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  • Caso de Dr. Bumbum mostra que beleza tem sido encarada como virtude moral, diz filósofa

A professora da Universidade de Birmingham, na Inglaterra, lançou recentemente o livro Perfect Me (Princeton UP), em que argumenta que ideais de beleza são mais rigorosos do que nunca. Telma Simões Cerqueira comenta.

  • Data :25/09/2018
  • Categoria :

Luiza Franco

Da BBC News Brasil em São Paulo

Já sentiu orgulho de si por ter mantido uma dieta ou ido à academia? Já se sentiu mal por não fazer uma dessas coisas? “Emagrecer x quilos” já fez parte das suas resoluções de ano novo? A filósofa inglesa Heather Widdows, que pesquisa nossa relação com padrões de beleza, diz que cada vez mais a beleza é um ideal ético.

“Nos sentimos ‘bons’ quando mantemos a dieta, vamos à academia. Nos sentimos displicentes quando abandonamos a dieta, pulamos a academia. Falamos muito que não devemos ’nos descuidar’, que ‘merecemos’ estar bem. Achamos que se tivermos o corpo que queremos teremos o relacionamento que queremos. Fazemos coisas desagradáveis que são vistas como coisas boas porque ‘você está investindo em você’”, diz.

A professora da Universidade de Birmingham, na Inglaterra, lançou recentemente o livro Perfect Me (Princeton UP), em que argumenta que ideais de beleza são mais rigorosos do que nunca, apesar de haver mais diversidade de tipos de corpos na mídia.

À BBC News Brasil, ela falou sobre o caso do Dr. Bumbum, preso depois que uma paciente, que passou por procedimentos estéticos em seu apartamento, morreu: “Quanto mais virmos beleza como uma virtude, mais faremos para ficar belos, e isso torna mais provável que coisas desse tipo aconteçam com cada vez mais frequência.” Ela diz que é importante não culpar a vítima quando algo assim acontece. “Devemos olhar coletivamente para o ambiente tóxico que criamos e pensar em como mudá-lo. Culpar pessoas individualmente é totalmente improdutivo e inadequado.”

BBC News Brasil - No seu livro, você argumenta que práticas de busca da beleza se tornaram normais, quando não deveriam ser. Como isso foi mudando com o tempo?

Widdows - Vamos pensar em exemplos históricos, coisas como o uso de corselete ou pés de lotus (prática antiga da elite chinesa de amarrar os pés das meninas para que eles não crescessem, algo que era considerado bonito). Não eram consideradas coisas “normais”. A mulher aristocrata chinesa podia até achar que seu pé ficava bonito daquele jeito, mas não via aquilo como algo normal. Isso valia para o resto da sociedade. Mas quando o ideal de beleza se tornou global, práticas passaram a ser obrigações. Por exemplo, remoção de pelos: não é mais visto como uma forma de se embelezar, mas como uma questão de higiene. Você vê as mulheres falando que pelos são nojentos, anti-higiênicos, anormais. O corpo “normal” é o corpo sem pelos.

BBC News Brasil - É possível traçar paralelos entre o caso do Dr. Bumbum e as conclusões da sua pesquisa?

Heather Widdows - Achamos que as pessoas colocam a saúde acima da beleza, mas cada vez mais a beleza está se tornando uma virtude, e com isso as pessoas passam a fazer qualquer coisa por ela. Quanto mais virmos beleza como uma virtude, mais faremos para ficar belos, e isso torna mais provável que coisas desse tipo aconteçam com cada vez mais frequência. As pessoas passam a fazer qualquer coisa para atingir o ideal.

BBC News Brasil - Não corremos o risco de culpar as vítimas se pensarmos assim?

Widdows - Temos que evitar culpar as pessoas individualmente pelo que fazem ou não fazem no que diz respeito à beleza. Não funciona e não é justo. Se fizermos isso, deixamos de levar em conta o quão dominante é o ideal de beleza e a sua relação com a ética. Devemos olhar coletivamente para o ambiente tóxico que criamos e pensar em como mudá-lo. Culpar pessoas individualmente é totalmente improdutivo e inadequado.

BBC News Brasil - Como essa busca por beleza foi se misturando à moral e à ética na nossa sociedade?

Widdows - Uma coisa só se torna uma referência ética se for totalmente normalizada. Práticas de culto à beleza se tornaram totalmente normalizadas, e cirurgias plásticas, ainda que não sejam tão populares, são cada vez mais comuns.

Vamos pensar em resoluções de ano novo. Antigamente fazíamos resoluções ligadas à nossa personalidade – queríamos ser mais ponderados, gentis, honestos. Agora queremos perder peso, ir mais à academia.

Cada vez mais “melhorar” quer dizer melhorar nossos corpos. Nossos objetivos de longo prazo são esses. Nos sentimos “bons” quando mantemos a dieta, vamos à academia. Nos sentimos displicentes quando abandonamos a dieta, pulamos a academia. Falamos muito que não devemos “nos descuidar”, que “merecemos” estar bem. Achamos que, se tivermos o corpo que queremos, teremos o relacionamento que queremos. Fazemos coisas desagradáveis que são vistas como coisas boas porque “você está investindo em você”.

BBC News Brasil - Como chegamos a esse ponto?

Widdows - Não dá para identificar um fator específico, mas há alguns que, juntos, criam uma tempestade perfeita. O fato de nosso cultura de comunicação ser cada vez mais visual é um deles. É preciso estar sempre pronto para ser fotografado ou filmado. A tecnologia também influencia. Por exemplo, a rainha Elizabeth 1ª era muito preocupada com sua aparência, especialmente com o envelhecimento, mas não tinha muito o que ela pudesse fazer a respeito além de botar maquiagem, mas hoje em dia, há muita coisa que se pode fazer.

E há também a cultura de consumo. Mostramos nossa identidade através do que consumimos. Isso se mostra no nosso corpo, os produtos que compramos para nosso corpo. Isso se tornou uma medida pela qual julgamos os outros e nós mesmos. Queremos chegar a um ideal de magreza, firmeza, maciez, juventude.

BBC News Brasil - Como chegamos a esses ideais?

Widdows - Foi de forma gradual. Acho que estamos caminhando na direção de uniformidade. Ideais locais de cada país ou região estão convergindo e há cada vez mais um padrão global. A magreza é valorizada de alguma forma em quase todo lugar. As barrigas e cinturas têm que ser finas e magras.

BBC News Brasil - No entanto, há mais tipos de beleza sendo representados na mídia.

**Widdows - ** Acho que é isso é uma ilusão. Se você prestar atenção, verá que modelos sempre se encaixam em algum dos padrões de magreza, firmeza, maciez, juventude. Raramente vemos alguma modelo que não se encaixe em nenhum desses padrões e ainda seja considerada bonita. Modelos mais gordas têm curvas firmes, e não flácidas, peludas, cheias de celulite. Há coisas positivas de diversidade, qualquer coisa que dê visibilidade ao diferente é positiva, mas há certa ilusão a respeito do quão diversa essa diversidade realmente é.

BBC News Brasil - Também há um movimento feminista forte que questiona a imposição desses padrões.

Widdows - Sim, e finalmente conseguimos romper com práticas com movimentos como o MeToo, mas o ideal da beleza foi crescendo e crescendo sem que a gente percebesse. É mais esquivo. Pensamos nas práticas de beleza como uma escolha pessoal, mas no final das contas, vemos essas coisas como obrigações. Se tornaram algo necessário para você ser normal. Temos que prestar atenção nisso para não vivermos numa sociedade onde todos se sentem mal.

BBC News Brasil - Seu livro foca em mulheres, mas como vê esse cenário para os homens?

Widdows - Esse fenômeno tem afetado homens e eles estão também sofrendo ansiedade e pressão para se encaixar em padrões. Mas a pressão é diferente. Há mais padrões possíveis de beleza, nao há tanta pressão para não parecer velhos.

BBC News Brasil - Há quem diga que exercício físico é uma busca pela saúde, algo positivo.

Widdows - A saúde pode ser usada como uma desculpa para tornar certos comportamentos aceitáveis. Às vezes as pessoas dizem que estão fazendo coisas pela saúde, mas, na verdade, é por beleza. Mas há também o fato de que algumas práticas são de fato saudáveis. Os padrões são complicados porque não são só ruins, há aspectos bons também.

BBC News Brasil - O que se pode fazer para aliviar essa pressão toda?

Widdows - Precisamos parar de nos culpar e de apontar o dedo para os outros. As pessoas sentem culpa pelo que fazem e não fazem a respeito de beleza.

Notícia publicada na BBC Brasil , em 28 de julho de 2018.

Telma Simões Cerqueira* comenta

“O essencial é invisível aos olhos”. (Antoine de Saint Exupéry)

Essa expressão, retirada do maravilho livro “O Pequeno Príncipe”, revela uma perspectiva de um mundo muito à frente da época em que vivemos, apesar de todo o avanço sociocultural e tecnológico do nosso momento atual.

A busca da beleza estética é algo tão subjetivo, quanto efêmero, o que nos faz compreender que não são medidas ou aparências físicas que irão determinar nossas realizações ou nossa felicidade, porém, ao pensar nessas questões, vemos que cresce a cada dia, a busca desenfreada e a todo custo pela aparência perfeita, e torna-se urgente e necessário que voltemos nossa atenção para pensar: O que é essencial para nós? O que os olhos não veem na verdade não está fora de nós e sim no nosso interior, na nossa alma. Mais importante do que perder alguns quilos é refletirmos no que talvez esteja nos sobrando como as ideais preconcebidas, as falsas verdades, os nossos medos, nossas inseguranças, que nos fazem perder o foco do objetivo da nossa existência.

Ao longo da nossa civilização, a preocupação com a estética sempre foi um traço marcante do ser humano. Com o decorrer dos séculos, o culto ao corpo só tem aumentado, tornando a indústria de cosméticos e os institutos de estética, fontes de alta lucratividade. Cada vez mais, homens e mulheres recorrem às técnicas sofisticadas da cirurgia plástica em busca da melhoria da aparência física, muitas vezes, alterando seus corpos de forma radical. Como entender esse anseio estético do ser humano?

Acreditamos que o ideal de beleza sempre nos acompanhou e vai continuar acompanhando o ser humano em sua peregrinação pela Terra, porque faz parte de sua natureza. Allan Kardec destaca, em Obras Póstumas , o texto do filósofo Lavater sobre a Teoria da Beleza. Com ele aprendemos que a evolução do espírito confere, naturalmente, ao aperfeiçoamento da matéria, porque esta é impregnada, ao longo do tempo, com os benefícios evolutivos do envoltório sutil – o perispírito. Um simples olhar sobre os desenhos dos homens primitivos e os do século XXI nos dirá que somos agora bem mais belos do que antigamente.

Será que temos o direito de utilizar dos meios que a Ciência nos oferece para melhorar nossa aparência física? Podemos corrigir o que nos incomoda? Sem dúvida que podemos. Tudo nos é permitido, em todos os âmbitos da vida, porém, temos que ter muito cuidado com o exagero, este sim, que é destrutivo.

Na questão 719, de O Livro dos Espíritos , Allan Kardec pergunta aos orientadores espirituais: “Merece censura o homem, por procurar o bem-estar?”

É natural o desejo do bem-estar. Deus só proíbe o abuso, por ser contrário à conservação. “Ele não condena a procura do bem-estar, desde que não seja conseguido à custa de outrem e não venha a diminuir-vos nem as forças físicas, nem as forças morais.” Entendemos, portanto, que podemos procurar o bem-estar desde que tenha um limite, porque tudo o que é excesso não nos traz benefícios.

Em nossos dias sabemos dos benefícios oferecidos pela medicina estética, como exemplo, inúmeras mulheres que perderam o seio, devido ao câncer, podem lançar mão da cirurgia reparadora para melhorar a sua autoestima. Do mesmo modo, pessoas com deformações congênitas, ou que as adquiriram ao longo da existência, também podem contar com esse recurso abençoado.

Em hipótese alguma, podemos julgar as pessoas, inclusive as que fazem cirurgia estética. O respeito ao livre-arbítrio de nossos semelhantes é imprescindível, porém reconhecemos que a insatisfação com a aparência física em alguns casos são resultantes da não aceitação do corpo que é a nossa veste física, na presente encarnação. Nada acontece por acaso, tudo tem uma razão de ser. Nem todas as pessoas reencarnam com os corpos perfeitos e sedutores, será que isso tem algum motivo? Outras já não mais exercem o fascínio de outrora em sociedade, por quê? E quantos se revoltam contra as condições físicas impostas à vida atual? Esse descontentamento é resultado de algo mais profundo, é uma insatisfação que está presente na alma, no Espírito, levando inúmeras pessoas a um vazio existencial, a uma melancolia, dando origem a várias patologias como a depressão, os distúrbios psicológicos com consequências desastrosas pelos caminhos da loucura, da obsessão e do suicídio.

Ainda em Obras Póstumas , Allan Kardec assim se pronunciou: “… A beleza real consiste na forma que mais se distancia da animalidade, e reflete melhor a superioridade intelectual e moral do Espírito, que é o ser principal”. Esse deve ser o tipo de beleza que devemos buscar e desenvolver. Todo o resto é fulgás e passageiro.

Por outro lado, observa Kardec que “… à medida que o homem se eleva moralmente, seu envoltório se aproxima do ideal da beleza, que é a beleza angélica”. Deduz-se, portanto, que o verdadeiro ideal de beleza está intrinsecamente ligado à perfeição moral que Jesus tão bem exemplificou, quando nos disse: “Sede Perfeitos.”

O importante é perceber que, à medida que vamos realizando o nosso progresso espiritual, passamos a compreender melhor o nosso anseio de beleza. Na verdade, ele está intrinsecamente ligado ao aperfeiçoamento da nossa alma, pois só alcançaremos o verdadeiro ideal de beleza quando a virtude sublime do amor preencher completamente o nosso coração.

Sejamos belos, sim. Mas, sobretudo, no nosso modo de ser e estar no mundo. Pensando assim, toda transformação será sempre salutar. Que possamos tornar belos os nossos sentimentos, as nossas ações, fazer tratamentos para o egoísmo tão presente, ainda, em nossos atos, realizar “cirurgias” para extrair de nós o orgulho e a vaidade que só nos prejudicam, e a partir daí, sim, poderemos ter a certeza de que estaremos realmente belos, pois a verdadeira beleza irradiará de nós, e, como disse Saint-Exupéry, “o essencial será invisível aos olhos”.

Bibliografia Consultada:

  • KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução de Evandro Noleto Bezerra. 4ª ed. 1. imp. Brasília: FEB, 2013;

  • KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Tradução de Guillon Ribeiro – 94ª ed. 1986 - Brasília: FEB, 2013;

  • KARDEC, Allan. Obras Póstumas. Tradução de Guillon Ribeiro - 19ª ed. Brasília: FEB, 1983.

  • Telma Simões Cerqueira é Bacharel em Nutrição pela Universidade Veiga de Almeida, artista plástica e expositora espírita. Nasceu em lar evangélico, porém se tornou espírita nos arroubos da juventude, conhecendo a Doutrina Espírita aos 23 anos. Sempre ativa no Movimento Espírita, participa das atividades do Centro Espírita Jorge Niemeyer, em Vila Isabel, Rio de Janeiro/RJ.