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De ‘União legítima entre homem e mulher’ para ‘Ato solene de união entre duas pessoas’. A petição online criada por Eduardo Santarelo surtiu efeito: ele pedia a alteração da definição de ‘casamento’ no dicionário Michaelis em português. Breno Henrique de Sousa comenta.

  • Data :01/08/2015
  • Categoria :

2 de agosto de 2015

Dicionário Michaelis muda definição de casamento após pressão online

Ricardo Senra - @ricksenra Da BBC Brasil em Londres

De “União legítima entre homem e mulher” para “Ato solene de união entre duas pessoas”.

A petição online criada pelo paulista Eduardo Santarelo surtiu efeito: casado há três anos com o companheiro Maurício, ele pedia a alteração da definição de “casamento” no tradicional dicionário Michaelis em português.

Após mais de 3 mil pessoas endossarem o pedido de Maurício no site Change.org, Breno Lerner, diretor da Editora Melhoramentos, responsável pela publicação, se posicionou: “Agradecemos ao organizador e signatários por nos alertarem sobre este importante tópico”, disse Lerner. “Solicitamos a nossos dicionaristas uma nova redação do verbete.”

A mudança na versão digital do dicionário já aconteceu. “Para as versões em papel, conforme sejam feitas as reimpressões e novas edições, o verbete será corrigido”, informou o diretor da editora.

Na definição anterior, casamento aparecia como “união legítima entre homem e mulher”, e “união legal entre homem e mulher, para constituir família”.

O novo verbete não traz em nenhum momento as palavras homem ou mulher – agora a definição de casamento se refere a “pessoas”:

“Ato solene de união entre duas pessoas; casório, matrimônio. 2 Cerimônia que celebra vínculo conjugal; matrimônio. 3 União de um casal, legitimada pela autoridade eclesiástica e/ou civil; matrimônio”, informa o Michaelis.

Parceria

No texto da petição, Santarelo diz que vive “três anos de amor e parceria” e que acredita ser “inaceitável que, até hoje, eu, meu companheiro e muitos outros casais ainda não sejam representados em um dos mais respeitados e influentes dicionários da Língua Portuguesa”.

“O casamento entre pessoas do mesmo sexo tem desafios jurídicos e também simbólicos”, afirma o cientista político.

“Por isso, fiquei muito chocado ao constatar que o dicionário Michaelis ainda define a palavra ‘casamento’ como a ‘união legítima de homem e mulher’”, diz, pedindo que “o dicionário compreenda o momento histórico” e mude esta definição “em respeito aos milhões de brasileiros que, como eu, constroem seus casamentos homoafetivos.”

Ele cita a decisão recente da Suprema Corte norte-americana, que regulamentou o casamento entre pessoas do mesmo sexo em todo o país.

No Brasil, cartórios são obrigados, desde 2013, a celebrar casamentos entre dois homens ou duas mulheres e não podem se recusar a tornar uniões homoafetivas estáveis em casamentos, com os mesmos direitos de casais heterossexuais.

A equiparação entre uniões entre gays, lésbicas e casais heterossexuais tinha sido reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) dois anos antes, em 2011.

Outros dicionários

Outros dicionários populares no Brasil já definem casamento como união entre pessoas, sem indicação de gênero.

No Houaiss, casamento é o “ato ou efeito de casar(-se)”, “o ritual que confere o status de casado”.

O Aurélio diz que casamento é o “contrato de união ou vínculo entre duas pessoas que institui deveres conjugais”.

Para Pedro Prata, diretor de comunicação da Change, onde a petição foi publicada, a iniciativa de Eduardo mostra a “eficiência da mobilização”.

“Em dois dias, ele mudou um conceito que permanecia o mesmo há décadas”, afirma. “A plataforma serve para todos os tipos de causas, para as mudanças que importam para as pessoas.”

Notícia publicada na BBC Brasil , em 2 de julho de 2015.

Breno Henrique de Sousa comenta*

Ativismo

Hoje em dia as minorias estão organizadas para fazer valer os seus direitos e marcar seu espaço na sociedade. Apesar dos movimentos ativistas pelo mundo, muitas sociedades ainda não estão acostumadas com as expressões de liberdade e livre pensamento desses grupos. Infelizmente, ainda hoje, eles sofrem todos os tipos de violência e eu rezo todos os dias para que eles não reajam também com violência, nivelando-se aos seus agressores e manchando a luta pelos direitos civis, especialmente a livre expressão.

A paz será sempre o caminho que edificará qualquer sociedade e a violência não se pode combater com violência. Não devemos achar que a paz significa indiferença ou moleza diante dos desafios, a verdadeira paz é a ação no bem de maneira firme e enérgica. Nós, espíritas, já sofremos ao longo da história inúmeros atentados contra a nossa liberdade de expressão, naturalmente, nada que se compare ao holocausto, mas tivemos as nossas lutas e foi arduamente que conquistamos nosso espaço na sociedade.

Basta dizer-lhes que Kardec teve seus livros queimados na fogueira da inquisição, que o Espiritismo no Brasil já foi proibido por lei e que muitos de seus seguidores foram presos e perseguidos por praticá-lo. A igreja católica, desde o surgimento do espiritismo até meados do século passado, empenhou-se através de seus líderes e sacerdotes numa campanha difamatória contra o Espiritismo acusando-o de demoníaco, ideia que até hoje persiste nas mentalidades tacanhas e sectárias.

Nesse sentido o movimento espírita foi e é um exemplo de resistência e militância pacífica. Ao invés de estabelecer uma nova cruzada, respondemos firmemente aos nossos detratores usando a lógica e o bom senso para demonstrar a fragilidade de seus argumentos. Trabalhamos no bem e no esclarecimento do que é o Espiritismo e conquistamos a cada dia mais respeito no Brasil e pelo mundo afora.

Dessa forma não podemos ser coniventes com qualquer atitude discriminatória ou preconceituosa, nem que pode a liberdade de expressão e pensamento de qualquer segmento da sociedade. Devemos prezar pela liberdade mesmo quando não concordemos com as ideias e pensamentos do outro. Nesse caso específico, para as religiões estabelecidas, o matrimônio é um sacramento que ocorre entre pessoas do sexo oposto, porém, legalmente muitas sociedades já reconhecem a união civil de pessoas do mesmo sexo, o que amplia o conceito de matrimônio ou casamento. É apenas um ajuste do termo conforme as mudanças naturais da língua. A língua é viva e as palavras sofrem alterações e ajustes de seus significados. Aqui também o que vemos é uma conquista do ativismo que procura estabelecer marcos visíveis na sociedade que validem suas conquistas e ideologias.

  • Breno Henrique de Sousa é paraibano, professor da Universidade Federal da Paraíba nas áreas de Ciências Agrárias e Meio Ambiente. Está no movimento Espírita desde 1994, sendo articulista e expositor. Atualmente faz parte da Federação Espírita Paraibana e atua em diversas instituições na sua região.