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Clássico da música caipira imortalizada na voz da querida Inezita Barroso, A marvada pinga narra de forma cômica as situações vividas por uma mulher no seu processo de dependência do álcool. No contexto da música dita regional, essa exaltação é comum, como no recente sucesso Nóis trupica mais num cai (Rick e Renner), trazendo apenas a dimensão da graça de um fato muito preocupante, que é a dependência química de bebidas alcoólicas, em especial por conta dos mais jovens.

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Clássico da música caipira imortalizada na voz da querida Inezita Barroso, “A marvada pinga” narra de forma cômica as situações vividas por uma mulher no seu processo de dependência do álcool. No contexto da música dita regional, essa exaltação é comum, como no recente sucesso “Nóis trupica mais num cai” (Rick e Renner), trazendo apenas a dimensão da graça de um fato muito preocupante, que é a dependência química de bebidas alcoólicas, em especial por conta dos mais jovens. A bebida, culturalmente, foi associada a eventos recreativos. Na esfera jovem, tem-se que a intensidade de seus efeitos é proporcional a magnitude dessa diversão, na exaltação dos feitos no dia seguinte, no qual vira o assunto da roda de conversa que fulano teve uma PT (perda total), ou seja, ficou inconsciente por força da bebida, coroado pela sua ida para o pronto socorro, em uma fraqueza que demonstra força, mais um dos curiosos efeitos da “marvada”.

Quem convive com o ambiente juvenil percebe uma mudança de perfil no que tange a vícios das décadas de 70/80 para o período atual. A bebida entre jovens sempre esteve em alta e de lá prá cá, pela força de mudanças culturais e restrições legais, diminuiu o uso do tabaco. Quanto às outras drogas, as ilícitas, mudaram apenas dentro do portfólio, pelo requinte desse rentável negócio internacional, mas continuou presente no cotidiano juvenil, com a novidade de Crack, de alto poder destrutivo e vinculado a classes menos abastadas. Resumindo, perdeu espaço o cigarro, mas segue pujante o álcool entre os adolescentes, uma droga lícita e que tem efeitos danosos não só ao corpo de seu usuário, mas ao seu convívio social também.

Estudo de 2012 da Organização Mundial de Saúde (OMS), chamado de “Megacity”, realizado aqui no Brasil em parceria com a Universidade de São Paulo (USP), mostra que o maior índice de dependência e abuso do álcool está, atualmente, nas mulheres até 24 anos e nos homens após 45 anos, ao contrário do quadro de 20 anos atrás, onde o bebedor médio era o jovem masculino. Anteriormente, havia uma proporção de quatro homens para uma mulher bebedora, sendo que a pesquisa revela que hoje essa proporção é de um para um. Chegou-se a igualdade dos gêneros no campo do vício!

Da mesma forma, interessante matéria da Revista Veja, de 11.07.2012, traz uma pesquisa do Instituto de Pesquisas da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), mostrando que 70% dos adolescentes obtêm sucesso na aquisição de bebidas alcoólicas, apesar da proibição. A mesma pesquisa indica que o álcool na vida do adolescente potencializa o risco de problemas como: gravidez na adolescência, brigas, crimes, acidentes no trânsito, baixo desempenho escolar e o uso associado de outras drogas ilícitas. Além disso, a pesquisa revela que pelo fato do corpo do adolescente estar ainda em formação, a bebida tem seus efeitos destrutivos no cérebro, fígado e coração agravados.

A pesquisa revela também uma triste estatística: de que um a cada três jovens de 14 a 17 anos, no Brasil, se embebedou - o famoso “porre”- uma vez pelo menos no período de um ano. E que a classe “A”, mais abastada, tem uma frequência maior dessas ocorrências. Convencionou-se que o porre tem um caráter de rito de passagem, no qual o menino(a) já é adulto(a), como se isso significasse ser amadurecido.

É fato, não há o que se questionar, a rapaziada esta bebendo mais e mais cedo e as mulheres jovens estão com uma participação crescente nessa casuística. Um antigo problema das famílias, reforçado pela propaganda, pela leniência das autoridades com a proibição e ainda, com uma visão hedonista de que o prazer é o objetivo primordial da vida, como filho dileto do consumo, e que o álcool possibilita esse prazer maior, de mais qualidade.

Esse quadro revelado nas pesquisas não espanta qualquer jovem que dele tome conhecimento. Está aí, para qualquer um, essa realidade. Essa discussão no campo do espiritismo geralmente descamba para a companhia indesejável dos espíritos sofredores e do suicídio inconsciente, pela destruição da benção do corpo físico na jornada reencarnatória. Porém, tudo isso é sabido, de alguma forma, pelos usuários dessas estatísticas, que contam com espíritas certamente, mas ainda sim são inócuas para impedi-los de se prender a esse vício na juventude. Por quê?

Bem, inicialmente existe uma questão biológica de certas pessoas, que por alguns motivos tem propensão a dependência química. O contato dessas pessoas com o álcool faz com que elas adquiram o vício, em um processo de difícil reversão. Por isso, os companheiros dos Alcoólicos Anônimos - AA, em sua larga experiência, recomendam não provar ou experimentar e temem, na abstinência, a famosa recaída.

Na juventude, em especial, a necessidade de aceitação do grupo e de demonstrar força diante dos desafios, faz da bebida um símbolo de exibição de resistência do corpo aos seus efeitos, comparando à tenacidade do jovem a quantidade de bebida que ele ingere sem ser vencido pelos seus efeitos. O rito de passagem tribal, em um desafio etílico.

Nessa mesma fase, pelo seu caráter de desinibição, o jovem, compelido a participar de forma ativa de vários espaços, na luta pela autoafirmação diante das suas tribos, utiliza-se da bebida como ferramenta encorajadora, que rompe a vergonha e a timidez, como uma fórmula mágica para superar os desafios que são seus, de megaexposição e de se tornar um indivíduo autônomo.

Por fim, por conta de um interesse comercial, de manter um consumidor jovem fiel a um hábito por uma janela de tempo maior, a publicidade de bebidas alcoólicas se concentra no público jovem, nos seus ídolos e manifestações, contraposto a uma pífia publicidade oficial que se restringe ao “se beber não dirija”, atacando os efeitos e não as causas da bebida, em que pese os visíveis ganhos da “Lei Seca” no que tange a acidentes automobilísticos, reforçando a relação da bebida com essas ocorrências.

Diante desse quadro, prezado jovem que lê essas páginas, vê-se que o hábito de tomar uma de vez em quando, que se torna o “de vez em sempre” (ainda que todos digam o contrário), não é de fácil combate e necessita de uma coisa mais rara na juventude, que é superar o imediatismo e pensar no futuro. Pensar que aquela “marvada”, hoje engraçada e desinibidora, como porta de acesso a um mundo de amigos e diversão, carrega em si um potencial destruidor de famílias, da sua saúde, do seu psiquismo e de seus relacionamentos e isso não aparece em horário nobre. Falo com o conhecimento de causa de quem entregou alguns dos seus ao túmulo por conta da bebida, e testemunhou a série de problemas advindos, que vão muito além da saúde.

O grande desafio e demonstração de coragem estão em ser diferente, ser você mesmo e saber dizer “não”, quando todos esperam de você um “sim”, sem precisar se justificar ou desculpar-se, pelos motivos que interessam apenas ao seu foro íntimo, e que todos, se são realmente seus amigos, devem saber respeitar. Coragem é mostrar que você não precisa de muletas para crescer!

Essa autoafirmação real é fundamental para você, jovem, pois fará de você um adulto sereno, decidido e amadurecido. Agora, se a sua motivação é o prazer, a sensação química, saiba que ela é passageira, como o vento, e que ela tem um custo amargoso, no presente da dependência e do acidente de automóvel e no futuro da sua saúde física e espiritual. Você deve considerar que se divertir é uma arte, na qual existem formas saudáveis de encontrar o prazer, na sua medida certa, sem destruição, e que a juventude também é um momento do aprendizado dessa importante lição.

Quanto ao jovem dependente, chegando à juventude espírita, devemos ampará-lo e respeitá-lo. Respeitá-lo não é apoiá-lo em seu vício e sim ajudá-lo a sair dessa, com amor e diálogo - um desafio-, enxergando quando ele pede ajuda. Não se trata uma questão de preconceito e sim de saúde, espiritual e corporal, a relação com a “marvada”. Não é um hábito, é um vício com consequências terríveis, para o usuário e para os que o rodeiam.

Por fim, penso que na sua mocidade espírita, o tema da bebida deve ser discutido, com a franqueza necessária, entendendo os seus efeitos, mas a força de seus apelos. Se não fizer parte do programa, pergunte ao seu orientador sobre essa temática. Faz parte do papel orientativo da juventude espírita e devemos, jovens e orientadores, trazê-lo para a pauta, como um tema atual e necessário. Que o alcoolismo não seja mais um dos temas que no espiritismo fechamos os nossos olhos, mas que ao mesmo tempo, a prática nos diz que devemos rever nossas estratégias de atuação diante da “marvada”, pois esta se readapta as investidas, movida por interesses poderosos.

15 de Outubro de 2015

  • Publicado originalmente na Revista Revista Eletrônica O Consolador