante. Existem 10.000 religiões. Espanta-me a arrogância de quem supõe que só uma crença seja correta em meio a tantas.

O senhor leva em consideração que pode estar errado? Assim como todos, só descobrirei a resposta quando morrer. Como cientista, estou aberto à possibilidade de ter me enganado. Se houver um ou vários deuses, ficarei surpreso. Mas não tenho medo. Se há um Deus, ele me deu um cérebro para pensar. Meu pecado seria usá-lo para raciocinar e buscar explicações? Um ser benevolente não me puniria por utilizar bem as armas que me concedeu.

Matéria publicada na Revista Veja , em 19 de agosto de 2012.

Cristiano Carvalho Assis comenta*

Há a necessidade de se conhecer um pouco mais sobre alguns termos desta reportagem para sabermos qual é a base dos pensamentos do entrevistado e dos cientistas.

A primeira dúvida que nos vem é saber qual é a ideia da ciência oficial para considerar algo digno de estudo e o que seria neurociência. Fazendo uma busca, encontramos: “Em sentido amplo, ciência (do latim scientia, traduzido por “conhecimento”) refere-se a qualquer conhecimento ou prática sistemáticos. Em sentido estrito, ciência refere-se ao sistema de adquirir conhecimento baseado no método científico bem como ao corpo organizado de conhecimento conseguido através de tais pesquisas". O método científico é um conjunto de regras básicas de como se deve proceder a fim de produzir conhecimento dito científico. Na maioria das disciplinas científicas consiste em juntar evidências empíricas verificáveis baseadas na observação sistemática e controlada”. (Wikipédia .) Dessa forma, vemos que a ciência só considera algo para seus estudos se for possível mensurar e analisar de forma previsível e controlada.

“A neurociência é um campo de estudo que engloba diversas áreas interessadas pelo funcionamento do sistema nervoso. Investiga-se seu desenvolvimento, funcionamento, semelhanças e diferenças dele entre indivíduos e espécies, e até como ele pode deixar de funcionar. As três áreas principais são neurofisiologia, neuroanatomia e neuropsicologia, também podendo abordar a física e a medicina – pode-se, assim, adotar o termo ‘as neurociências’.” (http://universopsicologico.blogspot.com.br .)

Observando todos esses conceitos e crenças podemos ver que nada que disséssemos ou demonstrássemos aos cientistas poderia fazer que ele modificassem suas ideias. Como fazer que uma base material compreenda o espiritual? Como adequar o quadrado das regras científicas, rígidas, tendo que ser controladas e previstas em laboratório, com a espiritual que se resume bem a “o telefone só toca de lá para cá” ? (Chico Xavier.) Poderíamos tentar refutar cada uma das ideias colocadas pelo psicólogo, mas seria como sementes jogadas ao terreno infértil. Encontramos no livro O que é o Espiritismo , no tópico “Oposição da Ciência”, um diálogo entre Allan Kardec e um cientista, que muito nos esclarece sobre este assunto, e por isso norteará o nosso comentário:

Allan Kardec: “Concordai, também, que ninguém pode ser bom juiz naquilo que está fora da sua competência. Se quiserdes edificar uma casa, confiareis esse trabalho a um músico? Se estiverdes enfermo, far-vos-eis sangrar por um arquiteto? Quando estais a braços com um processo, ides consultar um dançarino? Finalmente, quando se trata de uma questão de teologia, alguém irá pedir a solução a um químico ou a um astrônomo? Não; cada um tem a sua especialidade. As ciências vulgares repousam sobre as propriedades da matéria, que se pode, à vontade, manipular; os fenômenos que ela produz têm por agentes forças materiais. Os do Espiritismo têm, como agentes, inteligências que têm independência, livre-arbítrio e não estão sujeitas aos nossos caprichos; por isso eles escapam aos nossos processos de laboratório e aos nossos cálculos, e, desde então, ficam fora dos domínios da ciência propriamente dita.”

Quantas vezes nos perguntamos por que a ciência oficial não descobriu ainda os espíritos? E chegamos à conclusão que não fazem porque não podem. Para isso, haveria necessidade de reestruturar seus paradigmas, sua forma de pesquisa e de ver o mundo. Para ela, é preferível acreditar nesta “democrática” e acanhada ideia atual de poder controlar e determinar tudo, com a nítida intenção de querer substituir Deus do que aceitar uma posição mais humilde de criador secundário e filho do Criador, com um universo de descobertas muito maior, mas ainda escondidas, devido à sua teimosia.

Às vezes, pessoas como Michael Shermer, no fundo, são as que mais desejam acreditar. Buscam incessantemente encontrar a verdade espiritual em suas viagens para desmascarar charlatões. No entanto, esta busca sempre será em vão, pois a forma que fazem é como alguém que procura laranja em limoeiro.

Ainda Allan Kardec:  “A Ciência enganou-se quando quis experimentar os Espíritos, como experimenta uma pilha voltaica; foi malsucedida como devia sê-lo, porque agiu visando uma analogia que não existe; e depois, sem ir mais longe, concluiu pela negação, juízo temerário que o tempo se encarregou de ir emendando diariamente, como já tem emendado outros; e, àqueles que o preferiram, restará a vergonha do erro de se haverem levianamente pronunciado contra o poder infinito do Criador.” (O que é o Espiritismo .)

Todos sabemos que o próprio Espiritismo nos aconselha que devemos ter cuidados com os charlatões e com os falsos profetas, analisando e aceitando apenas com a concordância da razão. No entanto, há ainda muitos que se prejudicam física e espiritualmente, conforme o relatado pelo entrevistado. Mas erra-se em considerar que todo tipo de espiritualidade seja má e que não faça falta.

Não levemos em conta o ceticismo exacerbado de alguns. Busquemos desenvolver nossa espiritualidade, independentemente de aprovação ou não da ciência oficial. Mais tarde, quando as evidências forem irrefutáveis, eles mudarão de opinião. “Quando a opinião pública se tiver formado a respeito, os membros dessas corporações a aceitarão sob o poder dos fatos. Deixai passar esta geração, levando os prejuízos do seu obstinado amor-próprio, e vereis que se há de dar com o Espiritismo o mesmo que se deu com tantas outras verdades, tão combatidas e de que hoje seria ridículo duvidar. Hoje, chamam loucos aos crentes; amanhã, será a vez dos que não crerem; foi o mesmo que se deu com os que acreditavam no movimento de rotação da Terra.” (Allan Kardec, em O que é o Espiritismo .)

Não adianta o esforço deles de lutarem contra a espiritualização dos seres. Nosso contato com Deus é instintivo, estando gravado em nossas almas. Ir contra isso é como nadar contra a maré. Mais cedo ou mais tarde cansaremos de lutar contra nossa natureza. A ciência poderá criar as maiores, melhores e mais bonitas invenções, os melhores medicamentos para tratar do corpo e as melhores teorias para abafar o espírito. No entanto, nenhuma delas será capaz de transmitir a paz do amor, a liberdade do perdão e a sustentação psicológica para suportar todas as contrariedades e perdas da vida que o desenvolvimento de nossa espiritualidade nos proporciona.

Sem dúvida, Deus não julgará ou condenará o uso da inteligência para interpretar as coisas da vida pelo nosso ponto de vista. Mas nos responsabilizará por todas as consequências que nossa opinião trouxer a nós àqueles que desejarem nos seguir. Analisemos se elas trarão esperança aos corações, sorrisos para os rostos e alegria para aqueles que nos ouvem. Caso contrário, se levamos desesperança, medo, violência ou sexualidade desregrada, necessitamos nos reestruturar. Rezemos por todos aqueles que ainda não conseguem sentir a verdade da espiritualidade e lembremos de Jesus: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem.” (Lucas, 23:34.)

  • Cristiano Carvalho Assis é formado em Odontologia. Nasceu em Brasília/DF e reside atualmente em São Luís/MA. Na área espírita, é trabalhador do Centro Espírita Maranhense e colaborador do Serviço de Atendimento Fraterno do Espiritismo.net.