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  • ‘Ser humano é o que te torna herói’, diz criança em carta para o irmão com síndrome rara, na PB

“Vejo em você, irmão, a força da fé de todas as religiões unidas, e as histórias de quem, mesmo doente, não fugiu da luta. Ser humano é o que te torna herói”, afirma Paulo, na carta. Glória Alves comenta.

  • Data :10 Jun, 2019
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Paulo Fernando, de 11 anos, foi premiado em concurso de cartas dos Correios com carta feita para o herói dele, o irmão Pedro, de 4 anos, curado da Síndrome de West em maio deste ano.

Por Érica Ribeiro, G1 PB — Campina Grande*

O paraibano Paulo Fernando Neto, de 11 anos, é admirador dos heróis de histórias em quadrinhos. No entanto, existe um herói que acompanha de perto, dentro de casa. Sem poderes, mas capaz de grandes feitos, Pedro, de 4 anos, curado da rara Síndrome de West há pouco menos de um mês, é o herói favorito do irmão mais velho.

“Vejo em você, irmão, a força da fé de todas as religiões unidas, e as histórias de quem, mesmo doente, não fugiu da luta. Ser humano é o que te torna herói”, afirma Paulo, na carta.

A revelação da trajetória do “mocinho” dessa história foi escrita em uma carta de quatro parágrafos, que levou o estudante de uma escola de Campina Grande a ser premiado em 2º lugar na etapa estadual do 48º Concurso Internacional de Redação de Cartas, realizado pelos Correios.

A inspiração do jovem escritor veio ao acompanhar a batalha travada pelo irmão mais novo, Pedro, que ele viu nascer e crescer. O menino foi diagnosticado, aos oito meses, com esta forma rara de epilepsia, que leva à desaceleração no desenvolvimento psicomotor da criança e causa “espasmos”.

“Você não tem a fama do Batman ou do Homem-Aranha, nunca apareceu nos quadrinhos. Seu esconderijo é no coração de nossa família e no seu sorriso simples”, diz trecho da carta feita por Paulo, para o irmão, Pedro.

A edição deste ano do Concurso Internacional de Redação de Cartas pediu para que os participantes escrevessem algo para o herói deles. Paulo conta que, para escrever a carta, pensou em muitos heróis, mas depois percebeu que a história do irmão era a mais importante.

“Eu gosto de histórias em quadrinhos, mas eu também gosto de livros que contam histórias reais, sabe, como biografias, e pra mim herói é alguém que faz ou fez grandes feitos, então meu irmão é um herói, porque ele é tão novinho e já conseguiu superar tanta coisa”, explica.

Um herói em casa

O herói de Paulo sempre esteve dentro de casa. Dividindo o quarto. Compartilhando segredos. Como relata na carta, foi aos oito meses de vida que veio o diagnóstico do irmão: Síndrome de West, uma forma de epilepsia. Pedro, que ficava eufórico todas as vezes em que via o irmão, foi deixando de sorrir e precisava agora iniciar um tratamento.

“Pedro nasceu normal, saudável e, então, por volta dos oito meses, a gente descobriu a síndrome, porque ele passou a ter convulsões. Até então, ele sorria muito, principalmente quando via o irmão, Paulo, aí eu fui percebendo que tinha algo estranho. Levei pro pediatra, depois pra um neurologista, e então constatamos”, lembra a mãe, Marília Ramos.

“Apenas sete anos separam o início da nossa existência, mas eu acompanhei de perto o nascimento do meu herói. Pude acompanhar a melhora da sua saúde, ver seus primeiros passos e suas tentativas de balbuciar o meu nome”, escreveu o estudante para o irmão.

A maior vitória de todas

Paulo revela que fez a carta pensando em guardar e ler para o irmão no futuro. Ele lembra a primeira vez que seu herói, hoje aos 4 anos, aprendeu a falar. “Depois de descobrir a síndrome, ninguém acreditava que ele ia aprender a falar e, quando ele conseguiu falar pela primeira vez, eu lembro que foi no dia das mães, do ano passado, aí ele começou a dizer ‘mamãe’ e depois ele já tava dizendo meu nome também”.

O estudante escreveu a carta para o irmão no dia 28 de fevereiro de 2019, quando ainda tinha 10 anos. Hoje, com 11, ele recorda que as histórias de outros heróis citadas por ele na carta foram contadas por um primo, que foi quem o perguntou sobre qual herói ele iria escrever.

“Meu primo me contou sobre grandes heróis: homens que cruzaram os oceanos e descobriram novas terras, mulheres cuja força derrubou o machismo e líderes contra separação de todos os tipos. No entanto, Cristóvão Colombo, Joana d’Arc e Martin Luther King não conquistaram a maior vitória de todas. Nenhuma dessas pessoas conseguiu unir a nossa família como você, e serei eternamente grato por isso”, escreveu Paulo na carta.

“O Fábio, meu primo, pediu pra que eu lembrasse de algum herói para fazer a carta e eu ainda pensei em vários, mas depois cheguei à conclusão que eu precisava escrever sobre o meu herói de verdade, o meu irmão Pedro, porque heróis são aqueles que fazem grandes feitos, e ele fez”, comenta.

“As pessoas não presenciaram você, meu herói, crescer de perto, nem as guerras que precisou vencer na sua infância inacabada, mas as suas histórias são dignas do infinito”, diz Paulo na carta para o irmão.

Descoberta do ‘inimigo’ e luta pela vida

Ao descobrir que Pedro era portador da Síndrome de West, a mãe, Marília, conta que levou o filho para Recife (PE), em busca de um tratamento mais eficiente. “Aqui [em Campina Grande], mesmo depois de descobrir a síndrome, eu não consegui uma boa assistência médica pro meu filho. Então, após o diagnóstico, eu procurei um especialista e, apesar de todos falarem que não tinha jeito, eu fui pra Recife buscar um tratamento mais de perto”.

Marília relata que, após descobrir a síndrome, Pedro, o herói de Paulo, passou dois meses seguidos tendo espasmos musculares. E, então, vieram as sessões de fisioterapia e a medicação diária, várias vezes ao dia. “Foram dias que torcemos pra não viver novamente, meu filho tão pequeno tendo que tomar tanto remédio, mas a gente sempre teve fé de que isso acabaria”, recorda.

Para a alegria da família, a cura da síndrome de Pedro aconteceu em maio deste ano. “O último remédio que ele tomou, desde que começou o tratamento aos oito meses de vida, foi no dia das mães deste ano. Foi um dos dias mais felizes das nossas vidas”, lembra a mãe, segurando as lágrimas.

Ainda conforme Marília, a cura da síndrome de Pedro só foi possível porque a descoberta aconteceu cedo. “Como o diagnóstico dele foi no início, mesmo o tratamento durando tanto tempo, a cura veio. E hoje a gente aprendeu a dar mais valor às coisas simples da vida, sabe, então só temos que agradecer a Deus por tudo”, comemora.

Vencida a principal batalha, a vida em família voltou à normalidade. O encontro entre fã e herói voltou a ser barulhento e feliz. Em casa, na escola, nos corredores, na vida. Paulo lê livros de aventura e ação e Pedro está sempre ao lado, ouvindo as histórias. “Eu sou fã dele e ele é meu fã. E quando estou brincando com meus amigos, ele fica com ciúmes, mas eu sempre tento dar atenção a ele também”, conta Paulo.

“Quando eu li a carta que o Paulo fez pro Pedro eu me emocionei muito, porque é tão simples e ao mesmo tempo tão real, sabe, tão verdadeiro, é tudo que a gente viveu até aqui”, diz a mãe.

Carta em concurso dos Correios

Para o Concurso Internacional de Redação de Cartas 2019, Paulo, que contou com a orientação da professora de português, Flávia Brito, precisou passar primeiro por uma etapa escolar, em que o concurso foi realizado entre os alunos de Escola Virgem de Lourdes. O estudante ficou em 1º lugar, o que o levou para a etapa estadual da competição.

Paulo Fernando foi o único estudante de Campina Grande premiado na edição 2019 do concurso, promovido anualmente pela União Postal Universal (UPU), com o objetivo de incentivar a criatividade e melhorar os conhecimentos linguísticos.

O estudante revela que, hoje, a família e os amigos pedem a cópia da carta com a assinatura dele. “Eu ainda não sei o que quero ser quando crescer, mas eu penso em escrever outras cartas e vou guardar essa que fiz pra ler pro meu irmão no futuro”, conclui.

Síndrome de West

Conforme a neuropediatra Larissa Coutinho, médica em uma clínica particular de Campina Grande, a síndrome de West é uma forma de epilepsia infantil caracterizada por uma série de espasmos. Ela leva, geralmente, a uma desaceleração no desenvolvimento psicomotor da criança.

“É uma síndrome eletroclínica que acontece em bebês de três a seis meses, que causa na criança uma alteração de eletroencefalograma, associada a um tipo específico de crise, que são chamados de espasmos”, explica.

A médica explica que a Síndrome de West normalmente está auxiliada a outra doença. “Às vezes, mesmo sem tratamento, ela pode desaparecer. Mas, em alguns casos, se não for tratada, ela pode evoluir pra uma síndrome de Lennox-Gastaut, por exemplo, que é a mais grave, ou pra outros tipos de epilepsia, então depende muito de um atendimento precoce”.

Tratamento e cura para Síndrome de West

Conforme a médica, a síndrome é uma emergência neurológica. “O tratamento é medicamentoso, o mais preconizado é um tratamento com corticoide em altas doses ou um hormônio chamado ACTH, que age tratando essas crises e medicações antiepiléticas, mas isso varia de caso em caso”, frisa.

“Esse tipo de crise é tão sutil e discreta, que a criança normalmente não apresenta a crise epilética conhecida por todo mundo e aí a família acha que pode ser cólica, infecção intestinal, de urina, porque a crise é curta, tem casos que dura até um ou dois segundos, então é bem difícil de perceber”, destaca Larissa Coutinho.

As causas da síndrome podem ser variadas e influenciam na gravidade da doença. “Podem ser inúmeras causas, as mais comuns são escleroses tuberosas, malformações cerebrais, alterações genética e hipóxia neonatal”, salienta.

Em crianças de 3 a 6 meses, o ideal é se procurar um neurologista pediátrico. “É importante, em quadros de atrasos de desenvolvimento, procurar um neurologista para investigar a causa desse atraso e poder avaliar se é de fato a Síndrome de West”, conclui.

*Sob supervisão de Taiguara Rangel

Leia a carta na íntegra

Xangai, 28 de fevereiro de 2019.

Querido irmão,

Gostaria de usar todas as saudações possíveis nesta carta, mas, infelizmente, você não entenderia. Nem sequer fala. Na verdade, irmão, você nos faz estar longe de todos os padrões em que poderíamos viver, e, mesmo assim, permaneço feliz ao teu lado. O tempo nunca foi limite para o nosso amor… Você não tem a forma do Batman ou do Homem-Aranha, nunca apareceu nos quadrinhos. Seu esconderijo é no coração de nossa família e no seu sorriso simples. Você também tem o coração enorme, irmão, esse é o motivo para ser meu herói.”

Meu primo me contou sobre grandes heróis: homens que cruzaram os oceanos e descobriram novas terras, mulheres cuja força derrubou o machismo e líderes contra separação de todos os tipos. No entanto, Cristóvão Colombo, Joana d’Arc e Martin Luther King não conquistaram a maior vitória de todas. Nenhuma dessas pessoas conseguiu unir a nossa família como você, e serei eternamente grato por isso. Embora você ainda seja jovem, sua batalha pela vida começou aos oito meses. Foi nesse período que seu corpo tremia e eu tinha medo, mas eu engolia o choro para não assustar ninguém. A médica deu o diagnóstico: Síndrome de West. Até hoje não sei muito sobre a doença, o que sei é da luta diária dos meus pais para pagarem os remédios necessários no seu passado, presente e futuro. Os esforços do pequeno guerreiro nunca se esgotaram!

Apenas sete anos separam o início da nossa existência, mas eu acompanhei de perto o nascimento do meu herói. Pude acompanhar a melhora da sua saúde, ver seus primeiros passos e suas tentativas de balbuciar o meu nome. As pessoas não presenciaram você, meu herói, crescer de perto, nem as guerras que precisou vencer na sua infância inacabada, mas as suas histórias são dignas do infinito. Reconheço que o mundo não está perdido. Anne Frank sempre acreditou na bondade humana e eu creio na ternura de todo ser vivo. Assim como nela, vejo em você, irmão, a força da fé de todas as religiões unidas, e as histórias de quem, mesmo doente, não fugiu da luta. Ser humano é o que te torna herói.

Eu poderia escrever milhões de páginas para contar a todos sobre os feitos de outras pessoas lembradas pela história, mas nada equivale ao futuro, pois é nele que você e o amor estão. Escrevo essa carta pensando no amanhã, e na cura do meu herói. Aqui guardo uma parte de mim e todo o carinho de um garoto que salvará ainda mais pessoas, e fará o mundo sorrir. Acredite nos seus sonhos, como acredito em você.

Com afeto,

O fã de um grande herói,

Yeshua.

Notícia publicada no Portal G1 , em 2 de junho de 2019.

Glória Alves** comenta

Começo nosso comentário com as palavras de Paulo, um menino de 11 anos que comoveu o estado da Paraíba e todos nós que lemos a sua carta: “pra mim herói é alguém que faz ou fez grandes feitos”.

Como o tema da Redação de Cartas tratava de heróis, Paulo deveria escrever algo para o seu herói favorito. Ora, na concepção dele um herói é aquela pessoa que faz ou fez grandes feitos relatados na história da Humanidade, entretanto, ele tem um herói dentro de sua casa, seu irmão.

Escrever sobre o seu herói de verdade, seu irmão de 4 anos, que na época lutava contra uma síndrome rara, a Síndrome de West. O entendimento de Paulo é uma visão ampliada da vida, das lutas que todos nós travamos no dia a dia. Paulo, tão jovem, uma criança, em sua simplicidade, conseguiu perceber as nuances, as sutilezas das dores que acabrunhavam seu irmão, e descobriu que no sofrimento também há uma luta pela sobrevivência: “meu irmão é um herói, porque ele é tão novinho e já conseguiu superar tanta coisa”.

A superação pelo amor. Ah! A força do amor, essa energia poderosa e que não temos a capacidade de medir sua grandeza, é de essência divina, é força criadora que “levanta as energias alquebradas, e torna-se essencial para a preservação da vida”.(1) Envolvidos numa atmosfera de amor, a família de Paulo alimenta-se, envolve-se, contagiando-se, e dessa forma aprendem a lidar com as dificuldades da enfermidade do filho mais novo vencendo e superando os próprios limites pela força insuperável do amor.

O que vale nessa bela história não é julgarmos as causas atuais ou anteriores dos sofrimentos de Pedro e da família, mas, sobretudo, aprendermos ou reaprendermos que a família é a base fundamental da fraternidade universal, é nela que vamos passo a passo nos desfazendo do egoísmo e do orgulho que nos distancia uns dos outros, porque há de chegar um dia em que todos na Terra estaremos vivendo o vero amor, a energia divina que está em nós, destacando-se do Foco Central a irradiar-se e alcançando cada coração; unindo-nos num só sentimento de fraternidade e amor, estaremos diante da família universal.

Essa história, como muitas outras que já ouvimos e que continuaremos a escutar ou ler, hoje nos chega através de uma criança, aliás duas, pois uma é a ação e a outra superação; ensina-nos ou reaviva em nossa mente que todos possuímos em gérmen a centelha desse fogo sagrado, o amor, a essência divina.

Refletindo sobre essa história, me pergunto quem é o meu herói. Quem são os nossos heróis? Quem elegemos como modelo a seguir, visto que muitos de nós se espelham em homens e mulheres das mídias sociais, jovens que copiam modelos em que inspiram sua vida e seu modo de ser. Atitudes equivocadas, muitas vezes, que escolhidas como grandes verdades e que no final das contas terminam como decepções ou em situações dolorosas para eles mesmos e a família. Aparentam felicidade quando na realidade esses heróis são frágeis seres humanos que só de aparência vivem.

Paulo, que na época da doença de Pedro tinha 10 anos de idade, se inspirou no irmão de 4 anos, e viu nele a força e a coragem, um guerreiro que valia e vale a pena seguir e imitar. Diz ele: “vejo em você, irmão, a força da fé de todas as religiões unidas, e as histórias de quem, mesmo doente, não fugiu da luta. Ser humano é o que te torna herói”, afirma Paulo, em sua carta.

A força da fé de todas as religiões unidas. Paulo tem a clarividência de quem tem a compreensão dos ensinamentos que o Guia e Modelo da Humanidade terrestre, Jesus, nos deixou quando nos exorta a amarmo-nos uns aos outros conforme Ele nos ama. “Todas as expressões religiosas nascidas do Cristianismo se identificam pela seiva de amor do tronco que as congrega, apesar dos erros humanos de seus expositores.”(2) “A religião é o sentimento divino que prende o homem ao Criador. As religiões são organizações dos homens, falíveis e imperfeitas como eles próprios.”(3)

Concluo com as palavras do Espírito Emmanuel: “No dia em que a evolução dispensar o concurso de religiosos para a solução dos grandes problemas educativos da alma do homem, a Humanidade inteira estará integrada na religião, que é a própria verdade, encontrando-se unida a Deus, pela Fé e pela Ciência então irmanadas.”(4)

“Ele não é um peso, ele é meu irmão. O bem-estar dele é a minha preocupação. Ele não é nenhum fardo para aguentar.” Essa é a letra de uma canção antiga, dizem que foi inspirada em uma história real, e que o grupo The Hollies imortalizou. Assim como essa música inspirou muitas pessoas a praticar o bem, que essa história de Pedro e Paulo nos inspire a nos olharmos com os olhos do coração.

Referências bibliográficas:

(1) “Momentos Enriquecedores” - Espírito Joanna de Ângelis - Divaldo Franco - O Poder do amor;

(2) “O Consolador” - Espírito Emmanuel - Chico Xavier - Q. 294;

(3) “Emmanuel” - Espírito Emmanuel - Chico Xavier - 1ª Parte - Religião e Religiões;

(4) “Emmanuel” - Espírito Emmanuel - Chico Xavier - 1ª Parte - Experiência que Fracassaria.

** Glória Alves nasceu em 1º de agosto de 1956, na cidade do Rio de Janeiro. Bacharel e licenciada em Física. É espírita e trabalhadora do Grupo Espírita Auta de Souza (GEAS). Colaboradora do Espiritismo.net no Serviço de Atendimento Fraterno off-line e estudos das Obras de André Luiz, no Paltalk.