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Estudos mostram que, quando a sensação de familiaridade com situações, lugares ou pessoas desconhecidas é frequente e intensa, ela pode ser um dos sintomas da epilepsia na área do cérebro responsável pela memória. Jorge Hessen comenta.

  • Data :14 Mar, 2010
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Sensação de déjà vu pode sinalizar de desatenção a epilepsia

FLÁVIA MARTIN colaboração para a Folha de S.Paulo

Bug cerebral, premonição ou mera coincidência. O déjà vu (em francês, “já visto”) costuma ser descrito dessas três formas, entre outras definições mais “esotéricas”. Especialistas no assunto não sabem por que ele ocorre, mas estudos mostram que, quando a sensação de familiaridade com situações, lugares ou pessoas desconhecidas é frequente e intensa, ela pode ser um dos sintomas da epilepsia na área do cérebro responsável pela memória.

É nessa região, a do lobo temporal, que ficam estruturas como o hipocampo e a amígdala, que codificam e dão a conotação emocional às informações que recebemos, diz o neurologista Wagner Teixeira, coordenador do Programa de Cirurgia de Epilepsia do Hospital de Base, em Brasília, e presidente da Liga Brasileira de Epilepsia.

Teixeira conta que testes com estímulos elétricos (pequenos choques) na região do lobo temporal de pacientes com esse tipo de epilepsia já conseguiram reproduzir o déjà vu, o que confirma a ligação entre a doença e o fenômeno.

Segundo o neurocientista Gilberto Xavier, do Laboratório de Neurociências e Comportamento da USP (Universidade de São Paulo), os pacientes relatam que o déjà vu faz parte de um conjunto de sensações chamado aura, que funciona como uma antecipação das crises e convulsões. “Pelo fato de já ter tido alguns ataques, a pessoa reconhece os sinais que indicam as crises”, diz Xavier.

Foi o que aconteceu com a professora de inglês Ana Paula Morier, 41. Há quatro anos, seus déjà vus foram ficando cada vez mais intensos e sempre ocorriam imediatamente antes de ela se sentir “fora do ar”, devido às chamadas crises de ausência - um tipo de epilepsia em que as crises convulsivas são mais raras.

“A sensação era a de que eu já havia sonhado com aquilo. Depois, ficava uns 30 segundos ou até um minuto fora do ar. Meu marido e minha mãe diziam que eu ficava parada, com o olhar fixo e a cabeça balançando para a frente e para trás. Depois não me lembrava de nada”, conta Ana Paula, que teve crises na sala de aula.

Fenômeno mundial

Segundo o psicólogo Alan Brown, professor da Universidade Southern Methodist, nos Estados Unidos, e autor do livro “The Déjà Vu Experience” (a experiência do déjà vu), dois terços da população mundial relatam ter tido ao menos um déjà vu na vida.

Isso não significa, no entanto, que todo esse contingente apresente epilepsia. De acordo com o neurologista Li Li Min, da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), de 1% a 2% da população mundial sofrem de algum tipo de epilepsia. Ela se divide entre as focais - que começam em determinado setor do crânio - e as generalizadas - que atingem os dois hemisférios do cérebro.

Min diz que a epilepsia do lobo temporal se enquadra no primeiro grupo da doença (e, geralmente, no lado direito do cérebro, o que não domina processos de linguagem) e corresponde a 80% do total das epilepsias focais. Ele, no entanto, faz a ressalva: o déjà vu também pode ser mera desatenção ou uma alteração pontual do metabolismo.

Ana Paula Morier buscou tratamento no ano passado, depois de quase provocar um acidente de carro. Ela acabara de dar a partida e estava em velocidade baixa quando veio o déjà vu e logo depois a crise de ausência. Ana Paula não se machucou, já que o marido, do banco ao lado, assumiu o volante e desviou do poste. Três médicos e alguns diagnósticos equivocados mais tarde, ela fez um eletroencefalograma (exame que mapeia a atividade elétrica do cérebro), que acusou baixa atividade no lobo temporal.

Imprecisão

Os especialistas ainda não sabem como exatamente ocorre a sensação do déjà vu em pessoas não epilépticas. Para a que ocorre em pessoas com a doença, no entanto, existem algumas hipóteses, como a batizada pelo psicólogo Alan Brown de “duplo processamento”.

A analogia a que se recorre nessa hipótese é a do funcionamento da fita cassete com duas cabeças, uma responsável pelo registro e a outra, pela reprodução. O mesmo se daria com a memória. O déjà vu ocorreria quando o cérebro começasse a reproduzir uma informação recém-registrada, o que apareceria como uma memória. Gilberto Xavier explica: “O sistema nervoso está constantemente comparando a memória às expectativas do que deve acontecer no ambiente. Se a pessoa tem focos epilépticos, é como se houvesse uma má sincronia entre a decodificação dessas informações”.

Notícia publicada na Folha Online , em 15 de maio de 2009.

Jorge Hessen comenta*

O fenômeno se traduz por uma estranha impressão de já ter vivenciado a cena presente e mesmo saber o que se vai passar em seguida, ainda que a situação que esteja a ser vivida seja inédita. Conhecido como déjà vu, ou paramnesia (como também é conhecido), tem sido, ao longo dos anos, objeto das mais díspares tentativas de interpretação. Para Sigmund Freud, as cenas familiares seriam visualizadas nos sonhos e depois esquecidas e que, segundo ele, eram resultado de desejos reprimidos ou de memórias relacionadas com experiências traumáticas. Para Fabrice Bartolomei, Neurologista francês, a paramnesia é resultado de uma fugaz disfunção da zona do córtex entorrinal, situado por baixo do hipocampo e que se sabia já implicada em situações de “déjà vu”, comuns em doentes padecendo de epilepsia temporal.

Experiências, conduzidas por investigadores do Leeds Memory Group, permitiram recriar, em laboratório e através da hipnose, as sensações de “déjà vu”. Outros dados explicam que situações de stress ou fadiga possam favorecer, nesse contexto disfuncional, o aparecimento do fenômeno, mas a causa precisa deste “curto-circuito” cerebral permanece, ainda, uma incógnita.

Muitos de nós já tivemos a sensação de ter vivido essa situação que acabamos de relatar. Como já ter estado em um determinado lugar ou já ter vivido certa situação presente, quando, na realidade, isto não era de conhecimento anterior? Em alguns casos, ocorre a habilidade de, até, predizer os eventos que acontecerão em seguida, o que é denominado premonição. Seria um bug cerebral, premonição ou mera coincidência? A psiquiatria e a Doutrina Espírita explicam esta questão de formas diferentes.

Sabe-se que nossa memória, às vezes, pode falhar e nem sempre conseguimos distinguir o que é novo do que já era conhecido. “Eu já li este livro?” – “Já assisti a este filme?” – “Já estive neste lugar antes?” - “Eu conheço esse sujeito?” Estas são perguntas corriqueiras de nossa vida. No entanto, essas dúvidas não são acompanhadas daquele sentimento de estranheza que é indispensável ao verdadeiro déjà vu. Para alguns estudiosos, quando a sensação de familiaridade com as situações, lugares ou pessoas desconhecidas é frequente e intensa, pode até ser um dos sintomas da epilepsia, na área do cérebro responsável pela memória, mas essa mesma sensação pode indicar outros sintomas. Déjà Vu é um fenômeno anímico muito comum, embora de complexa definição científica.

Pode ocorrer com certa frequência em indivíduos com distúrbios neuropatológicos, como a esquizofrenia e a epilepsia. Mas há, também, outras predisposições maiores por fatores não patológicos, como fadiga, estresse, traumas emocionais, excesso de álcool e drogas. Há, ainda, as teorias da psicodinâmica, da reencarnação, holografia, distorção do senso de tempo e transferência entre hemisférios cerebrais. São tão complexas as análises, que especialistas reagem contra a limitação do “vu”, que restringiria ao mundo do que pode ser “visto”, e já utilizam formas paralelas que fariam referência mais específica aos vários tipos de situação: “déjà véanus” (“já vivido”), “déjà lu” (“já lido”), “déjà entendu” (“já ouvido”), “déjà visité” (“já visitado”) - o que pode, um dia, acarretar um “déjà mangé” (“já comido”) ou um “déjà bu” (“já bebido”).

Os especialistas ainda não sabem concretamente como ocorre exatamente a sensação do déjà vu em pessoas não epilépticas. Para a que ocorre em pessoas com a doença, no entanto, existem algumas hipóteses, como a batizada pelo psicólogo Alan Brown de “duplo processamento”.(1) Segundo o psicólogo Alan Brown, professor da Universidade Southern Methodist, nos Estados Unidos, e autor do livro “The Déjà Vu Experience” (a experiência do déjà vu), dois terços da população mundial relatam ter tido, ao menos, um déjà vu na vida.

Para os conceitos espíritas, tudo o que vemos e nos emociona, agradável ou desagradavelmente, nesta e nas encarnações pretéritas, fica, indelevelmente, gravado em alguma parte da região talâmica do cérebro perispiritual, e, em algumas ocasiões, a paramnesia emerge na consciência desperta. Pode também ser uma manifestação mediúnica, se o médium entra, em dado momento, em um transe ligeiro, sutil, e capta a projeção de uma forma-pensamento emitida por um espírito desencarnado; essa é outra possibilidade.

A tese da reencarnação é difundida há milhares de anos. No Egito, um papiro antigo diz: “o homem retorna à vida várias vezes, mas não se recorda de suas pretéritas existências, exceto algumas vezes em sonho. No fim, todas essas vidas ser-lhe-ão reveladas.”(2)

Em que pese serem as experiências déjà vu, segundo o academicismo, nada mais do que incidentes precógnitos esquecidos, urge considerar, porém, que existem situações dessa natureza que não podem ser explicadas dessa maneira. Entre elas, está em alguém ir a uma cidade ou a uma casa, pela primeira vez, e tudo lhe parecer muito íntimo, ao ponto de prever, com exatidão, detalhes sobre a casa ou a cidade; descreve, inclusive, a disposição dos cômodos, dos móveis, dos objetos e outros detalhes que estão muito além do âmbito da precognição normal. “Em geral, as experiências precógnitas são parciais e enfatizam certos pontos notáveis, talvez alguns detalhes, mas nunca todo o quadro. Quando o número de detalhes lembrado torna-se muito grande, temos que desconfiar, sempre, de que se trata de lembranças de uma encarnação passada”.(3)

Apesar de não serem abundantes as publicações e depoimentos sobre o assunto, há teorias que associam o déjà vu a sonhos ou desdobramento do espírito, onde o espírito teria, realmente, vivido esses fatos, livre do corpo, e/ou surgiriam as lembranças de encarnações passadas, como disse acima, o que levaria à rememoração na encarnação presente.(4) Hans Holzer registra uma história em que ele descreve a experiência déjà vu: “durante a Segunda Guerra Mundial, um soldado se viu na Bélgica e, enquanto seus companheiros se perguntavam como entrar em determinada casa, em uma cidadezinha daquele país, ele lhes mostrou o caminho e subiu a escada à frente deles, explicando, enquanto subia, onde ficava cada cômodo. Quando, depois disso, perguntaram-lhe se havia estado ali antes, ele negou, dizendo que nunca havia deixado seu lar nos Estados Unidos, e estava dizendo a verdade. Não conseguia explicar como, de repente, se vira dotado de um conhecimento que não possuía em condições normais”.(5)

Cremos que a experiência déjà vu é muito profunda e o sentimento é de estranheza. Devemos distinguir um sintoma do outro, pois cada caso é um caso e nada acontece por acaso. Por ser um fenômeno profundamente anímico, é prudente separarmos as teorias da reencarnação, sonhos ou desdobramentos, das teorias de desejos inconscientes, fantasias do passado, mecanismo de autodefesa, ilusão epiléptica, entre outras, para melhor discernimento do que, realmente, seja uma paramnesia e o que seja, apenas, uma fantasia de nosso imaginário fecundo.

Fontes:

(1) Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/equilibrio/noticias/ult263u566377.shtml ;

(2) Papiro Anana (1320 a.C.);

(3) Revista Cristã de Espiritismo, edição 35;

(4) Idem;

(5) Idem.

  • Jorge Hessen é natural do Rio de Janeiro, nascido em 18/08/1951. Servidor público federal lotado no INMETRO. Licenciado em Estudos Sociais e Bacharel em História. Escritor (dois livros publicados), Jornalista e Articulista com vários artigos publicados.