A partir de posturas e experiências do próprio Allan Kardec,1 destacamos em textos anteriores a importância da manutenção da aliança entre a pesquisa bíblica acadêmica e as informações fornecidas pelas obras mediúnicas de conteúdo histórico. 2 Dessa forma, ainda na busca de uma compreensão mais profunda dos episódios e ensinamentos do Novo Testamento, destacamos nesse artigo interessante coincidência: a presença de importante argumento paulino em uma de suas epístolas, o qual parece refletir uma interpretação de Gamaliel documentada em Paulo e Estêvão, obra de Emmanuel psicografada por Chico Xavier.
A epístola aos Hebreus tem sido admitida majoritariamente como não paulina, mas oriunda de círculos que valorizavam sua tradição. 3 Sua autenticidade já era debatida na Antiguidade, o que não impediu sua inclusão no cânone bíblico cristão, nosso Novo Testamento. Afinal, sua importância para o cristianismo nascente é atestada em diversos textos dos séculos II ao IV, 4 onde embasa argumentos teológicos fundamentais. Mais recentemente, a autoria paulina tem sido questionada devido a diferenças de estilo literário, ainda que não haja discrepâncias teológicas em relação às demais cartas. 5 Porém, há aqueles que caminham na direção oposta, observando que a maioria das cartas de Paulo exibe estilos diferentes, talvez necessários a cada ocasião; que se tratam de textos curtos para comparações desse tipo; e que análises computacionais apontam para uma mesma autoria. 6
Para parte dos estudiosos, seu local de redação é impreciso, pois a afirmação “os da Itália vos saúdam” (Hebreus 13:24) pode significar simplesmente a presença de “italianos” junto do autor. Além disso, apenas pela análise textual, não é possível determinar certamente os destinatários do documento. Contudo, pela referência constante a imagens e realidades religiosas hebraicas, podem se tratar de “cristãos provenientes do judaísmo ou, de alguma forma, familiarizados com a cultura bíblica e as instituições judaicas”. 7 Ademais, tem sido datada no século I, possivelmente antes do ano 70, pois “o modo como fala do templo e do culto hebraico supõe que a destruição de Jerusalém ainda não ocorreu”. 8 Dessa forma, coincide com o tempo de vida do Apóstolo em Roma. Naturalmente, ainda que embasadas, essas conclusões são hipotéticas.
Segundo Emmanuel, todavia, a epístola é de autoria de Paulo, redigida em Roma no ano 61, 9 em “residência nas proximidades da prisão”, onde foi autorizado a permanecer aguardando seu julgamento por Nero.10 Entre as tarefas de consolação e esclarecimento a que se entregava, o Apóstolo resolveu convocar as lideranças judaicas da capital do Império, a fim de expor os princípios cristãos. Ainda que enfrentasse a resistência habitual da maioria, dedicou-se o quanto pôde ao esclarecimento dos irmãos israelitas, decidindo-se, enfim, por redigir a famosa carta. Logo, seu destinatário inicial não era cristão. Naquele período,
aproveitando as últimas horas de cada dia, os companheiros de Paulo viram que ele escrevia um documento a que dedicava profunda atenção. Às vezes, era visto a escrever com lágrimas, como se desejasse fazer da mensagem um depósito de santas inspirações. Em dois meses entregava o trabalho a Aristarco para copiá-lo, dizendo:
— Esta é a epístola aos hebreus. Fiz questão de grafá-la, valendo-me dos próprios recursos, pois que a dedico aos meus irmãos de raça e procurei escrevê-la com o coração.
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