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  • 'Desligo os respiradores e os ajudo a morrer em paz': relatos de uma UTI com pacientes de covid-19

Breno Henrique comenta que o acesso a um respirador pode ser a diferença entre a vida e a morte de alguns pacientes mais graves com covid-19. Mas quando essas máquinas respiratórias não podem salvá-los, as equipes médicas de todo o mundo enfrentam algumas decisões difíceis quanto à interrupção do tratamento de pacientes.

  • Data :05 May, 2020
  • Categoria :

Por Swaminathan Natarajan

Do Serviço Mundial da BBC

O acesso a um respirador pode ser a diferença entre a vida e a morte de alguns pacientes mais graves com covid-19.

Os respiradores os ajudam a obter oxigênio para os pulmões e liberar o dióxido de carbono quando já não conseguem fazer isso sozinhos.

Mas quando essas máquinas respiratórias não podem salvá-los, as equipes médicas de todo o mundo enfrentam algumas decisões difíceis quanto à interrupção do tratamento de pacientes.

“Desligar o respirador é um momento muito traumático e doloroso. Às vezes, sinto que sou um pouco responsável pela morte de alguém”, diz Juanita Nittla.

Ela é a enfermeira-chefe da UTI (unidade de terapia intensiva) do hospital Royal Free, em Londres.

Nascida no sul da Índia, Nittla trabalha no NHS (o serviço público de saúde do Reino Unido) há 16 anos, como enfermeira especialista em terapia intensiva.

“O desligamento dos respiradores faz parte do meu trabalho”, disse a enfermeira de 42 anos à BBC durante seu dia de folga.

Último desejo

Durante a segunda semana de abril, assim que Nittla entrou no trabalho em seu turno da manhã, o assistente da UTI disse que ela teria que interromper o tratamento para uma paciente com covid-19.

Essa paciente também era enfermeira, na casa dos 50 anos. Nittla falou com a filha da paciente sobre o processo.

“Eu assegurei a ela que sua mãe não estava sofrendo e parecia muito confortável. Também perguntei sobre os desejos e necessidades religiosas de sua mãe.”

Na UTI, os leitos são colocados um ao lado do outro. Sua paciente terminal estava cercada por outros que também estavam inconscientes.

“Ela estava em um compartimento com 8 camas. Todos os pacientes estavam muito doentes. Fechei as cortinas e desliguei os alarmes dos equipamentos.

A equipe médica também ficou em silêncio.

“As enfermeiras pararam de falar. A dignidade e o conforto de nossos pacientes é nossa prioridade”, diz Nittla.

Ela então colocou o telefone ao lado do ouvido da paciente e pediu para a filha dela falar.

“Para mim, foi apenas um telefonema, mas fez uma enorme diferença para a família. Eles queriam uma videochamada, mas infelizmente os celulares não são permitidos dentro da UTI”.

Desligar

Após o pedido da família da paciente, Nittla reproduziu um vídeo de um computador. Então ela desligou o respirador.

“Sentei-me ao lado dela segurando as mãos dela até que ela faleceu.”

A decisão de interromper todo auxílio e tratamento respiratório é tomada somente pelas equipes médicas após uma análise cuidadosa, que leva em consideração fatores como a idade do paciente, condições de saúde subjacentes, resposta e chances de recuperação.

A paciente morreu cinco minutos após Nittla desligar o suporte do respirador.

“Vi luzes piscando no monitor e a frequência cardíaca atingir zero. Linha plana na tela”.

Morrendo sozinho

Ela então desconectou os tubos que forneciam medicamentos para sedação.

Sem saber disso, a filha da paciente ainda estava conversando com a mãe e fazendo algumas orações por telefone. Com o coração pesado, Nittla pegou o telefone para dizer que a mãe dela tinha partido.

Como enfermeira, diz ela, seu dever de cuidado não para quando um paciente morre.

“Com a ajuda de uma colega, dei-lhe um banho na cama e a envolvi em uma mortalha branca, depois a coloquei em uma bolsa para corpos. Fiz um sinal da cruz na testa antes de fechar a bolsa”, disse ela à BBC.

Nos dias pré-coronavírus, a família conversava cara a cara com os médicos sobre o término do tratamento.

Parentes próximos também eram permitidos dentro de uma UTI antes de desligar equipamentos que mantinham as pessoas vivas. Mas isso não tem mais acontecido na maior parte do mundo.

“É triste ver alguém morrer sozinho assim”, diz Nittla, que acha que ajudar aqueles que morrem sob seu cuidado é a melhor forma de lidar com o peso disso.

Ela chegou a ver pacientes ofegando e agonizando, o que foi “muito estressante de testemunhar”.

Sem leitos

Devido a um aumento maciço no número de internações, a UTI do hospital foi ampliada de 34 para 60 leitos. Todos eles estão agora ocupados.

A UTI tem um exército de 175 enfermeiros trabalhando constantemente.

“Normalmente, nos cuidados intensivos, mantemos uma proporção de um para um (uma enfermeira por paciente). Agora é uma enfermeira para cada três. Se a situação continuar a piorar, será uma para cada seis pacientes.”

Algumas enfermeiras de sua equipe estavam apresentando sintomas e agora estão em isolamento. O hospital está treinando outros enfermeiros de apoio para trabalhar em cuidados intensivos.

“Antes do início do turno, mantemos as mãos juntas e dizemos ‘se proteja’. Ficamos um de olho no outro. Garantimos que todos usem luvas, máscaras e equipamentos de proteção adequadamente”, diz Nittla.

Faltam respiradores, cilindros de oxigênio e muitos medicamentos. Mas o hospital dela possui equipamentos de proteção individual suficientes para toda a equipe.

A UTI registra uma morte por dia, bem acima da média que tinham antes da pandemia.

“É assustador.”

Como enfermeira-chefe, às vezes ela precisa reprimir seus próprios medos.

“Tenho pesadelos. Não consigo dormir. Me preocupo com o vírus. Converso com meus colegas e todos estão assustados.”

No ano passado, Nittla ficou longe do trabalho por meses devido à tuberculose. Ela sabe que sua capacidade pulmonar está comprometida.

“As pessoas me dizem que eu não deveria estar trabalhando. Mas é uma pandemia; deixo tudo de lado e faço o meu trabalho”, afirma.

“No final do meu turno, penso nos pacientes que morreram sob meus cuidados. Mas tento desligar quando saio do hospital.”

Notícia publicada na BBC News Brasil, em 20 abril 2020

Breno Henrique de Sousa * comenta

Escolha de Sofia

A situação ilustrada na matéria representa um grande dilema moral. Ter que interromper a vida de um paciente para salvar outros que esperam por atendimento. No atual panorama de pandemia, médicos e enfermeiros encontram-se diante dessa terrível situação, tendo que escolher quem vive ou morre uma vez que já não existam leitos suficientes nos hospitais.

O Espiritismo não aceita a eutanásia. Em O Evangelho Segundo o Espiritismo (Cap. V, Item 28) explicam os espíritos nem os homens, nem toda ciência humana é capaz de predizer com absoluta certeza que alguém morrerá. Por acaso nunca ocorreu uma situação desesperadoras onde o paciente se recuperou miraculosamente? Não haverão pacientes desenganados pelos médicos que se recuperaram? E mesmo quando a morte física é certa, esses momentos finais são importantes para o aprendizado e evolução do espírito.

Porém, aqui não estamos tratando de circunstâncias normais. Não se trata simplesmente de interromper a vida para abreviar os sofrimentos. Trata-se de uma situação de flagelo humano, uma pandemia, com efeitos equivalentes ao de uma guerra. A demora sobre essa decisão representa a diferença entre a vida e a morte de outras tantas pessoas que esperam por atendimento médico. Aqui se trata de adotar a estratégia que possa salvar mais vidas ou reduzir os efeitos catastróficos em curso.

Essa é uma decisão técnica. O momento certo e os critérios adotados são objeto de discussão ética dos profissionais da saúde. Certamente, a espiritualidade considera o contexto dessa decisão. Outras situações podem ilustrar dilemas e exceções, por exemplo, o Espiritismo é contrário ao aborto, mas não quando a gravidez representa risco para a vida da mãe (Questão 359 do Livro dos Espíritos). Também o assassinato pode ser perdoado em casos de legítima defesa (questão 748 do LE).

Certamente, os governantes que malbarataram dinheiro da saúde, esses sim serão responsabilizados por essas mortes e não os heroicos profissionais da saúde que arriscam suas vidas todos os dias e tomam decisões dificílimas, tendo que carregar o fardo dessas escolhas. Peçamos a Deus por todos nós, especialmente pelos que estão no fronte de batalha, para que superemos esse período rapidamente.

*Breno Henrique de Sousa é paraibano, professor da Universidade Federal da Paraíba nas áreas de Ciências Agrárias e Meio Ambiente. Está no movimento Espírita desde 1994, sendo articulista e expositor. Atualmente faz parte da Federação Espírita Paraibana e atua em diversas instituições na sua região.