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  • 'Não é ético ter filhos biológicos': o que pensa uma adepta do antinatalismo

Os que pensam como ela são conhecidos como antinatalistas - e se inspiram, em geral, nas ideias de David Benatar, diretor do departamento de Filosofia da Universidade da Cidade do Cabo, na África do Sul. Breno Henrique de Sousa comenta.

  • Data :12/05/2018
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Irene Hernández Velasco

Enviada especial da BBC Mundo a Madri, na Espanha

O mundo está cheio de casais dispostos a gastar bastante dinheiro e submeter-se a tratamentos médicos às vezes difíceis para conseguir tornar realidade seu sonho de ter filhos.

Há pessoas, no entanto, que pensam justamente o contrário: que trazer novas vidas a um mundo superpovoado e com recursos limitados seria “uma falta de responsabilidade”.

A espanhola Audrey García, de 39 anos, é uma das que dizem ter motivos fortes para escolher não gerar descendentes.

Desde adolescente ela pensava em não ter filhos. Aos 20 anos, no entanto, diz que a ideia se confirmou, por achar que “não é ético ter filhos biológicos”.

“Simplesmente não é ético em um mundo superpovoado, onde falta água e comida para muitas pessoas, onde estamos destruindo o meio ambiente, onde não paramos de consumir mais e mais recursos”, disse à BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC.

“Não quando se pode adotar ou acolher (outras crianças).”

Os que pensam como ela são conhecidos como antinatalistas - e se inspiram, em geral, nas ideias de David Benatar, diretor do departamento de Filosofia da Universidade da Cidade do Cabo, na África do Sul, um dos expoentes atuais dessa corrente de pensamento.

O antinatalismo, para García, também está associado ao veganismo, pelo qual ela optou antes mesmo de decidir que não queria filhos.

“Como ativista, luto contra todo tipo de exploração animal. Se eu tivesse filhos, seria responsável por criar uma cadeia sem fim de humanos que vão consumir produtos animais, porque não posso garantir de forma nenhuma que meus filhos e netos sejam veganos”, afirma.

“Ter filhos significaria necessariamente aumentar o sofrimento animal.”

Ser antinatalista, na opinião dela, também é ir contra o sistema estabelecido, que “supõe que uma mulher está destinada a ser mãe”.

‘Egoísmo’?

A espanhola submeteu-se a uma cirurgia de histerectomia, mas não descarta, no entanto, a possibilidade de querer ter filhos no futuro. Adotar crianças é uma opção que ela ainda considera.

“As pessoas costumam ficar chocadas, porque veem a esterilização como uma mutilação, mas quando eu explico os motivos, elas entendem. Em geral, nunca tive muitos problemas”, afirma.

Aos que dizem que a ideia é “egoísta”, a barceloneta responde que nem todos os que decidem não ter descendentes biológicos o fazem pelos mesmos motivos.

“Não vejo o que há de egoísta em querer dedicar sua vida a outra coisa que não seja ter filhos. O que acho egoísta é tomar, de maneira unilateral, a decisão de trazer alguém a este mundo.”

Outro motivo listado pelos antinatalistas é o fato de que todos os seres humanos experimentam o sofrimento físico, psicológico e emocional.

“Claro que há momentos bons na vida, mas não estaria privando ninguém deles. Não se pode privar de nada uma pessoa que não nasceu”, diz García.

Desde que se tornou ativista, ela diz que lamenta “menos” que seus pais a tenham trazido ao mundo.

“Acho que muitas pessoas já pensaram em suicídio uma vez ou outra. Mas, já que estou aqui, tento ser útil.”

Notícia publicada na BBC Brasil , em 14 de abril de 2018.

Breno Henrique de Sousa* comenta

Reprodução

A reprodução é uma lei da natureza, destacada em O Livro dos Espíritos como uma lei divina. Através da reprodução é possível a existência da vida. Esse argumento é muito claro, mas de fato surgem alguns dilemas diante dos problemas ambientais e da superpopulação.

Não discutirei aqui os argumentos da ativista sobre o veganismo, porque esse seria tema de outro comentário, mas podemos iniciar considerando que o argumento da ativista Irene Velasco não poderia ser generalizado, pois se todos decidissem não ter mais filhos, isso comprometeria a sobrevivência da espécie. Não sendo generalizável, trata-se de um argumento que no máximo pode ter um valor circunstancial, mas não pode corresponder a uma lei divina, posto que para tanto precisaria ser imutável. A Lei de Amor, por exemplo, não depende das circunstâncias ou conjetura, ela é válida em qualquer situação ou para qualquer pessoa. O ódio será sempre nocivo em qualquer circunstância, época ou cultura. As leis universais são atemporais e transcendentes e o Espiritismo baseia-se nessas leis.

Agora pensemos nessa condição circunstancial de optar por não ter filhos. De fato, Irene está correta sobre o fato de que não devemos julgar as pessoas que decidem não ter filhos como sendo egoístas. Dependendo das circunstâncias, colocar muitos filhos no mundo de maneira irrefletida e inconsequente é uma atitude mais egoísta. Não nos cabe julgar as motivações íntimas de ninguém, cada um possui a própria consciência e terá que prestar contas de suas escolhas perante o tribunal divino.

De fato, algumas pessoas que optam por não ter filhos biológicos recorrem à adoção, atitude também defendida por Irene. A adoção é um grande ato de amor e está de acordo com a noção de família adotada pelo Espiritismo que valoriza mais os laços de afeto do que a parentela corporal. A família se constrói pelos laços de amor e não apenas do sangue. Frequentemente observamos parentes consanguíneos que não tem nenhuma afinidade, enquanto outros tantos se tornam família pelos laços do amor.

Grandes homens da humanidade optaram por não ter filhos para dedicar-se a uma causa nobre e universal, o próprio Allan Kardec não teve filhos biológicos. Porém, decidir ter os próprios filhos não é uma atitude irresponsável como defende Irene. De fato, a superpopulação é um dos maiores problemas ambientais, porém não é a única ameaça que sofre nosso planeta. A cultura do consumo e do desperdício acaba gerando uma civilização predadora dos recursos naturais. A sociedade em geral, os grandes conglomerados industriais, o mercado financeiro, os governos que deveriam regular essas atividades, a mídia que promove a cultura do consumo, todos esses são grandes responsáveis pela crise ambiental.

Vale ler em O Livro dos Espíritos o item que trata sobre o necessário e o supérfluo. Vivemos a sociedade do supérfluo e não podemos retirar a responsabilidade das grandes instituições e pô-la apenas sobre as costas dos cidadãos que devem ter menos filhos, enquanto o modelo de civilização predatório continua prosperando. Dizer que simplesmente as pessoas devem deixar de ter filhos significa mirar no alvo errado e não ir ao fulcro do problema.

Com isso não estou dizendo que o argumento não tem seu valor e que as pessoas devem ter muitos filhos. Com consciência e responsabilidade cabe a cada um decidir não apenas sobre seu futuro, mas dos seus futuros filhos e da humanidade. Atualmente eu sou a favor de ter poucos filhos, uma posição pessoal baseada no atual contexto da humanidade. De fato, a população cresce em ritmo exponencial e, se é certo que podemos ajustar outros fatores da nossa civilização, uma hora teremos que lidar com esse problema, pois, a população não poderá crescer infinitamente em um mundo com recursos finitos.

Esses são novos desafios que não existiam à época da codificação do Espiritismo, mas precisarão ser considerados por essa e pelas futuras gerações. A educação é a via principal, o planejamento familiar e a assistência pública surtem efeito. Já é provado estatisticamente que o simples investimento em melhorias sociais como educação, saúde e renda básica resulta, sem imposições e rapidamente, na diminuição da natalidade. Com melhores condições sociais as pessoas passam a realizar o planejamento familiar e agir com mais responsabilidade sobre seus atos.

  • Breno Henrique de Sousa é paraibano, professor da Universidade Federal da Paraíba nas áreas de Ciências Agrárias e Meio Ambiente. Está no movimento Espírita desde 1994, sendo articulista e expositor. Atualmente faz parte da Federação Espírita Paraibana e atua em diversas instituições na sua região.