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  • Quanto aos transplantes de células-tronco

Allan Kardec ensina que o Espiritismo é questão de fundo e não de forma. E mais: é questão de bom senso. Estes preceitos, aprendidos desde a infância, nunca me foram tão úteis como neste caso; matéria nova e delicada que o Espiritismo conduz com maestria.

“Sou a favor!”

Era a minha voz, respondendo ao questionamento sobre os transplantes de células-tronco de embriões congelados, para fins terapêuticos.

Após a resposta dada por impulso, a responsabilidade me fez gelar. “Que base você tem para tal afirmativa?”, indaguei a mim mesma. Ao que de pronto respondi de mim para comigo: “o bom senso e toda a minha vida de espírita, ora!”. “Mas, como espírita, você tem que ter respostas com embasamento em Kardec. As pessoas não querem saber a sua opinião; querem saber a sua opinião de espírita”, redargüi, energicamente, para minha própria consciência, já com o coração aos pulos.

Ainda bem que a conversa não exigiu muito mais de mim, e fui para casa ansiosa por consultar Kardec. Antes, passei os olhos nas revistas e jornais espíritas, entrevistas, opiniões, que só me assustaram. Estava cansada demais e preferi esperar o dia seguinte.

Custei a me entregar ao sono. A lógica da Doutrina Espírita me fazia estremecer ao responder minhas indagações mentais com os preceitos que de há muito eu conhecia, anulando a hipótese de que Kardec não falara sobre células-tronco… Além do mais, sempre estiveram em mim as palavras de Erasto, contidas em “O Livro dos Médiuns”: “Desde que uma opinião nova venha a ser expedida, por pouco que vos pareça duvidosa, fazei-a passar pelo crisol da razão e da lógica e rejeitai desassombradamente o que a razão e o bom senso reprovarem. Melhor é repelir dez verdades do que admitir uma única falsidade, uma só teoria errônea”.

E, naquele momento, eu rejeitava “desassombradamente” a proibição imputada pela maioria das religiões às pesquisas com células-tronco de embriões congelados.

Nos dias que se seguiram, busquei nos livros da Codificação Espírita as respostas que eu já adivinhara e que sossegaram meu coração pela lucidez que inspiram, permitindo ao espírita posicionarem-se com segurança sobre os avanços da Ciência, livrando-o do ranço que o dogmatismo religioso deixou nos espíritos milenares. Eis que em “A Gênese”, Kardec diz textualmente “A Ciência tem por missão descobrir as leis da Natureza. Ora, sendo essas leis obras de Deus, não podem ser contrárias a religiões que se baseiem na verdade. Lançar anátema ao progresso, por atentatório a religião, é lançá-lo à própria obra de Deus. É, ao demais, trabalho inútil, porquanto nem todos os anátemas do mundo seriam capazes de obstar a que a Ciência avance e a que a verdade abra caminho. Se a Religião se nega a avançar com a Ciência, esta avançará sozinha”. E continua: “Somente as religiões estacionárias podem temer as descobertas da Ciência, as quais funestas só o são às que se deixam distanciar pelas idéias progressistas, imobilizando-se no absolutismo de suas crenças. Elas, em geral, fazem tão mesquinha idéia da Divindade, que não compreendem que assimilar as leis da Natureza, que a Ciência revela, é glorificar a Deus em suas obras. Na sua cegueira, porém, preferem render homenagem ao Espírito do mal, atribuindo-lhe essas leis. Uma religião que não estivesse por nenhum ponto, em contradição com as leis da Natureza, nada teria que temer do progresso e seria invulnerável”.

Ante tais assertivas, meu coração se expande na alegria da verdade emitida pelos preceitos espíritas e, comovido, recorda o quanto o mundo sofreu com a perseguição feita à Ciência, quando o martírio dos sábios e a perseguição ao conhecimento eram promovidos por quem agia em nome de Deus! Meu Deus! Eis que o Espiritismo caminha com a Ciência, sem temê-la, porque não concorre com ela! E os espíritas percebem, cada vez mais, que a função maior da Religião é a de formar homens de bem que utilizem todos os mecanismos da vida em benefício da evolução.

Estou certa do posicionamento espírita quanto à Ciência, mas o problema em questão é mais delicado no terreno da moral. Se o primeiro direito natural do homem é o da vida, como permitir que sejam usados embriões congelados na reconstrução de órgãos danificados e doentes sem ferir as leis de Deus? Não seria um aborto criminoso? Sustenta-me a afirmação de Kardec de que “na ausência dos fatos, a dúvida é a opinião do homem prudente”. E, mais uma vez, ele mesmo fornece-me a resposta profundamente elucidativa e consoladora. Ela está contida na questão 359 de “O Livro dos Espíritos”, quando o Mestre de Lyon indaga aos espíritos sobre o aborto em caso de risco de morte da mãe: “É preferível sacrificar o ser que não existe, a sacrificar o que existe”. Ora, como o ser que não existe? Então, o feto não existe? Kardec tira-me a dúvida quando provoca dos espíritos a resposta de que a ligação do espírito ao corpo se completa na hora do nascimento. Logo, entre uma vida já completada e atuante e uma promessa de vida é claro que deve salvar-se a primeira.

Assim, por extensão, compreendi que os embriões humanos usados nessas pesquisas, que têm mais ou menos cinco dias de fecundados, que estão congelados há mais de três anos e que seriam jogados no lixo, estão sendo úteis a seus semelhantes, permitindo que as vidas já completadas sejam salvas, ainda que em detrimento das suas, (isto, no caso de haver espíritos ligados a eles) e, especialmente, porque a vida espiritual só é aduzida a animal e a vegetal, que se desenvolve no útero materno, na hora do nascimento.

Há, ainda, um comentário muito esclarecedor a este respeito, feito por Kardec, após a resposta à questão 951 de “O Livro dos Espíritos”: “Todo sacrifício feito à custa da própria felicidade é um ato soberanamente meritório aos olhos de Deus, porque é a prática da lei da caridade. Ora, sendo a vida o bem terreno a que o homem dá mais valor, aquele que a ela renuncia pelo bem de seus semelhantes não comete um atentado: é um sacrifício que ele realiza”. E, em “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, o espírito de São Luiz ensina que “A verdadeira abnegação consiste em não temer a morte quando se trata de ser útil, em enfrentar o perigo e oferecer o sacrifício da vida, antecipadamente e sem pesar, se isto for necessário”.

Allan Kardec ensina que o Espiritismo é questão de fundo e não de forma. E mais: é questão de bom senso. Estes preceitos, aprendidos desde a infância, nunca me foram tão úteis como neste caso; matéria nova e delicada que o Espiritismo conduz com maestria. Claro que a visão científica do assunto cabe ser explicada pelos médicos e cientistas espíritas. Entretanto, compreendi, mais uma vez, porque Kardec afirmou “Fora da caridade não há salvação”. Eis que os transplantes de células-tronco de embriões congelados repousam sobre uma tênue, mas contundente imagem da caridade, na leveza do amor colocado em movimento, que transcende a vida material para mostrar ao doador, ao longo da eternidade, porque, como ensinou o apóstolo Pedro, o amor cobre a multidão dos pecados. A bondade e a justiça de Deus não iriam expor de forma tão dramática e definitiva as conquistas da Ciência e o destino de seus filhos, inutilizados num laboratório, enquanto outros filhos precisam tanto deles…

E, agora?

“Sou a favor!” De novo, ouço minha voz, dizendo a minha opinião, segura e livre sobre as pesquisas com células-tronco de embriões congelados. Graças ao Espiritismo.