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  • 'Uniforme dá status para a patroa no shopping', diz ex-babá

A decisão do Ministério Público de SP de investigar um clube de elite por exigir que babás vistam branco no estabelecimento gerou polêmica e abriu um debate nas redes sobre a exigência da roupa branca para as profissionais do ramo, com opiniões contra e a favor. Jorge Hessen comenta.

  • Data :19/07/2015
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19 de julho de 2015

‘Uniforme deixa claro que você é serviçal, dá status para a patroa no shopping’, diz ex-babá

A decisão do Ministério Público de SP de investigar um clube de elite por exigir que babás vistam branco no estabelecimento gerou polêmica e abriu um debate nas redes sobre a exigência da roupa branca para as profissionais do ramo. Inúmeras opiniões, contrárias e a favor, foram expressas, mas uma voz pareceu estar pouco representada: a das babás. O #SalaSocial, da BBC Brasil, quer ouvir a opinião de quem trabalha ou trabalhou como babá. A exigência do uniforme no dia a dia do trabalho é válida, como ocorre em inúmeras profissões, ou pode se transformar em instrumento de segregação? Veja algumas das opiniões que já recebemos:

  • “Levo para o médico, passeios, balé, judô etc. Eu acredito que devemos ser identificadas pois há muito casos de sequestros, roubos e tráfico de crianças”, disse uma leitora em nossa página no Facebook.
  • Para outra leitora, que também já trabalhou como babá, a exigência do clube é “jogada de marketing” para passar “ar elitizado”.
  • “Se usar uniforme é por motivo de sujeira durante o dia, não seria então o caso de mães e pais usarem uniforme também? Ou avós, tios e tias?”, questionou uma leitora que é babá na Inglaterra.
  • “Sou babá e quando vamos a esses clubes, na sua maioria, exigem uniformes. Há um tratamento diferenciado por parte dos funcionários e dos sócios. É como se não tivéssemos que estar ali. É puro preconceito. Já viajei para outros países e fui muito bem tratada. Não precisei usar uniforme e sempre me posicionei como quem está a trabalho naquele local.”
  • “Este é um assunto muito falado entre as babás. Tem patroa que libera e outras que obrigam a usar. Para mim, usar uniforme é normal. É parte da profissão, como a empresa que exige o uso de uniforme. Pessoalmente, acho que a peça de cima sempre precisa ser branca, por questão de higiene. Se suja, você percebe logo e troca, mas com uma peça escura isso fica mais complicado. Mas a parte de baixo não acho necessário. Pode ser uma calça azul ou preta. Ou, quando vai para o litoral, acho que tem que poder usar bermuda.” Destacamos abaixo o depoimento de Silvana Félix, de 41 anos, ao #SalaSocial. Se você trabalha ou já trabalhou como babá e quiser participar do nosso debate, deixe seu comentário abaixo ou em nosso fórum no Facebook. “Fui babá durante 23 anos, mas, graças a Deus, não sou mais. A babá é quase invisível, tem que saber se fazer de invisível. É diferente de uma cozinheira ou de uma faxineira com seus papéis bem definidos. Dos empregados domésticos, acho que a babá é a que mais fica íntima dos patrões. Você levanta no meio da noite e encontra o patrão de cueca. Tem horas em que esta intimidade é aceita e tem horas que não é. Não sabemos muito bem qual é o nosso papel. Fiquei cansada desta vida. Você tem que se dedicar muito, só tem folga de 15 em 15 dias. Trabalhei em cinco casas e em todas tive de usar uniforme. O trabalho de babá é complicado porque não se limita a trabalhar dentro da casa. Os patrões precisam nos levar para onde forem e precisamos estar ‘apresentáveis’. É algo cultural. A maioria dos patrões gosta de deixar claro que somos babás e não uma parente ou uma amiga. Uma vez, vi a babá do Eddie Vedder (vocalista da banda americana Pearl Jam) na praia de biquíni com a patroa. Nem sempre eu podia colocar biquíni. Tem patrão que permite e outros que não permitem, e você tem de ficar de uniforme do lado da piscina. Quando ia viajar, se o patrão dizia para levar maiô, sabia que ia poder entrar na piscina ou no mar. Se não, sabia que ia ter que ficar olhando sentada do lado de fora. Já tive que ir para a praia com o uniforme completo. Nem precisa o patrão dizer isso expressamente. Eles não falam. A babá tem que saber pegar estes detalhes. Nos clubes, tem que ir de branco, não tem jeito, porque tem muita madame e essa exigência do uniforme. Certa vez, em um clube de elite do Rio, fui proibida de entrar porque calçava chinelos. Era um domingo e eu estava com meus patrões e seus dois filhos, um de dois anos e outro de dez. Inclusive minha patroa estava de chinelo também, e o meu nem era qualquer chinelo, era bem bonitinho até. Minha patroa reclamou, falou que era um absurdo, disse que os sócios estavam de chinelo porque, no Rio de Janeiro, todo mundo, pobre ou rico, usa chinelo. Mas não teve jeito. Disseram que era a regra do clube. Tivemos que voltar para casa para eu calçar um tênis. Não me senti mal, só achei uma grande besteira. O uniforme deixa claro que você é serviçal. Serviçal é serviçal. Patrão é patrão. A roupa nos marca. É a mesma coisa no shopping. As patroas gostam de desfilar no shopping com a babá. Ela está pagando por isso e dá status. Não fica bem diante das amigas desfilar com a babá com roupa normal. Já trabalhei para patroa de 20 e poucos anos que exigia que a chamasse de dona ou senhora. Era muito estranho chamar alguém tão mais novo desta forma. Eu fiz faculdade de Relações Internacionais e, uma vez, encontrei com uma amiga de uma ex-patroa na faculdade. Quando liguei para a casa dela para combinar algo relacionado a um trabalho, a empregada me chamou de dona e eu disse que não precisava disso. No dia seguinte, esta colega me deu uma super chamada, dizendo que a empregada tinha de me chamar de dona também. Dizem que é bom usar uniforme porque deixa claro que a roupa está limpa, evidenciar o capricho da babá. Mas eu não trabalhava com bebê, mas com crianças maiores. Aí, a roupa branca é péssima porque você tem de deitar no chão, jogar bola. Isso suja muito a roupa, e você precisa trocar toda hora. Tem preconceito? Tem. Mas é no clube, no restaurante, em tudo quanto é lugar. A tendência é se sentir diminuída. Uma vez, acompanhei a família para a qual trabalhava num almoço de batizado. Os patrões disseram para eu ir para a cozinha para arrumar meu almoço e chamei outra babá para ir comigo. Quando chegamos à cozinha, fomos escorraçadas pela dona da casa, que dizia que aquela não era a hora da gente comer, que estávamos atrapalhando. Depois, ela levou um prato só para nós duas, com dois garfos. Foi humilhante demais. Disse que não queria comer, e ela me achou petulante. A outra babá começou a chorar. Minha patroa depois me pediu desculpas, mas a outra babá acabou sendo demitida. Não se trata de aceitar ou não. Por exemplo, quando não falaram o nome das babás da Angélica. A gente não tem nome. Esse mundo de babá é assim. Faz parte entender que neste mundo de ricos e babás é assim. Graças a Deus sei meu lugar. Já fui para vários hotéis e, enquanto os patrões comiam, eu comia sozinha em outro lugar. Se fosse só isso do uniforme, mas você vê muitas coisas, muitos detalhes. De pessoas que falam com a criança, mas não te dão nem oi. Já vi muitos casos de exploração. De patrões muito ricos que pagam meio salário mínimo para as meninas. Quando fui com uma família para a qual trabalhava para o Canadá, encontrei uma babá que não tinha roupas adequadas para o frio e os patrões não compraram nada para ela. Comigo aconteceu o mesmo. Os patrões disseram que iam comprar roupas de frio para mim e não fizeram isso. Mas eu reclamei e eles compraram, mesmo ficando de cara feia. Tudo isso já me incomodou, mas me acostumei. Não somos vítimas nem quero ficar fazendo coitadismo. Eu ganhava bem. Ganhei muito dinheiro como babá. Não era uma coitadinha. Nunca questionei o uniforme porque ganhava bem. E com o dinheiro comprava meus livros, fazia minhas coisas. Acho que no final, quando já não precisava tanto do dinheiro, eu passei a falar mais quando algo me incomodava. Aprendi a ter voz, porque sentar e chorar não vai resolver.”
  • Depoimento ao repórter da BBC Brasil Rafael Barifouse Notícia publicada na BBC Brasil , em 18 de junho de 2015.

Jorge Hessen comenta* O genial Albert Einstein sentenciava que “é mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito”. O consolidador do Espiritismo, Léon Denis, assegurava que “a ignorância não fica tão distante da verdade quanto o preconceito”. Dia desses um confrade confessou-me: “Não tenho preconceito nem social, nem político, nem religioso, porém por mais que eu tolere e conviva com gays, por exemplo, fico com uma “pulga atrás da orelha”. Sabe aquela “tentaçãozinha’ incômoda e sinistra ao observar alguém que não se enquadra com o que você acredita? Mas tenho consciência que o mundo foi feito para todos.” (sic) É impressionante que, em pleno século 21, nos encontremos com pessoas “sem noção” que ainda alimentam seus preconceitos nas pastagens das discriminações e racismos. Recentemente o “Jornal Nacional” lançou uma nova forma de comunicação, arriscando tanger pela informalidade. Nesse novo formato a jornalista Maria Júlia Coutinho tem se destacado. Porém, há ainda descerebrados que bancam comentários racistas, em pleno século XXI, de absoluto preconceito contra a jornalista, apenas por ela ser negra. Preconceito nada mais é do que uma ideia ou conceito formado antecipadamente e sem fundamento lógico. Caracteriza-se como um juízo preconcebido, geralmente manifestado na forma de atitude discriminatória perante pessoas, lugares, tradições, crenças; resumindo, é um julgamento prévio completamente irracional. Sob tais sentimentos golpeamos o próximo sem avaliarmos a dimensão do estrago psicológico. Discorrendo sobre o abominável preconceito, divulgou-se muito sobre a tal “uniformização de babás” no Estado de São Paulo. Preconceito é preconceito em qualquer lugar, seja em casa, na escola, na rua, no local de trabalho, etc. No ambiente de trabalho, pode causar sérios problemas entre os trabalhadores. Em face dessa discussão, indagamos, seria a exigência do uniforme branco para as babás no dia a dia do trabalho válida, como ocorre em inúmeras profissões, ou poderia se transformar em instrumento de segregação? A recente decisão do Ministério Público de abrir um inquérito contra o Clube Pinheiros para apurar a exigência de que babás usem roupa branca para entrar no local foi elogiada pela OIT (Organização Mundial do Trabalho). Segundo Amelita King Dejardin, especialista da OIT,  em trabalhadores doméstico o uniforme deixa claro que babá é serviçal, dá status para a patroa no palco social. Muitos patrões exigem desfilar com suas babás com uniformes brancos “apresentáveis”, como forma de deixar claro que as babás não são parentes ou amigas da família. Não é apenas um uniforme. Em casos assim, é um uniforme usado para identificar uma classe social diferente, usado para marcar uma identidade social. Assim, ações como essas (do Ministério Público) ajudam a trazer à tona um problema velado. Obviamente, profissionais como militares, médicos e pilotos, por exemplo, usam uniforme e até se orgulham disso. Mas é preciso levar em conta que o problema do uniforme do trabalhador doméstico seja no clube, no shopping, nos hipermercados e até nas praias, por exemplo, é preconceituoso, pois essa pessoa é vista como a de uma classe mais baixa (inferior). Isso viola, sem sombra de dúvida, os princípios constitucionais da igualdade e da dignidade da pessoa humana. A regra é discriminatória. A formação do preconceito é fundamentada em alguns componentes: crenças, valores, sentimentos e tendências comportamentais. O ponto de partida costuma ser o estereótipo, segundo a psicologia social, ou seja, uma ideia, conceito ou modelo que se estabelece como padrão. É cultivado quando uma imagem de determinadas pessoas, coisas ou situações são preconcebidas, definindo e limitando pessoas ou grupos de pessoas na sociedade. As nossas compreensões pueris, na maioria das vezes derivadas da tradição e dos costumes, teceram “ideologias” e estigmatizaram “povos”. As crenças, valores e opiniões são transmitidas sem exame e sem crítica. Alguns as internalizam irrefletidamente, acabando por influenciar o seu modo de agir e de considerar as coisas. O preconceito, ideia formada antecipadamente, não nos deixa observar as coisas como elas realmente as são. O Espiritismo ilumina o tema afirmando que a convivência fraterna é a porta de entrada para o mundo de regeneração. Sem aprendermos a construir uma relação pacífica com os “desiguais” e suas “diferenças”, será muito difícil regenerar nossos costumes e nossas atitudes. Com o princípio da reencarnação desaparecem todos os preconceitos, especialmente de sexo, de gênero, de raça e de classe social, pois o mesmo Espírito pode tornar a nascer rico ou pobre, capitalista ou proletário, chefe ou subordinado, livre ou escravo, homem ou mulher. Se, pois, a reencarnação funda numa lei da Natureza o princípio da fraternidade universal, também funda na mesma lei o da igualdade dos direitos sociais e, por conseguinte, o da liberdade de ser, de não ser, de ir e de vir. A beleza da vida está no fato de todos sermos iguais e desiguais, filhos de um mesmo PAI, e termos algo de novo para instruir. Compete-nos, pois, abrir o coração e a mente para harmonizar esse mundo novo de vivências altruístas e alteritárias.​* Jorge Hessen é natural do Rio de Janeiro, nascido em 18/08/1951. Servidor público federal aposentado do INMETRO. Licenciado em Estudos Sociais e Bacharel em História. Escritor (dois livros publicados), Jornalista e Articulista com vários artigos publicados.