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A guerra não está no feitio natural do ser humano, como defendia o filósofo inglês Thomas Hobbes no século XVII, um dos pais da política moderna e, mais recentemente, o psicólogo canadense Steven Pinker. Somos pacíficos. Reinaldo Monteiro Macedo comenta.

  • Data :24 Jun, 2012
  • Categoria :

8 de julho de 2012

Humanos são naturalmente pacíficos, afirma Frans de Waal

Primatologista defende que primatas nunca precisaram recorrer à razão para manter a violência sob controle. “O passado violento é apenas uma suposição”

Marco Túlio Pires

A guerra não está no feitio natural do ser humano, como defendia o filósofo inglês Thomas Hobbes no século XVII, um dos pais da política moderna e, mais recentemente, o psicólogo canadense Steven Pinker. O normal da nossa espécie é justamente o contrário: nós seríamos naturalmente pacíficos.

“Se realmente houvesse uma base genética para nossa participação em combates mortais, deveríamos praticá-los de bom grado”, escreve Frans de Waal, holandês especialista em comportamento animal, psicologia e primatologia, em um artigo que será publicado nesta sexta-feira na revista Science.

Waal ataca uma das suposições de Pinker no livro The Better Angels of Our Nature – Why Violence Has Declined (Editora Viking, 802 páginas, sem edição brasileira). Para o canadense, os antepassados viviam em guerra e a violência foi diminuindo lentamente com o amadurecimento do conhecimento humano, principalmente após o século XVI, com a ‘Era da Razão’.

Waal contesta essa visão. “A ideia de que vivemos um passado violento é apenas uma suposição”, disse em entrevista a VEJA. O comportamento pacífico sempre esteve presente como motor das relações sociais de antigamente em primatas humanos e não humanos. “Os primatas nunca recorreram ao iluminismo para manter a violência sob controle.”

O primatólogo apresenta sua defesa com base em dois argumentos. O primeiro diz respeito à falta de provas científicas para afirmar que os antepassados do homem viviam em um estado de guerra, além de diversos estudos que defendem justamente o contrário.

“Os caçadores-coletores comercializavam, realizavam casamentos com grupos distintos e permitiam a passagem de estranhos em seus territórios”, escreve Waal. “Eram frequentemente pacíficos e algumas vezes violentos”. Embora existam evidências de que assassinatos isolados ocorriam há centenas de milhares de anos, não há sinais de guerra antes da Revolução Agrícola, há 12.000 anos.

Arqueólogos nunca encontraram, por exemplo, cemitérios com um grande número de armas atravessando esqueletos antes da Revolução Agrícola. “Isso não quer dizer que a guerra não existia nessa época, mas significa que a suposição costumeira de que nossos ancestrais travaram longas guerras e passavam por períodos breves de paz carece de respaldo arqueológico”, escreve de Waal.

Empatia — O segundo argumento de Waal diz respeito à comparação que frequentemente se faz entre o comportamento de chimpanzés e bonobos para justificar a naturalidade da violência humana. O primatólogo defende que, embora os chimpanzés tenham comportamento por vezes agressivo, os bonobos são marcados por uma convivência relativamente pacífica e altamente empática.

“Agressão fatal entre bonobos nunca foi observada e algumas vezes grupos diferentes se misturam em atividades sexuais ou lúdicas”, argumenta. “Esses primatas podem ser os mais próximos do ancestral comum entre chimpanzés e humanos do que qualquer chimpanzé vivo.”

Avanços científicos nos últimos 10 anos começaram a questionar a visão de que a vida animal, e consequentemente a natureza humana, é baseada na competição desenfreada que leva ao estado de guerra. Depois da descoberta de que chimpanzés se beijam e abraçam frequentemente depois de uma briga dentro do grupo, inúmeros estudos documentaram a “reconciliação” em primatas não humanos e outros animais.

“A reconciliação é um mecanismo social comum que seria supérfluo se a vida social fosse regida inteiramente pela dominação e competição”, diz o pesquisador.

A paz também traz benefícios para o indivíduo. “Pessoas relatam uma sensação de recompensa após fazerem algo bom e mostram ativação de regiões relacionadas à recompensa no cérebro quando isso acontece”, escreve o especialista. “Não sabemos se isso ocorre com outros primatas e é importante que seja investigado”.

Waal finaliza a análise dizendo que o estudo da empatia pode ser a única saída para lidar com a guerra. “Sabemos que ela pode ser ativada por seres de outras espécies”, referindo-se, por exemplo, a quando humanos salvam uma baleia encalhada. Não fosse a empatia por todas as formas de vida, soldados não pensariam duas vezes antes de matar nem voltariam do campo de batalha com problemas psicológicos. “Trata-se de um grande desafio para um mundo que deseja integrar uma multitude de grupos étnicos e nações.”

“Os seres humanos possuem mecanismos naturais de manutenção da paz”

Frans de Waal especialista em comportamento animal, psicologia e primatologia, e diretor do Centro de Pesquisa Primata da Emory University, de Atl

O senhor concorda com Steven Pinker sobre o passado violento dos nossos antepassados? É difícil julgar o livro do Pinker, mas certamente a ideia de que vivemos em um passado violento é apenas uma suposição, como discuto no meu artigo da Science. Não existem evidências concretas para apoiar tal argumentação. A ideia de que sempre fomos violentos é especulação. Pode ser verdade, mas não há provas.

O conhecimento não teria ajudado a nos tornarmos um povo mais pacífico, como sugere Pinker? Entendo que os seres humanos, assim como outras espécies, possuem mecanismos naturais de manutenção da paz. Os bonobos, por exemplo, nunca precisaram do iluminismo para manter a violência sob controle.

Os bonobos são mais pacíficos e os chimpanzés mais agressivos. Ambas são características observadas nos seres humanos. Por que favorecer os bonobos e dizer que os humanos são mais parecidos com eles? Os bonobos e os chimpanzés são os parentes mais próximos do homem. Nosso último ancestral comum viveu cerca de seis milhões de anos atrás e existem estudos que indicam sua proximidade com os bonobos. A violência na nossa linhagem pode ter começado durante a Revolução Agrícola. Isso explica por que não somos muito bons com a violência e desenvolvemos transtorno do stress pós traumático em situações de guerra.

Até agora, não se observou bonobos em comportamento de guerra. Contudo, há muitos registros de agressão letal entre seres humanos e entre chimpanzés. Essa não seria uma indicação de que, pelo menos no comportamento agressivo, humanos e chimpanzés são parecidos? Sim, é uma análise válida. Contudo os chimpanzés podem ser uma variação violenta. Com isso quero dizer que nosso ancestral comum e os bonobos podem representar o “tipo original” e os chimpanzés desenvolveram a violência depois de terem se separado dos bonobos cerca de dois milhões de anos atrás. Além disso, os humanos desenvolveram a violência, ou pelo menos a guerra, só depois da Revolução Agrícola. Não sabemos, mas se isso for verdade, a comparação não é válida.

Matéria publicada na Revista Veja , em 17 de maio de 2012.

Reinaldo Monteiro Macedo comenta*

Este é um assunto sobre o qual existem muitas controvérsias.

Pesquisando, recorremos a uma outra entrevista dada por De Waal a Revista Veja, de 18 de agosto de 2007:

“O holandês Frans de Waal, de 59 anos, é a maior autoridade mundial no estudo dos primatas – a ordem do reino animal à qual pertencem o homem e os macacos. Desde 1977, ele se devota à observação da psicologia e das relações sociais de espécies como os chimpanzés. Com suas pesquisas, De Waal demonstra que a distância entre o ser humano e os animais é infinitamente menor do que muitos cientistas e filósofos sempre supuseram – o que reafirma as ideias do inglês Charles Darwin sobre a evolução. No livro Eu, Primata (recém-lançado no Brasil pela Companhia das Letras), ele revela como os padrões de conduta na política e até a noção de solidariedade são verificados nos parentes do homem – e têm, portanto, uma raiz biológica comum. Em seu lançamento mais recente, Primates and Philosophers (Primatas e Filósofos, inédito no país), De Waal vai ainda mais longe: defende que a moralidade, atributo que por muito tempo se acreditou ser, por excelência, humano, também está presente em outros primatas.”

“Para ter uma compreensão completa sobre nossa espécie, é preciso analisá-la dentro de um panorama de evolução biológica que precede sua existência. A observação científica demonstra que, para além das semelhanças anatômicas, também comungamos nossos traços comportamentais com outros primatas. Conhecê-los é também um exercício de autodescoberta.”

E segue na sua análise pessoal, comparando o homem aos animais no processo evolutivo.

Mas nós, como espíritas, nos reservamos o direito de observarmos o tema pelo ângulo da Doutrina, e assim consideramos outros aspectos:

Chamamos a atenção para a frase sublinhada no 1º parágrafo: “a distância entre o ser humano e os animais é infinitamente menor do que muitos cientistas e filósofos sempre supuseram”. E, considerando O Livro dos Espíritos , no seu Cap. 11, Os Três Reinos, Parte II, nas perguntas 592 e seguintes (Os Animais e o Homem), temos uma grande discrepância de conteúdo. Logo na pergunta 592, temos como resposta:

“Sobre esses assuntos os vossos filósofos não estão muito de acordo. Uns querem que o homem seja um animal, e outros que o animal seja um  homem. Estão todos errados. O homem é um ser à parte, que desce, às vezes, muito baixo ou que pode elevar-se muito alto. No físico, o homem é como os animais e menos bem provido que muitos dentre eles; a Natureza lhes deu tudo aquilo que o homem é obrigado a inventar com a sua inteligência para prover às suas necessidades e à sua conservação. Seu corpo se destrói como o dos animais, isto é certo, mas o seu Espírito tem um destino que só ele pode compreender, porque só ele é completamente livre. Pobres homens, que vos rebaixais mais do que os brutos! Não sabeis distinguir-vos deles? Reconhecei o homem pelo pensamento de Deus.”

Na resposta à pergunta 597a, quanto a alma dos animais, temos: “É também uma alma, se quiserdes, dependendo isto do sentido que se der a esta palavra. É, porém, inferior à do homem. Há entre a alma dos animais e a do homem distância equivalente à que medeia entre a alma do homem e Deus.”

Para os interessados, julgamos ser interessante também o estudo do livro Evolução Espiritual do Homem na Perspectiva da Doutrina Espírita , de J. Herculano Pires.

Deus criou o homem e as Leis Naturais visando seu progresso, integrando-os de tal forma para que o espírito do homem pudesse, a partir de determinado ponto, participar da gestão do universo. Assim, vemos, como espíritas, o homem sem compará-lo a nenhuma outra criação do nosso Pai, na perspectiva de ter os animais como seres necessários à evolução do espírito.

  • Reinaldo Monteiro Macedo é aposentado, administrador e analista de sistemas de formação, expositor de estudos e colaborador do Centro Espírita Nair Montez de Castro no Rio de Janeiro/RJ e de algumas outras Casas.