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É tentador pensar que escolhemos nossos parceiros amorosos a partir das semelhanças que vislumbramos entre nós e eles. Mas a ciência mostra que, do ponto de vista biológico, ocorre justamente o oposto e está ajudando a desvendar um desses mecanismos. Carlos Miguel Pereira comenta.

  • Data :21/07/2010
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“O amor é genético”

por Maria da Graça Bicalho, geneticista-chefe do Laboratório de Imunogenética da UFPR

É tentador pensar que escolhemos nossos parceiros amorosos a partir das semelhanças que vislumbramos entre nós e eles. Mas a ciência mostra que, do ponto de vista biológico, ocorre justamente o oposto. Nosso trabalho no Laboratório de Imunogenética e Histocompatibilidade na Universidade Federal do Paraná (LIGH-UFPR) está ajudando a desvendar um desses mecanismos.

Hoje sabemos que a natureza atua para aproximar indivíduos de MHC diferentes. MHC significa Major Histocompatibility Complex, ou Complexo Principal de Histocompatibilidade e, na espécie humana, é conhecido como HLA. O MHC/HLA é uma região do genoma na qual ficam vários genes relacionados à resposta imunológica, cada um podendo comportar centenas de alelos (formas alternativas do mesmo gene) diferentes. Isso gera, a cada pessoa, uma individualidade biológica. A variação aumenta as chances de o indivíduo ser resistente a microorganismos geradores de doenças, diminuindo a possibilidade de elas se propagarem. Do ponto de vista de preservação da espécie, seria interessante que indivíduos MHC/HLA diferentes se encontrassem e formassem casais.

Em camundongos e ratos, é bem documentado o fato de as fêmeas preferirem o parceiro geneticamente diferente delas próprias. Em 1995, o biólogo suíço Claus Wedekind e seus colaboradores da Universidade de Lausanne realizaram um estudo evidenciando a preferência pelo MHC diferente entre seres humanos. O estudo de Wedekind tornou-se um modelo para várias pesquisas. Nosso grupo, da Universidade Federal do Paraná, foi pioneiro na realização de trabalho semelhante feito com a população brasileira.

No final de maio, durante um seminário da Sociedade Europeia de Genética Humana, em Viena, apresentamos o resultado de um estudo realizado, durante um ano, a partir de informações de nosso banco de dados sobre a população do Sul do Brasil. Partimos de uma amostra de 90 casais. A partir desse grupo, criamos dois novos conjuntos de casais virtuais. Um foi gerado a partir dos casais reais, que foram recombinados de forma aleatória. O outro era formado pelas informações obtidas de 410 indivíduos presentes em nosso banco de dados, combinados aleatoriamente. A seguir, as diferenças genéticas entre os casais reais foram contadas e comparadas com as dos casais virtuais.

Nossa hipótese de trabalho era que, se o MHC/HLA fosse irrelevante para a escolha do parceiro, a comparação das duas amostras, tanto as reais quanto as virtuais, deveria apresentar médias de distribuição semelhantes. Os resultados mostraram, porém, que os casais reais apresentam mais diferenças genéticas entre si do que aqueles gerados virtualmente.

Claro que, diferentemente de outras espécies, o ser humano é muito influenciado por outros fatores. Elementos sociais, culturais etc. colaboram para a formação do casal. Os resultados da nossa pesquisa fazem sentido somente no contexto de estudos genéticos de população. Isto é, apenas quando se estuda um grande número de indivíduos. Pensando assim, nós não podemos de maneira nenhuma prever que tipo de escolha de parceiro uma pessoa fará tomando como base unicamente seus genes. Mas talvez eles mandem no nosso “coração” bem mais do que pensávamos.

Matéria publicada na Revista Galileu , em 23 de dezembro de 2009.

Carlos Miguel Pereira comenta*

A ciência genética teve os seus primórdios nos estudos que o Monge Austríaco Gregor Mendel efetuou com ervilhas, em meados do século XIX, num mosteiro da Ordem de Santo Agostinho, e que o levou à descoberta de algumas das leis da hereditariedade. Desde o início do século XX, muitos foram os progressos que esta área científica acumulou, com assinaláveis contribuições práticas para a melhoria das condições de vida das populações e para o desenvolvimento de outras áreas fundamentais, como a Medicina, a Biologia e a Agricultura, entre outras. Através dos seus estudos avançados, os cientistas têm desvendado o funcionamento de alguns genes, percebendo melhor a sua importância, tornando possível a cura de algumas doenças e a manipulação de substâncias que possibilitam o aumento da esperança de vida de muitos seres vivos.

Outrora cingida aos caracteres morfológicos de um indivíduo (aparência física e saúde), nos últimos anos temos assistido a um aumento das evidências que nos permitem perceber que algumas das características comportamentais que o ser humano revela podem ser parcialmente influenciadas por aspectos genéticos. No entanto, no intuito de publicitar comercialmente algumas descobertas científicas, há hoje uma tendência quase irresistível para o sensacionalismo e simplificação da informação, reduzindo acontecimentos infinitamente complexos, como são os processos genéticos, a relações simplistas de o gene X provocar o comportamento Y. É desta forma que ouvimos expressões abusivas como “gene da agressividade”, “gene da inteligência”, “gene da felicidade” ou, como é o caso desta notícia, “o amor é genético”.

Para explicar de uma forma simplificada a complexidade daquilo que somos, os biólogos usam dois termos: O fenótipo e o genótipo. Por fenótipo podemos entender as características variáveis e observáveis de um indivíduo (aparência, saúde, comportamento e emoções). Já o genótipo é constituído pelas informações hereditárias de um organismo contidas no seu genoma e que permanece constante durante toda a sua vida. O genótipo não determina o fenótipo mas sim uma infinidade de fenótipos possíveis. Para a Biologia, o fenótipo que se irá concretizar dependerá dos estímulos ambientais a que o indivíduo for sujeito juntamente com uma gama de variações ao acaso.

Seguindo esta ideia, o homem seria apenas um repositório para a sobrevivência dos genes que carregariam para sempre as nossas emoções, sentimentos e personalidade. O fato de sermos a pessoa que somos hoje dependeria unicamente da sorte ou, como alguns cientistas gostam de referir, “do acaso”. A Doutrina Espírita, seguindo a ciência e as suas descobertas, mas não se detendo quando esta não consegue ir mais além, acrescenta a “dimensão espiritual” à construção da natureza humana, reforçando a sua complexidade e responsabilidade. Nós somos Espíritos imortais, que temporariamente estão ligados a um corpo físico, portadores de uma bagagem interior acumulada em inúmeras encarnações e situações distintas. Através do que fizemos e acumulamos no passado, somos responsáveis por aquilo que somos hoje. Somos individualidades únicas, dotadas de livre-arbítrio, com inteligências e vontades próprias, construídos pela força do nosso trabalho, dedicação e empenho ao longo de incontáveis experiências. Desta forma, os genes e o meio ambiente, que inegavelmente têm a sua influência no nosso comportamento, nas nossas emoções e nas escolhas que vamos fazendo ao longo da nossa vida, estando comprovado através de inúmeras pesquisas científicas, definem tendências, mas é a expressão da vontade individual que irá concretizar essas tendências genéticas num determinado fenótipo de acordo com o sentir e as necessidades daquele que é o dono e responsável pelo próprio destino: O Espírito, a verdadeira essência daquilo que somos.

  • Carlos Miguel Pereira trabalha na área de informática e é morador da cidade do Porto, em Portugal. Na área espírita, é trabalhador do Centro Espírita Caridade por Amor (CECA), na cidade do Porto, e colaborador regular do Espiritismo.net.