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Programa que promove encontros entre vítimas e delinquentes ajuda a reduzir a reincidência. Embora relatos de perdão e reconciliação sejam frequentes, esses não são os objetivos principais do encontro. Se tiver sido condenado, o agressor continuará preso. Leila Henriques comenta.

  • Data :13 Feb, 2010
  • Categoria :

De frente para o criminoso

Programa que promove encontros entre vítimas e delinquentes ajuda a reduzir a reincidência

Thomaz Favaro

O desejo de desforra, a sensação de impotência, o medo de passar por tudo mais uma vez – o turbilhão emocional que atormenta as vítimas de violência é bem conhecido dos brasileiros. A mente dos agressores é um pouco mais obscura. Quantos deles são capazes de se imaginar no lugar das pessoas a quem agrediram e se arrepender sinceramente? Nos últimos três anos, um projeto piloto do Judiciário brasileiro tem dado à vítima a oportunidade de ser ouvida pelo criminoso. A experiência mostra que esse tipo de programa, conhecido como Justiça Restaurativa e já existente há duas décadas em outros países, ajuda a diminuir o ressentimento e o sentimento de impotência de quem sofreu a violência. O encontro pode ser, também, uma maneira de impedir que o desejo de vingança provoque uma espiral de violência.

Os diálogos entre vítimas e delinquentes têm um roteiro predefinido, garantido por um mediador, e só acontecem se as duas partes toparem. De frente para o agressor, a vítima conta como sua vida mudou a partir do crime e, por sua vez, ouve as razões do outro. Ambos devem repetir o depoimento que ouviram para comprovar que entenderam o recado. Familiares das vítimas e dos criminosos são convidados para participar e também podem falar. Não raro os participantes desenvolvem uma empatia mútua depois do diálogo. “Achei que ia encontrar duas pessoas malignas, dois bandidos sem solução”, afirma o estudante gaúcho Yuri Machado, de 21 anos, que conheceu os jovens que o roubaram e agrediram na rua em que mora. “Vi seus pais envergonhados com a situação e rapazes que se mostraram genuinamente dispostos a mudar de vida”, ele diz.

Embora relatos de perdão e reconciliação sejam frequentes, esses não são os objetivos principais do encontro. Se tiver sido condenado, o agressor continuará preso mesmo depois de ser perdoado pela vítima. “O importante é fazer com que o criminoso tenha consciência do que fez e se responsabilize por todos os danos causados”, diz o juiz Egberto de Almeida Penido, coordenador do Centro de Estudos de Justiça Restaurativa da Escola Paulista da Magistratura. A maioria das vítimas descreve a experiência como um alívio. “O encontro auxilia as vítimas a sanar as dúvidas pendentes com relação ao crime e ajuda a controlar a insegurança que as acomete”, diz Cinara Moraes, psicóloga da Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre, que acompanha jovens infratores.

Adotada na Inglaterra, Austrália, Canadá, África do Sul, Colômbia e Estados Unidos, a Justiça Restaurativa é recomendada pela Organização das Nações Unidas. A Nova Zelândia foi o primeiro país a implementá-la dentro do sistema jurídico tradicional, começando com jovens infratores, em 1989. Atualmente, um em cada quatro criminosos menores de idade é encaminhado para esses encontros, que reúnem familiares e vítimas. O índice de reincidência entre os que participam do projeto é 27% menor que o dos demais delinquentes. Desde 1995, o programa neozelandês foi expandido para incorporar adultos infratores. O projeto brasileiro foi criado em 2005 em três cidades. Em Porto Alegre, é tocado pela 3ª Vara do Juizado Regional da Infância e da Juventude, que promove encontros com adolescentes autores de delitos que incluem crimes graves, como latrocínio e assassinato. No Núcleo Bandeirante, cidade-satélite do Distrito Federal, o programa atende infratores adultos – mas apenas quando se trata de delitos leves. Em São Caetano do Sul, na Grande São Paulo, os encontros são feitos em escolas públicas e geralmente envolvem pequenas ocorrências, como furtos e brigas entre vizinhos. Se houver um acordo entre as partes, o caso nem sequer será levado a julgamento. No ano passado, o programa foi expandido para outras escolas da região metropolitana de São Paulo. Iniciativas fora da alçada do Ministério da Justiça estão sendo testadas em escolas de Minas Gerais, Santa Catarina e Pernambuco.

A experiência de Porto Alegre, a única no país em que a Justiça Restaurativa é aplicada a crimes graves, mostra que, quando o caso é violento, convém esperar entre um e dois anos para promover o encontro. Antes disso, o criminoso costuma ser superficial durante a conversa, fazendo apenas um jogo de cena com a vítima. O encontro só não funciona em casos de violência familiar e de crimes sexuais. “Experiências de outros países indicam que o risco de novas agressões, nessas situações, é grande”, diz o juiz Leoberto Brancher, que coordena o projeto gaúcho. Os primeiros resultados obtidos em Porto Alegre são animadores. O índice de satisfação das vítimas com o encontro é de 95%. A participação no projeto também diminuiu em 23% a reincidência dos infratores. “Muitos adolescentes afirmam que é mais fácil ficar encarcerado do que ter de olhar na cara da vítima”, diz a psicóloga Cinara Moraes. Em certos casos, o círculo não funciona: “Para pessoas que estão imersas num padrão vingativo ou querem apenas apontar culpados, o encontro é ineficaz”.

Matéria publicada em Veja.com , em 28 de janeiro de 2009.

Leila Henriques comenta*

É um comentário bem sucinto, pois a temática envolve extenso conhecimento que não é da nossa alçada.

A Justiça Restaurativa surgiu da necessidade de se promover o que a justiça retributiva não foi capaz fazer: dar ao infrator ou criminoso meios de conscientização do erro, objetivando, a partir dessa conscientização, a determinação de não mais incorrer no delito cometido.

Na Justiça Retributiva, como o próprio nome sugere, ao criminoso é dado o castigo ou punição, com a sua exclusão do seio da sociedade para que não lhe cause mais danos, pelo menos por algum tempo.

Acontece que, nos moldes em que é feita a Justiça Retributiva, o infrator sai da prisão como entrou, ou pior ainda, como estamos cansados de ver nos noticiários do nosso país, onde as prisões se transformam em verdadeiras escolas do crime. Se a penalidade imputada ao infrator foi necessária, não houve, de fato, a tentativa, também necessária, de reabilitá-lo pela compreensão da sua responsabilidade diante do ato criminoso. Isolou-se o doente sem que a cura fosse tentada.

A Justiça Restaurativa, com relação ao infrator, dá-lhe a chance de colocar-se diante da própria consciência, avaliar a sua insensatez, pesar na balança do coração o mal que fez a um semelhante, a dor que causou a todos os envolvidos, inclusive a si mesmo e aos que o amam.

Sua meta é, realmente, a transformação, a reabilitação.

Quanto à vítima, lhe é concedida a importantíssima oportunidade de expor sua ferida, que o medo e a revolta deixou, diante daquele que a causou, mas amparada pela presença participativa de familiares e de amigos, principalmente.

Sobre os procedimentos facultados pela Justiça Restaurativa, pairam, como oportunidades preciosas para os envolvidos que souberem aproveitá-las, as luzes do arrependimento e da reabilitação e as luzes do perdão ou da compreensão, com a cura emocional que lhes segue.

Aqui, a este plano de existência, voltamos, tantas vezes quantas forem necessárias, pela porta de vai-e-vem das reencarnações, para aprendermos lições como estas, a lição do arrependimento, que leva ao caminho da reabilitação e a lição do perdão, que cura, que liberta.

Embora o pessimismo de muitos quanto à evolução da humanidade terrena, vemos, em iniciativas como a da Justiça Restaurativa, que nos está sendo aqui apresentada, mais um indício de que esta evolução continua a sua marcha, sendo esta iniciativa mais um ponto de luz no caminho que há de nos conduzir ao novo e tão esperado Mundo de Regeneração.

  • Leila Henriques é espírita e colabora na divulgação da Doutrina Espírita na Internet.