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Christopher Catrambone criou sua própria fundação de resgate e desde 2014 sai com sua família pelo Mediterrâneo para salvar vidas. Catrambone não está interessado na parte política ou legal dos resgates. Para ele, o grande ponto é salvar vidas. Jorge Hessen comenta.

  • Data :24/08/2015
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24 de agosto de 2015

O milionário que resgata imigrantes no mar

Christopher Catrambone criou sua própria fundação de resgate e desde 2014 sai com sua família pelo Mediterrâneo para salvar vidas Quando Christopher Catrambone, empresário americano de 31 anos, decidiu tirar férias de seu negócio milionário para viajar em seu iate pela costa da Sicília até a Tunísia, não imaginava que seus planos para o futuro estariam prestes a mudar. Dono de uma companhia que oferece seguros em zonas de conflitos - para funcionários do exército americano, voluntários de ONGs internacionais, jornalistas e missionários - Christopher desviou totalmente o rumo de sua vida ao decidir montar sua própria equipe de busca e resgate para salvar imigrantes que se arriscam a atravessar o Mar Mediterrâneo para chegar à Europa. Durante a viagem de três semanas, que partiu da ilha de Malta - onde vive com sua mulher Regina e a filha dela, Maria Luisa - Catrambone ouviu Marco Cauchi, ex-veterano do exército de Malta e membro das operações marítimas de resgate da ilha, que pilotava o barco, contar suas histórias de resgates e afogamentos. Depois de ouvir os relatos de morte de imigrantes no mar, Catrambone tornou-se obcecado em encontrar uma solução para diminuir as estáticas de refugiados vindos da África e Ásia que acabam à deriva em águas internacionais. Em junho de 2014, Cauchi dirigiu pela primeira vez o barco de 40 metros que seria usado nas operações de resgate planejadas por Catrambone. A embarcação, chamada Phoenix, foi levada de Portsmouth, na Virgínia, até a costa de Malta, onde foi totalmente reformada. No total, foram gastos 5,2 milhões de dólares (16,6 milhões de reais) para comprar e reformar o barco. As despesas foram cobertas pela Tangiers Group, companhia de Catrambone, mas a embarcação seria operada por uma fundação criada pelo empresário, a Migrant Offshore Aid Station (Moas), ou Posto de Apoio Marítimo para Imigrantes, em português. Quando tentou arrecadar fundos para a sua fundação, Catrambone teve de lidar com o ceticismo dos doadores em relação ao seu projeto. Em outubro de 2013, a Marinha italiana havia lançado uma operação para resgatar imigrantes líbios, com custo de 9 milhões de euros (31,9 milhões de reais) por mês. Moas também não sairia nada barata, com gastos mensais de mais de 600.000 euros, ou mais de 2 milhões de reais. Além de adquirir dois botes infláveis, Catrambone também alugou dois drones e contratou uma experiente equipe de busca e resgate. Assim, em agosto de 2014, quando a crise imigratória se intensificava, o Phoenix saiu em sua primeira missão internacional, rumo à costa da Líbia. Naquele ano, 100.000 pessoas se aventuraram em barcos que deixavam a costa do país. Dessas, pelo menos 3.400 morreram. O plano era agir de acordo com as instruções do Centro Coordenador de Resgates Marinhos (MRCC, na silga em inglês), em Roma, que cobre a zona de travessia desde a Líbia, e pode ordenar qualquer embarcação a realizar os resgates. O primeiro chamado veio depois de 4 dias, em 30 de agosto. Rapidamente, a equipe da Moas se viu envolvida em dois resgates simultâneos, incluindo o de um barco de pesca que carregava 350 pessoas, muitas delas vindas da Síria, que estava afundando aos poucos. O resgate salvou muitas crianças pequenas e deixou toda a tripulação emocionada: “Essas crianças e mães estavam nas mãos do mar, nas mãos da morte”, contou Catrambone ao The Guardian. Em 10 semanas, o Phoenix resgatou 1.462 pessoas e ajudou outras 1.500 em navios da Marinha italiana. Enquanto Catrambone acompanhava as missões de resgate que deixavam a embarcação nos botes, Regina e sua filha ajudavam a cuidar dos imigrantes resgatados. Catrambone não está interessado na parte política ou legal dos resgates. Para ele, o grande ponto é salvar vidas. “Se você é contra salvar vidas no mar, então você é um fanático e não pertence a nossa comunidade. Se você permite que seu vizinho morra em seu quintal, então você é responsável por aquela morte”.

Falta de apoio - Em abril de 2015, a tripulação do Phoenix se preparou para mais uma temporada de resgates. Dessa vez, foram auxiliados pela filial holandesa da organização Médico Sem Fronteiras, que cuidaria dos imigrantes a bordo. O apoio de uma organização de renome não representou aumento nas poucas doações que recebe. Pelo contrário: depois de anunciar que se uniriam ao Phoenix, o Médicos Sem Fronteiras também perdeu alguns dos seus doadores, que aparentemente não concordam com a acolhida dos refugiados. A primeira missão de 2015 envolveu dois barcos de pesca lotados de imigrantes da Eritreia, que fogem de uma ditadura que já dura mais de 20 anos conhecida por torturas, mortes extrajudiciais e serviço militar forçado. Mesmo com problemas no momento do resgate - vazamento de ar de um dos botes e três pessoas quase morreram afogadas - a tripulação considerou a operação um sucesso. Depois de dois dias de viagem, os refugiados foram recebidos em acampamento com tendas para atendimento médico e alimentação na costa da Sicília. Catrambone afirma que acabaria com as operações da Moas no Mediterrâneo se a Europa tivesse algo melhor para oferecer, mas que, infelizmente, não parece provável que isso aconteça em breve. Ele afirma que gostaria de ter um orçamento maior, de 10 milhões de euros por anos, para fretar um barco maior que o Phoenix, capaz de fazer o trajeto das zonas de resgate até a costa siciliana em cinco ou seis horas. Atualmente, seu barco opera em águas internacionais, próximas à costa da Líbia. Catrambone, no entanto, não descarta a possibilidade de navegar por outros mares - uma tragédia semelhante à vista no Mediterrâneo também ocorre em Mianmar, com a minoria muçulmana Rohingya fugindo de perseguição. Mas, para tudo isso, precisa de mais dinheiro. O futuro não parece promissor, mas Catrambone e sua mulher se orgulham de seu trabalho. “Mesmo que um dia a gente fique pobre, eu nunca mudaria nada”, diz, confiante de que se algum dia seu negócio falir, ele e sua mulher não teriam nenhum arrependimento em ter gastado tanto dinheiro e tempo nas operações de resgate. (Da redação) Matéria publicada na Revista Veja , em 12 de julho de 2015.

Jorge Hessen* comenta Christopher Catrambone, um milionário empresário americano, dono de uma companhia que oferece seguros em zonas de conflitos, criou sua própria fundação de resgate de imigrantes. Desde 2014 sai com sua família pelo Mediterrâneo para salvar estrangeiros que se arriscam a atravessar o mar para chegar à Europa. Sem receio de investir toda fortuna e confiante de que se algum dia seu negócio falir, ele e sua mulher não teriam nenhum arrependimento em ter gastado todo dinheiro e tempo nas operações de resgate dos imigrantes.(1) A tradição da filantropia americana vem de longe. Cremos que Andrew Carnegie seja seu maior ícone e, de certo modo, definidor conceitual. Imigrante pobre, Carnegie fez fortuna na siderurgia americana, na segunda metade do século XIX. Em 1901, aos 66 anos, vendeu suas indústrias ao banqueiro J.P. Morgan e tornou-se o maior filantropo americano. Uma de suas tantas proezas, não certamente a maior, foi construir mais de 3 mil bibliotecas nos Estados Unidos. Em 1889, escreveu o artigo “The Gospel of Weath”, defendendo que os ricos deveriam viver com comedimento e tirar da cabeça a ideia de legar sua fortuna aos filhos. Melhor seria doar o dinheiro para alguma causa, ou várias delas, à sua escolha, ainda em vida.(2) Em 2009, Bill Gates lançou, junto com Warren Buffett, o mais impressionante movimento de incentivo à filantropia já visto: The Giving Pledge. A campanha tem mais de 120 signatários. Para participar, basta ser um bilionário e assinar uma carta prometendo doar, em vida, mais da metade de sua fortuna a projetos humanitários. Para boa parte dessas pessoas, doar 50% é pouco. Larry Elisson, criador da Oracle, comprometeu-se em doar 95% de sua fortuna, hoje avaliada em US$ 56 bilhões. O próprio Buffett foi além: vai doar 99%. Como bem observou o filósofo alemão Peter Sloterdijk, parece que, ao contrário do que acreditávamos no século XX, não são os pobres, mas os ricos que mudarão o mundo.(3) Sloterdijt obviamente não conhece bem o Brasil. Aqui na suposta “Pátria do Evangelho” a grandeza d’alma dos milionários em prol do altruísmo é pura miragem, ressalvando-se as infrequentes exceções. Nos Estados Unidos, o valor das doações individuais à filantropia chega a US$ 330 bilhões por ano. No Brasil, os números são imprecisos, mas estima-se que o montante não passa de US$ 6 bilhões por ano. Apenas 3% do financiamento a nossas ONGs vem de doações individuais, contra mais de 70% no caso americano. Há, segundo a tradicional lista da revista Forbes, 54 bilionários no Brasil. Nenhum aderiu, até o momento, ao movimento da Giving Pledge. Explicações não faltam para essa disparidade. Há quem goste de debitar a mesquinhez dos endinheirados brasileiros na conta de nossa “formação cultural”. Por essa tese, estaríamos atados a nossas raízes ibéricas, sempre esperando pelas esmolas do Estado, indispostos a buscar formas de cooperação entre os cidadãos para construir escolas, museus e bibliotecas, ou simplesmente para consertar os brinquedos e plantar flores na praça do bairro. É possível que haja alguma verdade nisso. O rei Dom João III, lá por volta de 1530, dividiu o país em capitanias hereditárias e as repartiu entre fidalgos e amigos da corte portuguesa. Fazer o quê? Enquanto isso, os peregrinos do Mayflower desembarcaram nas costas da Nova Inglaterra (EUA), movidos pela fé e pelo amor ao trabalho, para construir um novo país.(4) O príncipe da Arábia Saudita Alwaleed Bin Talal Al-Saud é um dos homens mais ricos do mundo. Com uma fortuna que gira em torno dos US$ 32 bilhões, ele ocupa a 20ª posição no ranking de bilionários da Bloomberg. Porém, parece que ele quer mudar esse cenário. Ele pretende doar toda sua fortuna para causas filantrópicas. Em um comunicado em seu site, Al-Saud afirma que busca construir um mundo com mais tolerância, aceitação, igualdade e oportunidade para todos. O dinheiro vai para a Alwaleed Philanthropies, que tem parceria com a Bill & Amp; Melinda Gates Foundation, Carter Center e Weill Cornell Medical College, para reforçar os cuidados de saúde e de controle de epidemias pelo mundo.(5) Há pessoas arquimilionárias que têm experimentado significativo desprendimento. Como vimos acima, Warren Buffett, quarto homem mais rico do mundo, prometeu doar 99% de sua fortuna antes de desencarnar. Buffett começou anunciando o direcionamento de 83% para a Fundação Gates. O bilionário afirmou que quer dar aos seus filhos somente o suficiente para que eles sintam que podem fazer tudo, mas não o bastante para que eles achem que não precisam trabalhar. O poderoso Bill Gates, Michael Bloomberg, Nigella Lawson e o músico inglês Sting não deixarão suas fortunas como herança para os filhos. Ambos defendem a tese que seus filhos precisam trabalhar para ganhar o próprio dinheiro.(6) Em rápida digressão, vale aqui interpolar uma oportuna reflexão. No Brasil, o paternalismo e o inócuo assistencialismo estatal não atende às necessidades dos deserdados. Tal cultura gera cada vez mais dependência de raras doações e de crescentes arrecadações. Enfraquece a sociedade, diminui as expectativas de recursos para redistribuição de recursos financeiros. A filantropia pública é uma maneira disfarçada de ditadura ideológica, coerção de liberdade, que não sobrevive ante a necessidade do trabalho de todos. Para que a filantropia sustentável seja praticada, é preciso estímulo ao trabalho, igualdade nas ações públicas e eficiência na administração de recursos arrecadados (impostos). Temos muito o que amadurecer nesse quesito nestas plagas tupiniquins. Mormente para os ricaços brasileiros, vai aqui um alerta do além. A reflexão é do Espírito Humberto de Campos: “Se você possui algum dinheiro ou detém alguma posse terrestre, não adie doações, caso esteja realmente inclinado a fazê-las. Grandes homens, que admirávamos no mundo pela habilidade e poder com que concretizavam importantes negócios, aparecem, junto de nós [no além-túmulo], em muitas ocasiões, à maneira de crianças desesperadas por não mais conseguirem manobrar os talões de cheque.”(7) Abastados, mãos à obra!

Referências: (1) Disponível em http://veja.abril.com.br/noticia/mundo/o-milionario-que-resgata-imigrantes-no-mar >, acessado em 12/08/2015; (2) Disponível em http://epoca.globo.com/ideias/noticia/2015/06/por-que-os-milionarios-brasileiros-nao-doam-suas-fortunas-universidades.html >, acessado em 18/08/2015; (3) Idem; (4) Idem; (5) Disponível em http://www.infomoney.com.br/carreira/gestao-e-lideranca/noticia/4137147/principe-saudita-decide-doar-toda-sua-fortuna-mais-bilhoes , acessado em 18/08/2015; (6) Disponível em http://veja.abril.com.br/noticia/economia/sting-entra-para-a-lista-de-ricacos-que-nao-deixarao-heranca-para-os-filhos , acessado em 02/08/2014; (7) Xavier, Francisco Cândido. Cartas e Crônicas, ditado pelo espírito Humberto de Campos, cap. 4, “Treino para morte”, Rio de Janeiro: Ed. FEB, 1967.

  • Jorge Hessen é natural do Rio de Janeiro, nascido em 18/08/1951. Servidor público federal aposentado do INMETRO. Licenciado em Estudos Sociais e Bacharel em História. Escritor (dois livros publicados), Jornalista e Articulista com vários artigos publicados.