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O texto de uma juíza do interior do Paraná criticando a ideia de meritocracia viralizou nas redes sociais, chegando a atingir mais de 100 mil curtidas e 36,5 mil compartilhamentos. Nele, a magistrada Fernanda Orsomarzo diz que o discurso da meritocracia “naturaliza a pobreza”. Jorge Hessen comenta.

  • Data :18/09/2016
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19 de setembro de 2016

Juíza diz que meritocracia ’naturaliza pobreza’ e post viraliza nas redes sociais

A jovem do Paraná fez um ’textão’ falando que suas condições sociais privilegiadas a levaram a alcançar o tão sonhado título Juliana Cipriani O texto de uma juíza do interior do Paraná criticando a ideia de meritocracia viralizou nas redes sociais, chegando a atingir mais de 100 mil curtidas e 36,5 mil compartilhamentos. Nele, a magistrada Fernanda Orsomarzo diz que o discurso da meritocracia “naturaliza a pobreza”. A juíza afirma que, apesar do seu esforço, só chegou ao cargo por ser branca e ter acesso a condições de renda e ensino melhores que as das pessoas mais pobres. “Meu esforço individual contou, mas eu nada seria sem as inúmeras oportunidades proporcionadas pelo fato de ter nascido – repito – branca e no seio de uma família de classe média minimamente estruturada”, disse a magistrada. A juíza diz fazer parte de uma típica família de classe média, que estudou em escola particular, fez cursos de inglês e informática e teve acesso a livros e filmes. Fernanda afirma ainda que nunca teve de se preocupar com merenda ou material escolar. “Na linha da corrida em busca do sucesso e realização, eu saí na frente desde que nasci. Não é justo, não é honesto exigir que um garoto que sequer tem professores pagos pelo Estado entre nessa competição em iguais condições. Nunca, jamais estivemos em iguais condições”.

Confira a mensagem na íntegra: Ralei duro para ser Juíza de Direito. Cheguei a estudar 12 horas por dia em busca da concretização do tão almejado sonho. Abdiquei de festas, passei feriados em frente aos livros, perdi momentos únicos em família. Sim, o esforço pessoal contou. Mas dizer que isso é mérito meu soa, no mínimo, hipócrita. Em primeiro lugar, nasci branca. Faço parte de uma típica família de classe média. Estudei em escola particular, frequentei cursos de inglês e informática, tive acesso a filmes e livros. Contei com pais presentes e preocupados com a minha formação. Jamais me faltou café da manhã, almoço e jantar. Nunca me preocupei com merenda ou material escolar. Todos têm suas lutas e histórias de vida. Todos enfrentam dificuldades e desafios. Porém, enquanto para alguns esses entraves não passam de meras pedras no caminho, para outros a vida em si é uma pedra no caminho. Meu esforço individual contou, mas eu nada seria sem as inúmeras oportunidades proporcionadas pelo fato de ter nascido – repito – branca e no seio de uma família de classe média minimamente estruturada. O mérito não é meu. Na linha da corrida em busca do sucesso e realização, eu saí na frente desde que nasci. Não é justo, não é honesto exigir que um garoto que sequer tem professores pagos pelo Estado entre nessa competição em iguais condições. Nunca, jamais estivemos em iguais condições. O discurso embasado na meritocracia desresponsabiliza o Estado e joga nos ombros do indivíduo todo o peso de sua omissão e da falta de políticas públicas. A meritocracia naturaliza a pobreza, encara com normalidade a desigualdade social e produz esquecimento – quem defende essa falácia não se recorda que contou com inúmeros auxílios para chegar onde chegou. Notícia publicada no Estado de Minas , em 6 de setembro de 2016.

Jorge Hessen* comenta Não obstante seu esforço individual, no entanto, afiança que nada conquistaria sem as inúmeras oportunidades proporcionadas pelo fato de ter nascida “branca” e no seio de uma família de classe média bem estruturada. Justifica não ter mérito porque na competição em busca do “vencer na vida” teve todas as vantagens desde que nasceu. Por isso, segundo afirma, não é justo ser exigido que alguém que sequer tem professores pagos pelo Estado entre nessa competição (“vencer na vida”) em iguais condições. Alega que o discurso embasado na meritocracia desresponsabiliza o Estado e joga nos ombros do indivíduo todo o peso de sua omissão e da falta de políticas públicas. Segundo Orsomarzo, a meritocracia naturaliza a pobreza, encara com normalidade a desigualdade social. Em que pese Fernanda ter um discurso charmoso, talvez resvale para uma ideologia capciosa. Sob o ponto de vista espírita, não anuímos com a sua arenga. Observemos o seguinte cenário: abre-se vaga para médico, através de um concurso público (confiável). Poderão se inscrever os que satisfazem as exigências legais. Apresentam-se dois candidatos. O primeiro é filho de um professor, estudou em uma faculdade “de ponta”, teve no lar todos os estímulos para estudar, todos os livros necessários e nunca precisou trabalhar. O segundo candidato é órfão de pai desde criança. Sua mãe é uma diarista, criou cinco filhos com enormes dificuldades. Esse candidato não teve muito tempo para estudar; sem livros, tendo que trabalhar desde cedo, estudando à noite em uma faculdade “fuleira”, pouca alimentação etc. Pergunta-se: qual deles dois, considerando-se que possuem a mesma inteligência e se prepararam para o concurso, está, teoricamente, em melhores condições de vencer a disputa? Obviamente, o primeiro candidato. Para os espíritas, a meritocracia faz sentido a partir de uma abordagem reencarnacionista, e torna justa a lei de Deus. As nossas encarnações são construídas segundo duas variantes: a necessidade evolutiva e os resultados de nossas ações de vidas pregressas. O primeiro candidato (filho do professor) pode ter sido um filho de lavadeira em reencarnação anterior, e que, superando todos os obstáculos, fez o melhor que pôde, adquirindo merecimentos, que lhe são considerados na existência atual. O segundo candidato (filho da lavadeira) talvez tenha sido um filho de professor no passado, que tendo recebido todas as facilidades em existência hipotética, desconsiderou-as, levando uma vida de ócio ou devassidão. Retorna, pela reencarnação, ao cenário da Terra, com dificuldades redentoras para, através da vida custosa, reeducar-se perante si mesmo. E assim a justiça se faz e o princípio do mérito torna-se aplicável às diferentes situações da vida. Meritocracia (do latim meritum, “mérito”, e do sufixo cracia, “poder”) indica posições ou colocações conseguidas por mérito pessoal. É comum se fazer referência à meritocracia espírita, designada por Kardec como aristocracia intelecto-moral, desmerecendo-a por analogia à meritocracia vigente. A meritocracia espírita é fundamentada nas conquistas morais do Espírito encarnado. Os conceitos do Espiritismo defendem a meritocracia do ideário liberal, a liberdade individual e quem pugna por esses valores não deve ser tido como um reacionário. O princípio da improfícua ideologia igualitária sempre fascinou a mente revoltosa, porque parece ser mais “justa”, e atender melhor à parte mais “desprotegida” da sociedade. Irrisão! Essa ideologia carrega consigo uma mancha execrável. Não é capaz de respeitar o que é inerente ao ser humano, que é o livre-arbítrio individual. Como não conseguirá jamais se estabelecer com a concordância dos cidadãos, precisa se impor à força para que os “mais iguais” (grupelhos autoritários e minoritários) liderem e dirijam a “liberdade” do resto da massa narcotizada e reprimida. Seria hoje possível a “igualdade absoluta” das riquezas, por exemplo ou das oportunidades? Óbvio que não é possível. “A isso se opõe a diversidade das faculdades e dos caracteres.”(1) Há teóricos que julgam ser o “igualitarismo” o remédio aos males da sociedade. Quase sempre tais partidário são ateus, materialistas e cultores de sistemas [coercitivos] ou interesseiros entupidos de cobiça. “Não compreendem que a “igualdade” com que sonham seria a curto prazo desfeita pela força das circunstâncias. É importante sim combater o egoísmo, que é a chaga social, mas não correr atrás de quimeras utópicas.”(2)

Referências bibliográficas: (1) Kardec Allan. O Livro dos Espíritos , questão 811, RJ: Ed. FEB, 2000; (2) Idem, inciso “a”.

  • Jorge Hessen é natural do Rio de Janeiro, nascido em 18/08/1951. Servidor público federal aposentado do INMETRO. Licenciado em Estudos Sociais e Bacharel em História. Escritor (dois livros publicados), Jornalista e Articulista com vários artigos publicados.