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Uma nova pesquisa sugere que pode ser possível aprender tarefas de alto desempenho com pouco ou mesmo nenhum esforço consciente. Isso inclui aprender a tocar piano, reduzir o estresse mental ou melhorar o desempenho no esporte. Carlos Miguel Pereira comenta.

  • Data :23/02/2012
  • Categoria :

27 de fevereiro de 2012

Aprendizado pode ser “inserido” diretamente no cérebro

Redação do Diário da Saúde

Aprender sem esforço

Uma nova pesquisa sugere que pode ser possível aprender tarefas de alto desempenho com pouco ou mesmo nenhum esforço consciente.

Isso inclui aprender a tocar piano, reduzir o estresse mental, melhorar o desempenho no esporte ou virtualmente qualquer outra tarefa que, normalmente, exija grande treinamento e grande esforço.

O trabalho revolucionário - e um tanto preocupante - foi publicado na revista Science.

Controlando o cérebro pelos olhos

Os pesquisadores usaram imagens de ressonância magnética funcional (fMRI) para, através do córtex visual de uma pessoa, induzir padrões de atividade cerebral equivalentes a um padrão previamente conhecido, envolvido com o aprendizado que se quer obter.

Imagine uma pessoa olhando para uma tela de computador e tendo seus padrões de atividade cerebral modificados para se equivalerem àqueles de um atleta de ponta, ou para se recuperar de um trauma.

Embora o estudo esteja em estágio preliminar, os cientistas afirmam que esta é uma possibilidade que poderá ser real no futuro.

“As áreas visuais dos adultos são suficientemente plásticas para induzir um aprendizado perceptual visual,” garante Takeo Watanabe, coordenador do estudo, que envolveu cientistas do Japão e dos Estados Unidos.

Aprender olhando

Os neurocientistas descobriram que as imagens vão gradualmente se construindo no cérebro de uma pessoa, aparecendo primeiro como linhas, bordas, formas, cores e movimentos.

A seguir, o cérebro parte para os detalhes, que permitem, por exemplo, que saibamos diferenciar uma bola vermelha de uma bola azul.

Kazuhisa Shibata, um dos membros da equipe, criou então uma técnica que usa o chamado neurofeedback para induzir um determinado padrão de atividade cerebral por meio da ativação do córtex visual.

Esse padrão foi obtido por meio de ressonância magnética do “professor”, aquele indivíduo que já dominava a tarefa.

Os pesquisadores então testaram se as repetições desse padrão de ativação cerebral no “aluno” poderiam aumentar seu desempenho naquela tarefa.

Os resultados surpreenderam.

Na verdade, os voluntários aprenderam mesmo quando não sabiam que estavam aprendendo, e pensavam estar participando de um teste de computadores.

Aprender sem querer

Isto traz uma questão inevitável: a pesquisa prova que é possível um novo tipo de aprendizado automatizado, ou aprendizado hipnótico?

Os cientistas afirmam que sim, mas fazem algumas ressalvas.

“Neste estudo, nós confirmamos a validade de nosso método somente no aprendizado perceptual visual. Nós vamos ter de testar se o método funciona também em outros tipos de aprendizado,” afirmam.

Mas o que já foi alcançado não é pouco, incluindo memória, controle motor e reabilitação. Depois de frisarem o termo “possibilidades”, os pesquisadores falam em aprender idiomas e até aprender a pilotar um avião.

Mas há riscos bastantes óbvios, sobretudo quando se leva em conta que a técnica funciona com pessoas que não sabem que estão aprendendo.

“Nós temos de ser cuidadosos para que isso não seja usado de forma não-ética,” concordam os cientistas.

Notícia publicada no Diário da Saúde , em 12 de dezembro de 2011.

Carlos Miguel Pereira comenta*

Um grupo de cientistas acredita ter dado os primeiros passos para a construção de um processo artificial de aprendizagem que funciona através de indução visual. Eles estão convencidos que, no futuro, será possível decodificar os padrões de atividade cerebral de um grande pianista e usar essa informação para introduzir habilidades e conhecimentos diretamente no cérebro de outra pessoa, dotando-a da capacidade para tocar piano, mesmo que ela não saiba distinguir um compasso binário de uma semi-colcheia. Para os fãs da saga Matrix, seria um processo parecido ao que Neo utilizou para se transformar num perito em Kung Fu.

Ao longo da sua evolução através dos milênios, o Homem adquiriu a extraordinária capacidade para transformar o mundo. Crescendo em moralidade e sabedoria, tornou-se um agente dinamizador do progresso social e das mudanças que queria ver concretizadas. Alcançou notáveis conquistas através da sua capacidade para pensar, de cometer erros e aprender com eles, da sua habilidade para acumular conhecimentos, de os usar em seu benefício e da sua comunidade, encontrando diferentes soluções para os perpetuar, transmitir e propagar.

A tecnologia é um produto dessa criatividade do gênio humano, da sua imensa capacidade para aprender e criar, do seu inesgotável desejo pela inovação, transmitindo ideias e sentimentos. Mas os seus avanços, embora fascinantes, não podem deixar de ser suportados em cuidadas reflexões éticas. É que sendo a tecnologia um instrumento que permite ao Homem testar os limites do seu engenho e inteligência, a ganância em ultrapassar esses limites o expõe ao risco de atropelar a própria essência e dignidade de ser humano.

Esta investigação científica parte da falaciosa premissa materialista de que o cérebro é a fonte do pensamento, das emoções e das habilidades humanas. O objetivo deste comentário não é rebater essa premissa, mas refletir sobre o processo de construção do conhecimento e o futuro que se pretende construir. Supondo que fosse viável a existência de uma tecnologia que fizesse aquilo que estes cientistas dizem ser possível, não existiria o perigo de estarmos a aproximar, cada vez mais, o homem de um autômato passivo que aguarda instruções para avançar? A visão materialista é redutora das potencialidades humanas, compreendendo o ser humano como uma máquina que pode ser reprogramada pela manipulação de circuitos cerebrais.

Não é possível alcançar aprendizagem pela mera transferência de conhecimento. Só aprendemos através da criação de capacidades e habilidades que permitam a construção individual desse conhecimento. Se não houver reflexão, aplicação prática e interiorização das informações recebidas, estas não serão assimiladas pelo nosso Eu mais profundo. Assim, o cérebro irá gradualmente transformar-se num depósito de dados desconexos e desorganizados, inúteis quando for necessário usá-los nos processos intelectuais de tomada de decisão. São lixo cerebral, informação estéril incapaz de ser produtiva e criadora.

A uma escala menor, é o que já acontece nos nossos dias. A sociedade de consumo em que vivemos é também uma sociedade de informação. Mas essa informação é cada vez mais desorganizada e superficial: é um enorme paradoxo dos tempos modernos termos acesso a fontes de informação maiores do que a soma de todas as bibliotecas do planeta, mas possuirmos um nível cultural muito débil; conhecemos os detalhes íntimos dos ídolos das novelas, cinema e futebol, mas não sabemos nada sobre nós mesmos; assistimos ao vivo ao que se passa do outro lado do globo, mas não somos capazes de lidar com as nossas próprias emoções; nunca existiu tanta qualidade de vida, mas nunca houve uma tão grande desigualdade; somos a sociedade mais deprimida da história da humanidade; não exercitamos a criatividade, pensamos pouco, não possuímos hábitos de reflexão e questionamos muito pouco o que nos é transmitido. Como ingênuos consumidores de informações, ficamos acomodados ao consumo daquilo que nos chega através da televisão, internet, celular e de tantas outras formas que o gênio humano inventou. Informação não é conhecimento, tal como conhecimento não é sabedoria. O Espírito de Hammed, no livro Renovando Atitudes , resume isso de uma forma brilhante, no seguinte axioma: “Estar na cabeça não é o mesmo que estar na alma inteira.”

Ao se pretender inserir artificialmente conhecimento no cérebro das pessoas, não existiria o perigo de estarmos a desconstruir a essência de ser humano? O esforço de chegar mais longe, a determinação em ultrapassar dificuldades e a vontade de superação dos próprios limites são os dínamos da vida humana, da prosperidade social, da modelação da personalidade e da sublimação das virtudes. Se suprimirmos a uma determinada geração o esforço individual na aprendizagem e o trabalho íntimo no seu aperfeiçoamento, que homens e mulheres estaremos a educar? Uma imensa quantidade de gênios ou uma multidão de ociosos arruinados pela aparente facilidade? Ao haver uma desestabilização dos equilíbrios naturais, não iremos ameaçar a própria sobrevivência da humanidade? Ao não respeitarmos o processo individual e humano de construção de conhecimento, não estaremos a devolver ao remetente o fogo que Prometeu roubou aos deuses do Olimpo?

São muitas questões para tão poucas respostas. Felizmente, ainda não é possível inserir as soluções diretamente no nosso cérebro. Se desejamos chegar a alguma conclusão sobre este assunto, somos obrigados a refletir e podemos começar por fazê-lo com a leitura desta frase do psicanalista Erich Fromm: “O problema não é que os computadores pensem como nós, mas que nós pensemos como os computadores”.

  • Carlos Miguel Pereira trabalha na área de informática e é morador da cidade do Porto, em Portugal. Na área espírita, é trabalhador do Centro Espírita Caridade por Amor (CECA), na cidade do Porto, e colaborador regular do Espiritismo.net.