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‘Talvez seja uma pobreza de linguagem, mas o fato é que me sinto honrada e agradecida por ser uma contadora de histórias da vida real. Há algumas semanas, porém, meu castelo de vaidades sobre ser jornalista ruiu.’ Nara de Campos Coelho comenta.

  • Data :24 Dec, 2015
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24 de dezembro de 2015

O dia em que senti vergonha de ser jornalista

Por Daniela Arbex

Orgulho é uma palavra complexa. Na prática, é um sentimento com definições pouco nobres por significar um conceito muito elevado sobre si mesmo. Mas quando falo sobre o papel do jornalismo na minha vida, sempre repito que tenho muito orgulho de ser repórter. Muito mesmo. Talvez seja uma pobreza de linguagem, mas o fato é que me sinto honrada e agradecida por ser uma contadora de histórias da vida real. Há algumas semanas, porém, meu castelo de vaidades sobre ser jornalista ruiu. Foi numa manhã chuvosa de sábado, quando fui à Escola Municipal Dr. Adhemar Rezende de Andrade, no Bairro São Pedro, para dar uma palestra. Ao mirar o portão da escola, recriminei, mentalmente, aquela muralha de ferro trancada. Julguei ser mais uma ilha em meio a uma comunidade mergulhada em problemas sociais. Sem perceber, ativei meu preconceito mais rápido do que o botão do interfone que ficava ao lado da entrada. Para minha surpresa, quando a porta se abriu, o dia cinzento ficou lá fora. Dentro do colégio, havia uma inesperada cor nas paredes, nos murais e por que não dizer no coração das crianças? Havia também um pátio lotado de meninos sonhadores, café da manhã coletivo, música de boa qualidade. Eu, do alto do meu orgulho, fui me sentindo pequena por ter sido enganada por minha estreita forma de olhar. Iniciei a palestra diante de cem crianças e adolescentes com os olhos grudados em mim. No final, fui bombardeada por perguntas sobre meus livros, mas também sobre a redução da maioridade penal, sobre a greve dos professores, sobre a situação dos refugiados. Fiquei muito impressionada com o interesse deles pela cidade e pelo outro. Na saída, um grupo de estudantes me levou na porta e, no caminho, eu não pude deixar de ler uma frase de Paulo Freire reproduzida na parede: “Educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas mudam o mundo.” Naquele dia, eu senti vergonha de ser jornalista. Muita. Vergonha pelo fato de que nós só cobrimos o que se passa no dia a dia das escolas públicas quando a polícia é chamada ou quando é divulgado o ranking das escolas com melhor pontuação nas avaliações estaduais e nacionais. Vergonha por só discutirmos violência sob a ótica da violência. Por não reconhecermos o esforço de muitos professores na busca de soluções para realidades de exclusão. Na segunda-feira, cheguei na redação querendo fazer diferente. Propus construirmos uma reportagem que contemplasse iniciativas e boas práticas em meio a um conteúdo pedagógico tradicional. Sugeri publicarmos uma matéria não sobre os melhores alunos, mas sobre bons seres humanos. No dia em que senti vergonha de ser jornalista, eu me lembrei que, para escrever a história do mundo, é fundamental ter esperança de mudá-lo. Artigo publicado na Tribuna de Minas , em 11 de outubro de 2015.

Nara de Campos Coelho* comenta Caindo em si… Em muitas passagens do Evangelho, podemos identificar personagens que conseguiram avançar no processo evolutivo pelo fato de identificarem situações que, ainda que contrárias a este avanço, forneciam lições definitivas. Pedro, após negar Jesus, surpreendeu-se por, finalmente, entender-lhe a superioridade moral. Paulo, após  o episódio de Damasco, transformou-se de perseguidor dos cristãos a perseguido, por enxergar o verdadeiro sentido que continha a indagação de Jesus: “Paulo, Paulo, por que me persegues?” Madalena, ao descobrir o sentido do amor verdadeiro, passou a exemplificá-lo na expansão do amor fraternal, cuidando dos leprosos. E assim, vemos incontáveis outros benfeitores da humanidade que passaram por estes momentos. Isto, sem falar de anônimos que mudaram seu futuro por terem “caído em si”, transformando-se. Daí ser interessante perceber o algo a mais que esta matéria em análise oferece, quando a jornalista flagra-se “caindo em si” na sua vida profissional.  Quantos erros ela poderá evitar, quantas dores poderá sanar, quantos caminhos poderá desvendar no auxílio ao viajor desesperançado. Tudo será diferente, por ter ela identificado a vida que pulsa e produz belos frutos, por trás de uma aparência de feiúra e desalento. Queiramos ou não, o jornalismo significa o quarto poder em todas as sociedades democráticas, porque ele pode destruir ou edificar, pessoas e até mesmo instituições. E isto tem sido muito comum… Muitos profissionais da mídia, como em todas as profissões, são verdadeiros heróis, enquanto outros fogem dos critérios de ética estabelecido pela profissão. Muitos artistas passaram por depressões arrasadoras em virtude de abordagem infelizes e injustas. Certo é que a diferença está no ser humano no exercício de sua função como profissional, e também na vida cidadã. Neste texto, a autora cita uma frase do educador Paulo Freire, que é muito semelhante ao pensamento de Kardec (será que ele leu Kardec?!) Eis que o Espiritismo nos diz que pode não transformar o mundo, mas pode transformar as pessoas que irão transformar o mundo. Assim, quando entendemos nosso papel na Terra, transformamo-nos para o bem, pois enxergamos o mundo de forma diferente, entendendo que somos artífices do nosso futuro e, portanto, responsáveis por nossas ações. Além do mais, saberemos porque devemos ser fraternos, respeitando e colocando-nos no lugar do outro. Daí é um “pulo” para entendermos a necessidade de amarmos o nosso próximo e, mais do que isto, ter a possibilidade de fazê-lo. No artigo em questão, a autora assume a transformação que sofreu pela experiência vivida. Renovada, enxergou o que ainda não enxergara, mas, certamente, o episódio  somou-se a uma série de vivências que lhe foram forjando o entendimento que culminou ali. Sabemos que milagres não existem. A vida vai nos propiciando chances de aprendizado, daí a justiça da reencarnação, oferecendo-nos a chancela do tempo. E, entendendo a afirmação de Jesus de que nenhuma de suas ovelhas se perderá, sabemos que quando tivermos olhos de ver, veremos. E ela, a autora, “caindo em si”, viu.

  • Nara de Campos Coelho, mineira de Juiz de Fora, formada em Direito pela Faculdade de Direito da UFJF, é expositora espírita nos Estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro, articulista em vários jornais, revistas e sites de diversas regiões do país.