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Nasceu no Hospital São Luiz, em São Paulo, o primeiro bebê brasileiro selecionado geneticamente em laboratório para não carregar genes doentes e ser totalmente compatível com a irmã, que tem 5 anos e sofre de talassemia major. Carlos Miguel Pereira comenta.

  • Data :14 May, 2012
  • Categoria :

23 de maio de 2012

Casal brasileiro gera filha selecionada geneticamente para curar a irmã

Criança cedeu células do cordão umbilical para a irmã, que sofre de condição genética rara e que pode levar à morte

Nasceu, no último sábado, o primeiro bebê brasileiro selecionado geneticamente em laboratório para não carregar genes doentes e ser totalmente compatível com a irmã. Maria Clara Reginato Cunha, de apenas 4 dias, nasceu no Hospital São Luiz, em São Paulo, para salvar a vida de Maria Vitória, que tem 5 anos e convive com transfusões sanguíneas a cada três semanas e toma uma medicação diária para reduzir o ferro no organismo desde os 5 meses. Maria Vitória sofre de talassemia major, uma doença rara do sangue que, se não for tratada corretamente, pode levar à morte. As células-tronco colhidas no sangue do cordão umbilical de Maria Clara serão usada para um transplante de medula em Maria Vitória.

De acordo com Vanderson Rocha, hematologista chefe de transplantes de medula óssea do Hospital Sírio-Libanês, que realizará o transplante de medula em Maria Vitória, a talessemia é uma doença genética hereditária. Para que uma pessoa tenha o problema, precisa herdar os genes tanto do pai quanto da mãe. Ela se caracteriza pela diminuição da síntese de hemoglobinas, que são as responsáveis por carregar o oxigênio presente nos glóbulos vermelhos.

Uma vez que se trata da diminuição de hemoglobina, a talessemia é um tipo de anemia. Ela pode ser menor, ou seja, uma doença mais discreta com sintomas fracos e até assintomática, ou major. “Nesse caso, que é mais grave, o doente precisa de transfusão sanguínea por toda a vida, a não ser que receba um transplante de medula, como irá acontecer com Maria Vitória dentro de alguns meses. Uma vez recebido o transplante, a pessoa com talassemia estará curada”, afirma o médico. Sem o gene que provoca a doença, a medula de Maria Vitória passará a sintetizar a hemoglobina normalmente.

Segundo Rocha, a incidência da talassemia varia de acordo com a região, sendo mais comum entre brancos europeus principalmente de países como Itália e Grécia. No Brasil, estima-se que entre 1% e 6% da população, dependendo da região, carregue pelo menos um gene da doença, o que não necessariamente significa que a pessoa tem talassemia. Acredita-se que, atualmente, existam 800 brasileiros com talassemia.

Chances pequenas — Segundo o médico geneticista Ciro Dresh Martinhago, a técnica usada para identificar os genes doentes e também a possível compatibilidade é a mesma. “A gente coleta uma única célula do embrião para fazer a análise molecular”, explica o médico, diretor da RDO Diagnósticos e responsável pela análise genética.

De acordo com ele, as chances de um casal gerar embriões que sejam compatíveis e não carreguem o gene doente são de apenas 18%. Além disso, a dificuldade de realizar a técnica e a falta de profissionais experientes nessa área são alguns dos motivos que fazem o método ser pouco usado. O primeiro caso de seleção de embrião 100% compatível no mundo aconteceu em 2004.

A especialista responde

Mayana Zatz Coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano da Universidade de São Paulo e colunista do site de VEJA

“Quando tratamos de uma questão ética como essa, nunca há um consenso. A primeira coisa a ser questionada nesse caso é se o casal já queria ter outro filho e, uma vez que decidiram isso, optaram por ter um bebê geneticamente selecionado para salvar a filha.

Acredito que quando um casal toma essa decisão, em vez de perder um filho, ganha dois. Eles gostam da criança da mesma maneira e ela poderá crescer se sentindo bem ao saber que nasceu com uma missão tão nobre.

Entretanto, esse procedimento é extremamente difícil de dar certo, pois os cientistas trabalham com apenas uma ou duas células para fazerem os testes genéticos. E são testes muito complexos, já que, no caso da talassemia, que é uma doença recessiva, ou seja, que precisa receber mutação do pai e da mãe para acontecer, o bebê geneticamente selecionado não pode ter o problema e, além disso, deve ser compatível com a irmã para poder doar sangue do cordão umbilical.

É importante deixar claro que essa tecnologia só pode ser utilizada para ajudar nas doenças hematológicas como a talassemia e alguns tipos de anemia, por exemplo, e não para qualquer doença.

Selecionar geneticamente um bebê deve ser um procedimento feito apenas se o paciente não encontrar um doador compatível. As doações de sangue umbilical não são raras, mas nossos bancos de dados não têm estrutura adequada para lidar com as amostras.”

(Com Agência Estado)

Matéria publicada na Revista Veja , em 15 de fevereiro de 2012.

Carlos Miguel Pereira comenta*

“Lançar anátema ao progresso como inimigo da religião, é lançar anátema à própria obra de Deus.” (Allan Kardec, em A Gênese .)

Há alguns séculos, a maioria das pessoas não vivia para além dos trinta anos de idade. Durante a sua curta esperança de vida, eram forçados a lidar com o drama da fome e das dores crônicas debilitantes, assistindo impotentes à morte na infância de muitos dos seus filhos. Ainda durante o século XX, um número dramático de crianças morria na infância, mesmo as privilegiadas que podiam usufruir dos melhores cuidados médicos existente à época. Vacinas, antibióticos, analgésicos, anti-inflamatórios, psicotrópicos, medicamentos de controle da pressão arterial, entre tantos outros tipos fármacos, tecnologias e conhecimentos, ajudaram a melhorar a qualidade de vida que hoje usufruímos, oferecendo-nos horizontes mais amplos e novas potencialidades para a realização pessoal e espiritual. Mas nem tudo está feito. Todos os anos, milhões de pessoas sofrem em todo o mundo vítimas dos mais variados tipos de cancro, de doenças cardiovasculares, entre tantas outras patologias que atormentam a existência humana. Diante deste drama que afeta a todos, sem exceção, podemos permanecer recalcitrantes às investidas do progresso, conformados ao que pensamos ser a vontade de Deus. Mas será que é mesmo a vontade de Deus? E se a vontade de Deus for que utilizemos de forma adequada os talentos da inteligência, moralidade e da liberdade para nos convertermos em agentes do progresso e das mudanças prementes que estão ao alcance da humanidade, transformando este planeta num lugar onde a dor e a miséria sejam residuais?

O avanço tecnológico tem proporcionado o aparecimento de diferentes formas de melhorar a nossa qualidade de vida. A medicina é uma das áreas que maiores benefícios tem retirado deste progresso, reinventando diariamente meios cada vez mais sofisticados e precisos para zelar pela saúde humana. O aprimoramento da biologia molecular, genética e nanotecnologia está a revolucionar a forma como tratamos a nossa saúde e promete ainda mais revoluções para um futuro não muito distante. Hoje, os avanços alcançados nesta área já nos beneficiam, por vezes, de formas que nem nos apercebemos, mas, no futuro próximo, serão possíveis situações que só mesmo a ficção científica teve capacidades para imaginar. Por exemplo: dentro de alguns anos, poderá ser viável produzir medicamentos optimizados para as particularidades genéticas de cada paciente; também será possível escolher as características genéticas de um filho da mesma forma que decoramos um quarto de criança. Pela primeira vez na história, perante a humanidade, estendem-se uma infinidade de possibilidades, dotando-a do poder de manipular algumas das forças mais sensíveis e extraordinárias da natureza. Que futuro escolheremos?

Um aumento de poder exige necessariamente uma maior responsabilidade e consciência ética. É também fundamental que a humildade não seja perdida, pois se um eletricista negligencia a força que maneja, tem grandes possibilidades de ser eletrocutado. A tecnologia mais poderosa em mãos inábeis poderá resultar em excessos devastadores, como ocorreu com o poder nuclear. É urgente o envolvimento de grupos de cidadãos de todas as áreas para discutir questões tão sensíveis como o que é a vida, o que é o ser humano, bem como esclarecer questões éticas como a confidencialidade da informação genética de um indivíduo, o perigo da seleção genética dos filhos, a ameaça da eugenia, os limites da investigação e o respeito por qualquer forma de vida, para que chegados ao advento dessa nova era não cometamos os mesmos erros do passado.

O nascimento de um indivíduo, selecionado geneticamente para beneficiar um irmão que é portador de uma patologia crônica, é uma possibilidade que já se abre à humanidade como podemos comprovar por esta notícia. Sendo uma novidade dos últimos anos, naturalmente é um processo que ainda coloca algumas dúvidas e reservas, nomeadamente pelo ser que está a ser trazido ao mundo com um objetivo bem definido, carregando uma pesada responsabilidade. Quantas crianças nascem contra a vontade dos pais? Quantas crianças crescem sem amor e sem que alguém deposite qualquer esperança na sua vida? A quantas crianças não lhes é concedido o direito de viver? Tendo sido concebida para ajudar a salvar a sua irmã, isso não fará qualquer diferença no relacionamento com os seus pais, mesmo que o objetivo idealizado não seja bem sucedido. Durante um minuto, se coloquem na pele destes pais que convivem diariamente com o sofrimento da sua filhinha desde que nasceu, que se veem forçados a lidar a todos os instantes com a incerteza sobre o futuro cada vez que deitam a sua cabeça no travesseiro. Durante um minuto, apenas façam um esforço para se colocarem dentro desta dor. Sintam-na! Antes de terminar esse minuto, meditem em qual seria a escolha tomada?

O futuro será aquilo que dele o Homem fizer. Um grande mestre da humanidade incentivou-nos: “Vós sois deuses!” Devido aos atributos que possuímos e que nos levam a reinventar o progresso constantemente, não nos está reservado um papel passivo na Natureza. Já não somos observadores indiferentes, subjugados ao medo e resignados às adversidades exteriores. Nós somos artífices da criação, dotados de liberdade, inteligência e responsabilidade, agentes ativos do processo de preservação e melhoramento das condições de vida humana. No entanto, é fundamental adquirirmos firmes competências éticas para que, amparados na compreensão do que é a vida, possamos equilibrar inteligência com moralidade, utilizando o progresso em benefício da humanidade e da sua evolução espiritual.

  • Carlos Miguel Pereira trabalha na área de informática e é morador da cidade do Porto, em Portugal. Na área espírita, é trabalhador do Centro Espírita Caridade por Amor (CECA), na cidade do Porto, e colaborador regular do Espiritismo.net.