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Um duplo homicídio revela a existência de novos seguidores de Hitler no País, como uma sociedade secreta, com plano político, armas e conexões no Exterior. O movimento não tem sede, página na internet, nem nada que o identifique perante a sociedade. Carlos Miguel Pereira comenta.

  • Data :01/09/2009
  • Categoria :

Os nazistas brasileiros

Um duplo homicídio revela a existência de novos seguidores de Hitler no País, com plano político, armas e conexões no Exterior

Por Suzane G. Frutuoso, de Curitiba, e João Loes

Neuland é uma “nova terra”, onde não falta emprego aos cidadãos e o salário mínimo é de 840 euros (R$ 2,4 mil). Nesta República Federativa, o hino nacional é o último movimento da Nona Sinfonia de Beethoven e a capital foi batizada de Magno - para afirmar sua grandiosidade. Há três prédios interligados, com 200 mil metros quadrados e 160 andares cada um. Neuland poderia ser o país fictício de uma narrativa fantasiosa. Mas a mente de quem criou esta nação-babel, com 20 idiomas oficiais, é a mesma que está sendo acusada de planejar a morte de um rival, motivada por uma ideologia que já foi usada para justificar o assassinato de milhões de pessoas no século passado e se mostra viva no Brasil de 2009: o nazismo.

O paulista Ricardo Barollo, 34 anos, coordenador de projetos especiais da empreiteira Camargo Corrêa, foi apontado como mandante do crime que tirou a vida do estudante de arquitetura mineiro Bernardo Dayrell, 24, e sua namorada, a estudante Renata Waechter, 21, na madrugada de 21 de abril em Campina Grande do Sul, no Paraná, devido a uma disputa de poder. O crime descortinou uma rede organizada de nazistas no País, com ramificações em vários Estados e conexões com outros países.

Barollo e Dayrell eram líderes dos dois maiores movimentos nacionais. Defendiam que a raça branca estava em extinção e, por isso, a miscigenação deveria ter fim. A Neuland seria o país de extrema direita pautado na mesma ideologia que o ditador Adolf Hitler implantou na Alemanha a partir de 1934. Primeiro, o grupo tomaria São Paulo e os Estados do sul do País. Depois, conquistaria o território de 22 países da Europa.

Essa história veio à tona em 1º de maio, quando Barollo foi preso no bairro de Moema, em São Paulo, no apartamento de alto luxo em que morava com os pais - outros cinco acusados de participar do crime também foram detidos no Paraná. A partir daí, a polícia começou a ter acesso ao universo neonazista do qual faz parte o grupo. A rede com ramificações no Sudeste, Sul e Centro-Oeste do País é formada, em sua maioria, por jovens de classe média ou alta, com boa formação intelectual. A exigência é tão grande que, para ser admitido na facção, o candidato precisa passar por uma rigorosa prova.

A avaliação é realizada pelo computador, em um documento enviado por e-mail com uma senha de acesso e 30 perguntas dissertativas como “Os fins justificam os meios?”, “Quem era Adolf Hitler?” e “Quais e como eram os principais governos da Europa na década de 40?”. Quem responde de acordo com o que os fatos históricos comprovam é reprovado. Passa aquele cujas respostas são inspiradas no revisionismo, teoria que, entre outras coisas, nega o Holocausto. Os aprovados são “batizados” num lugar confirmado poucas horas antes do evento - apenas a cidade onde acontece a reunião é divulgada com antecedência. Segurando tochas de fogo, prometem honrar a imagem do Führer e o nacional socialismo.

Tamanha devoção é contida em ações discretas, como uma sociedade secreta. O movimento não tem sede, página na internet, nem nada que o identifique perante a sociedade. Os integrantes preferem se comunicar por e-mail ou mensagens instantâneas. Telefonemas, só em casos excepcionais. Encontros, quando inevitáveis, acontecem sempre em lugares diferentes, para não levantar suspeitas. Não há amadorismo. Os grupos são divididos em células.

A da propaganda serve para divulgar a ideologia por meio de revistas e cartazes. Na política, o foco é a formação de futuros partidos e a conquista de novos membros. Já a paramilitar é o setor armado, que dizem ser para defesa (não há indícios de que participem de algum tipo de treinamento). Mulheres não podem participar.

Mas é permitido que elas frequentem as festas, onde a bebida é controlada e as drogas são proibidas. Negros também podem ingressar no movimento, mas precisam ser “puros”, sem mistura de raças. E jamais chegariam a líderes.

O detalhado plano da Neuland foi apresentado por Barollo aos seus seguidores em setembro de 2008. Primeiro, o grupo elegeria vereadores e o prefeito no Balneário Piçarras, em Santa Catarina. Em alguns anos, fortalecido, tomaria os Estados do Sul e São Paulo, num movimento separatista que criaria o novo país.

As fronteiras, porém, seriam fechadas a imigrantes. Barollo confirmou essas informações à polícia no dia da prisão, quando vestia uma camisa da seleção de futebol alemã. O que não contou é que o objetivo do grupo era bem mais ousado. Neuland, uma “terra prometida” fundamentada em “união, justiça e liberdade”, ocuparia países que fazem parte da União Europeia, como Alemanha, Dinamarca, Espanha, Itália, Polônia, Suécia, entre outros.

Está tudo documentado como um plano de governo em pastas às quais ISTOÉ teve acesso. Barollo seria o presidente, com um salário de 10.560 euros (R$ 30 mil). Superior aos R$ 8.348,95 que ele recebia na Camargo Corrêa. Seu aniversário, 18 de julho, constaria como feriado nacional. Bandeiras, ministérios, empresas, cargos e leis também já estavam definidos.

Além de Dayrell, a polícia já sabe que mais dois possíveis líderes estavam marcados para morrer por divergirem de Barollo: um na cidade gaúcha de Caxias do Sul e outro na capital paulista. O grupo detido também teria apoio de lideranças no Chile e na Inglaterra. Da Argentina, onde há uma rede neonazista com três mil membros, vieram as armas do crime. No Brasil, até onde se sabe, a maioria luta pela ideologia e defende a estratégia, não o uso de armas, para que com o tempo o neonazismo ganhe força. A violência seria o último recurso, diferentemente dos skinheads, que têm como principal estímulo a agressão às minorias, como nordestinos e homossexuais.

A reportagem de ISTOÉ entrevistou três jovens dos grupos neonazistas - dois detidos, acusados pelo assassinato de Dayrell, e um dissidente que será testemunha de acusação. Todos na faixa dos 20 anos. Eles se mostraram arrependidos de entrar na facção, mas confirmaram suas crenças. “A extrema direita faz as coisas ficarem mais firmes”, acredita Gustavo Wendler, 21 anos, um dos presos. Também ressaltaram que tinham amigos negros, judeus e estrangeiros. Até conheciam homossexuais. “Só não permito que eles invadam meu espaço”, disse Rodrigo Mota, 19 anos, outro detido.

Além de Wendler e Mota, foram presos Jairo Fischer, 21 anos, Rosana Almeida, 22, e João Guilherme Correa, 18. Segundo o delegado Francisco Caricati, do Centro de Operações Policias Especiais (Cope), em Curitiba, eles apontaram Barollo como o mandante. O advogado dele, Adriano Bretas, disse à ISTOÉ que seu cliente não concederia entrevista, que nega todas as acusações e só falará em juízo.

Na noite do crime, o grupo de Dayrell organizou uma festa numa chácara em Campina Grande para comemorar os 120 anos do nascimento de Hitler. Os acusados atraíram Dayrell e Renata, que saíram de Minas para participar do evento, para uma emboscada na BR-116. Todos eram amigos, apesar de fazerem parte de facções rivais. “Eles vão a júri popular e podem pegar até 72 anos de prisão por duplo homicídio qualificado, motivo torpe e apologia ao nazismo”, afirma Caricati. Na casa dos envolvidos e de pessoas que participaram da festa, foi encontrado material referente à ideologia de Hitler, como bandeiras, cartazes, revistas, livros e broches.

As divergências entre Barollo e Dayrell começaram em 2007, três anos após a formação do grupo. O mineiro teria criado camisetas, bonés e bandeiras com símbolos nazistas para vender. Barollo passou a acusá-lo de capitalista, afirmando que o ideal do grupo era de uma raça pura e de igualdade social. Dayrell chamou o líder de controlador, rígido, excêntrico, e também forjou uma votação autointitulando-se o novo comandante do grupo em Minas Gerais e no Paraná. Tempos depois, Dayrell convidou pessoas que não conseguiram entrar no grupo de Barollo, por causa da dificuldade da prova de admissão, a seguir com ele. A facção de Barollo contabiliza 50 membros. A de Dayrell, 300 pessoas.

Os grupos revelados pelo crime no Paraná não são os únicos do Brasil onde se encontram seguidores de Adolf Hitler. ISTOÉ apurou que há pelo menos mais três facções neonazistas organizadas no País. Uma no Rio Grande do Sul, com 70 pessoas, outra também gaúcha, que existe apenas para importar armas, com 20 membros, e uma terceira em São Paulo, com cerca de 40. Não há dados consolidados de quantos são os neonazistas no Brasil. Mas uma pesquisa da antropóloga Adriana Dias, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), dá pistas. Para sua dissertação de mestrado ela estudou sites que pregavam o neonazismo em português, espanhol e inglês.

Chegou a um total de 13 mil páginas em 2007. “Hoje, são 20 mil, quase o dobro”, diz Adriana. A pesquisa revelou que ocorreram cerca de 150 mil acessos a esses endereços a partir do Brasil. Com a chegada da internet, buscar parceiros que se identificam com a ideologia nazista ficou mais fácil. Entre 2006 e 2008 a Safernet, que combate os crimes cibernéticos, viu aumentar vertiginosamente o número de denúncias de conteúdo de ódio na web.

“A maior parte estava na rede de relacionamentos Orkut, mas também havia fóruns, sites e blogs”, conta Thiago Tavares, presidente da Safernet. Ele conta que diminuíram as denúncias depois de uma grande operação para coibir essas páginas em 2008, mas a atividade online continua. “Os neonazistas são organizados e têm conhecimento técnico para criar mecanismos que escondem a origem das conexões”, conta.

Prova disso é a revista online O Martelo, criada por Bernardo Dayrell para divulgar o neonazismo. Na edição de fevereiro de 2009, dez páginas da publicação são dedicadas a um guia de segurança na internet. O texto fala, basicamente, da importância da rede para o movimento Nacional Socialista e explica, passo a passo, como navegar de forma anônima (e assim acessar conteúdo proibido sem ser identificado).

A internet também facilitou a criação de dissidências dos grupos mais conhecidos, como o Front88 e o Valhalla88, por exemplo. Esses dissidentes se anunciam com nomes pomposos e em sites elaborados, mas têm, em média, cinco ou seis membros. “Na rede, vemos grupos surgir e desaparecer rapidamente”, conta Alexandre de Almeida, historiador e mestre em antropologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC), autor do estudo Skinheads: os mitos ordenados do Poder Branco paulista.

Especialistas são unânimes: a repressão é o principal caminho para que movimentos neonazistas não se disseminem ainda mais - e ganhem poder como as facções terroristas alcançaram em outros países, tornando-se um risco para a segurança do Estado. Há, porém, uma alternativa que depende exclusivamente da sociedade, que é a educação para a tolerância e a diversidade. “Não se vê isso nas escolas e poucos pais abordam o assunto”, diz a historiadora Maria Luiza Tucci Carneiro, professora da Universidade de São Paulo, especialista em racismo e antissemitismo.

É desde cedo que se ensina respeito pelo outro, afirma o delegado chefe do Cope, Miguel Stadler, que destaca o desconhecimento dos pais dos envolvidos no caso do Paraná - nenhum deles sabia que os filhos tinham simpatia por Hitler. “A discussão sobre preconceito é urgente”, afirma o delegado Caricati. “Quem imaginaria que, décadas depois, uma ideologia baseada em barbárie seria responsável por um crime desses?” Ainda mais no Brasil, onde a miscigenação é uma marca indelével do País.

Matéria publicada na Revista ISTOÉ , em 20 de maio de 2009.

Carlos Miguel Pereira comenta*

Na memória coletiva dos seres humanos, a palavra nazismo está intimamente ligada a uma das páginas mais repugnantes e tenebrosas da história da Humanidade. Nunca, como durante os anos em que o nazismo dominou a Alemanha, o ódio, o terror e a maldade verteram de uma forma tão vil o sangue de milhões de homens, mulheres, crianças e idosos.

O partido Nazista foi criado após a derrota Alemã na 1ª Guerra Mundial, chegando ao poder em 1933 e instaurando pouco tempo depois Adolf Hitler como chanceler e presidente absoluto. O nazismo de Hitler consistia num movimento que, para além de um controle totalitário sobre tudo e todos, defendia a superioridade da raça ariana, apontando como alvos a expurgar: comunistas e membros de minorias étnico-religiosas (judeus, ciganos, negros e mestiços), bem como homossexuais, deficientes físicos, deficientes mentais, doentes incuráveis e idosos em estado de senilidade. Era uma forma atroz de racismo, que pretendia erradicar povos considerados biologicamente inferiores e depurar a raça ariana, entendida como única depositária do saudável progresso da civilização. Depois da perseguição feita aos Judeus dentro da Alemanha a partir de 1933, o plano estendeu-se aos territórios ocupados a Leste por Hitler durante a 2ª Guerra Mundial. Todos os que podiam ser incluídos na lista de expurgo e ainda presos políticos, dissidentes, membros das elites intelectuais em oposição ao regime, eram enviados para campos de concentração, onde durante meses lhes era retirada toda a dignidade humana. Um dia, tão normal como qualquer outro e sob o pretexto de tomarem um vulgar banho, eram levados para câmaras de gás de onde não voltavam mais. Ao todo foram silenciadas, nos campos de concentração Nazis, cerca de 6 milhões de pessoas, num Holocausto de proporções inimagináveis e que ainda hoje deveria ser motivo de reflexão: Como o mal pode ser tão banal? Como, pessoas normais, sem traumas psiquiátricos visíveis, são capazes de executar atos de uma crueldade extrema e sem qualquer compaixão para com outros seres humanos?

É com alguma incredulidade e preocupação que vemos surgir e crescer o número de jovens que simpatizam com a ideologia Nazi, incentivando a violência contra imigrantes, e propagando o racismo, a xenofobia e a superioridade da raça branca. Há lições que a história já se encarregou de gravar a sangue na memória de todos os homens: A morte de cerca de 70 milhões de pessoas, entre civis e militares, e a destruição avassaladora de cidades inteiras, durante a loucura do nazismo na 2ª Guerra Mundial, foi uma dessas lições que não deveríamos jamais esquecer. Mas como havemos de lidar com esse fenômeno neonazista que parece alastrar por todo o lado? As leis servem para defender os cidadãos e a sociedade e, como tal, a proibição de existência de movimentos e grupos neonazistas, bem como material de propaganda Nazi, é uma necessidade que tem de ser reforçada. A liberdade de expressão só pode ser admitida quando haja um respeito à liberdade e dignidade de todos os seres humanos, o que não acontece com as ideologias que fazem do racismo o seu argumento fundamental.

Como sociedade, todos temos muito que caminhar em direção a uma convivência mais saudável e tolerante com todos os que são, agem e pensam de forma diferente. Ainda somos uma sociedade profundamente preconceituosa. O preconceito existe e movimenta-se camuflado atrás do politicamente correto, perceptível por detrás de gestos e palavras inofensivas e aparentemente brincalhonas. É necessário haver um incentivo cada vez maior na educação para a tolerância e a diversidade, procurando que, num futuro muito próximo, o preconceito racial, sexual e social seja colocado no seu devido lugar: No baú das tristes recordações que um dia afetaram a Humanidade.

A Doutrina Espírita encontra-se no extremo oposto do Nazismo, fazendo uma apologia da tolerância e da compreensão, entendendo todas as diferenças sociais, sexuais, culturais, raciais e religiosas como naturais e fruto de experiências importantes para o aprendizado necessário à evolução que todos nós, como Espíritos, acumulamos ininterruptamente. A teoria da reencarnação, bem apreendida por todos, seria por sua vez uma forma verdadeiramente eficaz de erradicar o cancro do racismo e do preconceito da nossa sociedade. Sendo conhecedores que a reencarnação existe, como continuarmos racistas e preconceituosos sabendo que numa outra vida poderíamos ter tido, ou poderemos vir a ter numa vida futura, as características sociais, biológicas ou culturais que são o alvo desse racismo? Como Espíritos somos todos iguais, o que nos distingue é o nível evolutivo em que nos encontramos. Esse nível evolutivo não pode ser medido através da cor da nossa pele, do meio sócio-cultural em que estamos inseridos ou da religião que professamos, mas sim através dos preceitos morais e intelectuais que evidenciamos.

  • Carlos Miguel Pereira trabalha na área de informática e é morador da cidade do Porto, em Portugal. Na área espírita, é trabalhador do Centro Espírita Caridade por Amor (CECA), na cidade do Porto, e colaborador regular do Espiritismo.net.