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Mais de duas décadas após o lançamento do funk, realidade contada na letra é a mesma hoje em dia. Para Doca, ‘a letra parece cada vez mais atual. Só piorou. Existe uma guerra urbana e o poder público parece que não tem interesse em mudar isso.’ Jorge Hessen comenta.

  • Data :30/09/2016
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3 de outubro de 2016

Educação ainda está distante da favela, diz autor do ‘Rap da Felicidade’

Mais de duas décadas após o lançamento do funk, realidade contada na letra é a mesma hoje em dia POR GIULIANA DE TOLEDO No começo do funk “Rap da Felicidade” — que inspirou o título da edição 300 da GALILEU: “O pobre tem seu lugar – e não sai de lá por quê?”—, Cidinho e Doca dizem: “Eu só quero é ser feliz, andar tranquilamente na favela onde eu nasci e poder me orgulhar e ter a consciência que o pobre tem seu lugar”. Para os autores, que não deixaram a Cidade de Deus e também são conhecidos pelo Rap das Armas, a letra não envelheceu. Há 21 anos, ainda na ressaca do governo Collor, a dupla também colocou na música: “Trocaram a Presidência, uma nova esperança”. Hoje, diz Doca, até o verso que parecia mais datado voltou a fazer sentido – que dirá o resto.

A realidade mudou nestas duas décadas? A letra parece cada vez mais atual. Estamos mais uma vez trocando a Presidência, “uma nova esperança” [verso da letra]. Só piorou. Existe uma guerra urbana e o poder público parece que não tem interesse em mudar isso.

A educação melhorou para quem é pobre? Regrediu muito. As crianças crescem vendo a violência. Para um garoto de 10 anos, o herói dele é o cara de 17 que está no crime. Tem muitas crianças que perderam seus pais para a droga e estão abandonadas. Elas estão seguindo um fluxo do lado negativo. A educação não é prioridade. Hoje o professor nem é respeitado, o professor nem recebe. Os professores aqui no Rio de Janeiro estão em greve, os alunos estão ocupando as escolas porque não têm merenda. Está ladeira abaixo.

Como as coisas poderiam mudar? A gente, que é morador de comunidade, tem uma visão muito melhor do que quem vem de fora. Dentro da comunidade, a gente tem uma “faculdade”. Tem pessoas que vão estudar 300 anos e não vão aprender o que a gente sabe. Por que a gente não consegue andar tranquilamente? Porque o poder público não investe na cultura da própria comunidade. A comunidade ou vive a violência ou alguém vem de fora para tentar dominar, superfaturar, botar dinheiro no bolso. Não existe investimento correto. O Estado, a prefeitura e o governo federal precisam fazer um trabalho com as pessoas da comunidade, ouvir os representantes de lá para saber como podem ajudar.

O lugar do pobre ainda é o mesmo? Não mudou em nada, mas ser pobre não é vergonha. O que falta é respeito, é entenderem que não tem só bandido na favela. A mão de obra pesada está na comunidade. O engenheiro apronta tudo, mas quem levanta parede é o cara da comunidade.

Recentemente foi muito comentada a história da babá que não pôde usar o mesmo banheiro que as sócias do Country Club do Rio. A segregação entre ricos e pobres ainda é muito forte? As pessoas não entenderam que no dia que a gente partir a gente vai para o mesmo lugar. Lá no cemitério, acaba a arrogância, a prepotência, o egoísmo, o desprezo. Somos todos iguais, independente de cor, raça, condição financeira, religião. Deus fez todo mundo do seu jeito, não existe ninguém perfeito. O que é um banheiro? É onde a gente vai fazer as nossas necessidades, tudo que o corpo rejeita e joga fora. Olha só! E a pessoa discrimina a outra por usar um banheiro? É lamentável, mas é o mundo onde nós vivemos. Notícia publicada na Revista Galileu , em 30 de junho de 2016.

Jorge Hessen* comenta Observemos os respeitáveis argumentos de alguns líderes residentes nas favelas do Brasil. Pronunciam tais líderes que existe hoje uma guerra urbana, porém o poder público não tem interesse em mudar esse panorama. Afirmam que a educação brasileira não melhorou para quem é pobre e favelado. Aliás, regrediu muito. No Brasil a educação não tem sido prioridade de nenhum governo. Professores são desrespeitados e seus salários aviltantes. Lembram que a pobreza ainda jaz estacionada, contudo ser pobre não é desonra. O que falta no Brasil é respeito, é a percepção de que não há bandido só nas favelas, mas também entre os mauricinhos e patricinhas e entre os insuspeitos “colarinhos brancos”. As mãos-de-obra pesadas estão nos bairros pobres, nas comunidades e nas favelas. O engenheiro calcula tudo, mas quem faz a base e levanta a parede é o trabalhador suburbano. Os endinheirados não compreendem que na morte todos vamos para o mesmo lugar. Lá no cemitério, acaba a arrogância, a prepotência, o egoísmo, o desprezo. Somos todos iguais, independentemente de cor, raça, condição financeira, religião. Deus fez todo mundo do seu jeito, não existe ninguém perfeito. Sem embargo da consistência de opinião supramencionada, creio que o brado de indignação, dimanado das lideranças referidas, inobstante sua lógica indiscutível, pode padecer acanhados ajustes através de alguns conceitos doutrinários. Notemos, pois. Concordamos que os benefícios do desenvolvimento material não estão sendo divididos equitativamente e o fosso entre afortunados e deserdados (ricos x pobres) é colossal. Essa tendência pode ser ameaçadora para o equilíbrio social, por isso é urgente corrigi-la. Caso contrário, as bases da segurança global poderão estar seriamente ameaçadas. Sabemos que o conhecimento e a tecnologia a nosso favor são necessários para sustentar toda a população e reduzir os impactos das desigualdades materiais, até porque os desafios econômicos, políticos, sociais e espirituais estão interligados, e, juntos, podemos criar, de início, soluções emergenciais para que evitemos o caos total em pouco tempo. Urge que se crie na população uma mentalidade crítica, que permita estabelecer novos comportamentos, reduzindo os extremismos ideológicos, mormente dos discursos ardilosos dos políticos desonestos, alguns fantasiados de “pais dos pobres”, e entronizar-se entre nós a verdadeira solidariedade. A sociedade deve construir novos modelos de convivência lastreados na fraternidade e no amor. A falta de percepção da interdependência e complementaridade entre os cidadãos gera uma visão individualista, materialista, separatista. Isso não é nada auspicioso. Os espíritas, compreendemos e explicamos muitos fenômenos sociais e econômicos através da pluralidade das existências. Não somos arautos de revoluções porque cremos na evolução, isto é, os espíritas somos evolucionários e não revolucionários, e a nossa proposta é para mudanças na intimidade do ser humano; não contemporizamos com as injustiças, todavia entendemos bem a concentração de riqueza que necessariamente nem sempre significa a ausência de fraternidade, ou manutenção de privilégios e de excessos no uso dos bens, das riquezas e do poder de uns poucos em detrimento do infortúnio da maioria. Indagado sobre a desigualdade verificada entre as classes sociais, o Espírito Emmanuel esclareceu que “a desigualdade social é o mais elevado testemunho da verdade da reencarnação, mediante a qual cada espírito tem sua posição definida de regeneração e resgate. Nesse caso, consideramos que a pobreza, a miséria, a guerra, a ignorância, como outras calamidades coletivas, são enfermidades do organismo social, devido à situação de prova da quase generalidade dos seus  membros. Cessada a causa patogênica com a iluminação espiritual de todos em Jesus Cristo; a moléstia coletiva estará eliminada dos ambientes humanos”.(1) Finalizo com as palavras do notável Léon Denis, que enunciou: “O Espiritismo é, ninguém se engane, um dos maiores acontecimentos da história do mundo. Assim hoje, em face das doutrinas religiosas enfraquecidas, petrificadas pelo interesse material, impotentes para esclarecer o Espírito humano, ergueu-se uma filosofia racional, trazendo em si o germe de uma transformação social, um meio de regenerar a Humanidade, de libertá-la dos elementos de decomposição que a esterilizam e enodoam.”(2)

Referências bibliográficas: (1) Xavier, Francisco Cândido. O Consolador, ditado pelo Espírito Emmanuel, Rio de Janeiro: Ed. FEB, 1999, questão 55; (2) Denis, Léon. Depois da Morte, capitulo 24, Rio de Janeiro: Ed. FEB, 1998.

  • Jorge Hessen é natural do Rio de Janeiro, nascido em 18/08/1951. Servidor público federal aposentado do INMETRO. Licenciado em Estudos Sociais e Bacharel em História. Escritor (dois livros publicados), Jornalista e Articulista com vários artigos publicados.