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A decisão da 14ª Câmara Cível de, por unanimidade, manter a condenação contra a agente de trânsito Luciana Silva Tamburini por danos morais contra o juiz João Carlos de Souza Correa revoltou a recorrente: ‘Ainda estou chocada’, afirmou. Jorge Hessen comenta.

  • Data :09/12/2014
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9 de dezembro de 2014

Fiscal condenada por dizer que ‘juiz não é Deus’ se diz ’enojada’ após nova decisão

Adriano Barcelos Do Rio

A decisão da 14ª Câmara Cível nesta quarta-feira (12) de, por unanimidade, manter a condenação contra a agente de trânsito Luciana Silva Tamburini por danos morais contra o juiz João Carlos de Souza Correa revoltou a recorrente:

“Ainda estou chocada”, afirmou.

Ela havia sido condenada por ter dito que “juiz não é Deus” durante uma fiscalização da Operação Lei Seca, em 2011, o que teria, na visão da Justiça, configurado “abuso de poder” da parte dela.

“Sinceramente ainda não estou acreditando. Como cidadã, digo que fiquei enojada. Acabaram de rasgar a Constituição”, completou Tamburini.

Os três desembargadores que votaram no caso mantiveram o entendimento de que Tamburini praticou o abuso de poder ao fazer o comentário. Os magistrados sustentaram a condenação de R$ 5.000 contra a fiscal de trânsito, definida na primeira instância.

Segundo Tamburini, o julgamento do recurso ocorreu com rapidez incomum, praticamente sem discussão do assunto. Ela afirmou ainda que a sessão foi iniciada antes do horário marcado.

“Minha advogada [Tatiana Tamburini, irmã dela] chegou 20 minutos antes do início previsto da sessão de julgamento, mas conseguiu acompanhar só o final do julgamento”, lamentou a agente de trânsito.

A fiscal disse ainda que sua representante a orientou a aguardar a publicação do acórdão. Há o temor, inclusive, que os termos do documento a impossibilitem de recorrer ao Superior Tribunal de Justiça, como previam.

“Temos este temor, sim. Vamos esperar o acórdão sair para ver se teremos o direito”, disse.

A reportagem da Folha ligou para a advogada, mas até a tarde desta quarta-feira Tatiana Tamburini não retornou as chamadas.

A fiscal, que está licenciada das atividades no Detran do Rio, aguarda nomeação para uma vaga de escrivã da Polícia Federal no Amapá. Antes, porém, ela terá outra questão judicial relativa ao concurso para agente federal a discutir nos tribunais. Ainda que o caso em que confrontou o juiz seja de conhecimento em todo o país, ela diz não temer ser prejudicada em outros processos.

“Estou esperando outra decisão judicial referente ao concurso, mas não tenho medo. Não me arrependo (da abordagem ao juiz) e se tiver de pagar um preço para ir adiante, vou continuar lutando até o fim”, afirmou.

O CASO

A agente abordou o magistrado em 12 de fevereiro de 2011 durante uma Operação da Lei Seca no Leblon, zona sul do Rio. Na ocasião, Luciana verificou que o juiz não estava com sua carteira de habilitação e o veículo, sem placas e sem documentos. Assim, o carro do magistrado foi rebocado.

Ao se identificar como juiz, Tamburini interpretou o gesto como uma tentativa de “carteirada”, como se diz quando uma autoridade quer usar de sua influência para deixar de cumprir algo que é exigido dos demais.

Em resposta, a agente disse que ele era “juiz, mas não Deus”. O magistrado deu voz de prisão contra ela e o caso foi encaminhado para a 14ª Delegacia de Polícia, no Leblon. Tamburini se negou a ir à delegacia em veículo da Polícia Militar.

No julgamento do recurso, a pena foi mantida porque houve o entendimento de que ela abusou do poder e ofendeu o réu e “a função que ele representa para a sociedade”.

Uma “vaquinha” pela internet foi organizada para ajudá-la a pagar a indenização. As doações alcançaram R$ 27 mil. O montante que sobre do pagamento a que está obrigada pela condenação será doado, afirmou Tamburini.

O caso da agente de trânsito repercute nos meios jurídicos. O presidente da OAB-RJ, Felipe Santa Cruz, defende que o juiz peça licença e que o TJ do Rio combata a pecha de corporativista.

A OAB-RJ marcou para as 11h da quinta-feira (13) uma reunião de seu conselho para analisar a conduta do juiz Correa.

A Amaerj (Associação dos Magistrados do Estado do Rio) emitiu nota há alguns dias afirmando que juízes devem se comportar como qualquer cidadão ao serem abordados em blitze.

Notícia publicada no Jornal Folha de S.Paulo , em 11 de novembro de 2014.

Jorge Hessen comenta*

Recebi via e-mail a historinha abaixo, intitulada Ingleses e sua estranha justiça, atribuída a Cláudia Wallin, jornalista brasileira radicada na Suécia há mais de dez anos. Ouçamo-la:

“Em 2003, um deputado inglês chamado Chris Huhne foi pego por um radar dirigindo em alta velocidade. Para não perder a carteira, pois na Inglaterra é abominável uma autoridade infringir a Lei, a mulher dele, Vicky Price, assumiu a culpa. O tempo passou, o deputado tornou-se Ministro da Energia, o casamento acabou e um dia a Vicky decidiu se vingar e contou a história para a imprensa.

Como o fato ocorreu na Inglaterra, Chris Huhne foi obrigado a se demitir inicialmente do ministério e depois do Parlamento. ACABOU AQUI A HISTORIA? NÃO. Na Inglaterra é crime mentir para a Justiça e recentemente a Justiça sentenciou o casal envolvido na fraude do radar em 8 meses de cadeia para cada um. E ambos terão de pagar multa de 120 mil libras (uns 350 mil reais).

Segredo de Justiça? Nem pensar. Julgamento aberto ao público e à imprensa. Segurança nacional? Não, infrator é infrator. Privilégio porque é político? Absolutamente não! O Primeiro Ministro David Cameron, quando soube da condenação do seu ex-ministro disse: ‘É uma conspiração da mídia conservadora para denegrir a imagem do meu governo.’ Certo? Nada disso. O que disse Cameron acerca do seu ex-ministro foi o seguinte: ‘É pra todo mundo ficar sabendo que ninguém, por mais alto e poderoso que seja, está fora do braço da Lei.’

‘Esses ingleses são um bando de botocudos. Só mesmo nesses “paisinhos” capitalistas da Europa um ministro perde o cargo por mentir para um guarda de trânsito. Porque na Europa sim, a primeira Lei que um guarda de trânsito aprende é saber com quem está falando.’

Fui agente público federal durante quatro décadas, laborei na área de defesa do consumidor. Não desconheço os desafios e riscos para desempenho da função pública. Em razão disso sou instado a refletir sobre o caso da agente de trânsito do Rio de Janeiro que foi condenada por ter dito (pasme!) que “juiz não é Deus”. O episódio aconteceu durante uma fiscalização da Operação Lei Seca, em 2011. Nas argúcias dos meritíssimos (amigos do transgressor e “magistrado-deus”) está configurado “abuso de poder” da parte da agente.

Ora, na Inglaterra um ministro foi preso por transgredir a lei de trânsito e mentir para a justiça, conforme narra Wallin, e aqui no Brasil, como não é abominável uma autoridade infringir a Lei, um grupo de juízes condenou uma incorruptível agente de trânsito porque um intimidador “juiz-deus”, infrator das leis do trânsito, tentou intimidá-la porque percebeu que a agente de trânsito tinha total controle da situação e sabia sim com quem estava falando, ou seja, com um cidadão infrator sem credenciais para ficar acima da lei. Felizmente, esse episódio repercutiu nos meios jurídicos. O presidente da OAB-RJ sugeriu que o juiz peça licença e que o Tribunal de Justiça do Rio bombardeie a pecha de corporativista. A Amaerj (Associação dos Magistrados do Estado do Rio) emitiu nota afirmando que juízes devem se comportar como qualquer cidadão ao serem abordados em blitze.

É fato! Muitos servidores (juiz é servidor público também) são agressivos, pernósticos, mentirosos, resultado da arrogância profissional. No setor da justiça (tribunais), da saúde (hospitais), da segurança pública (delegacias de polícia), do magistério (escolas) e outras instituições públicas, encontramos profissionais inabilitados para exercer suas funções. São “servidores públicos” que desonram o Estado e seus pares através de manifestas atitudes de brutalidade, de incapacidade técnica, de preguiça, de maldade.

Por essas razões, não raramente, deparamos com juízes impulsivos, negando a mínima consideração aos cidadãos; porém saibamos que o autor de qualquer falcatrua e injustiça invoca o mal, que conspira contra ele mesmo. Assim sendo, a consequência inevitável só advirá realmente para quem pratica o mal. Revidar por revidar, na base de revolta e inconsequência em que se expressam, desgasta as nossas energias psíquicas. Por isso, devemos vigiar para não sermos vítimas das emoções incontroláveis. Isso não equivale a dizer que não devamos exprobrar o autoritarismo de juízes, ou seja lá de quem for, de forma enérgica, se necessário for; porém, sem perdermos o equilíbrio nem a honra.

Na condição de espíritas, devemos encarar a ignorância às leis de Deus como chaga de grande porte, e o remédio é participar das debilidades alheias com nossas orações. Na prece surgem as mais inteligentes e adequadas soluções no tratamento de uma chaga, porquanto golpear a ferida indecorosamente será o mesmo que transformar a doença curável em um carcinoma incurável. A tolerância, sem conivência, é exercício descomunal de completo domínio de qualquer situação, com ação permanente no bem.

Matutando sobre o suscetível “juiz-deus”, indagamos como manter o equilíbrio ante tantas injustiças armadas por aqueles que deveriam aplicar dignamente a justiça. Não podemos perder extensas horas na posição de impaciência ou de insurreição. Emmanuel nos ensina que “a indignação rara, quando justa e construtiva no interesse geral, é sempre um bem, quando sabemos orientá-la em serviços de elevação; contudo, a indignação diária, a propósito de tudo, de todos e de nós mesmos, é um hábito pernicioso, de consequências imprevisíveis.”(1)

A omissão também é situação anestesiante, que entorpece e destrói. Mas não podemos despender tempo valioso e longo em revoltas infrutíferas, extinguindo as nossas forças. O mentor de Chico Xavier ainda adverte: “Que gênio milagroso nos doará o equilíbrio orgânico, se não sabemos calar, nem desculpar, se não ajudamos, nem compreendemos, se não nos humilhamos para os desígnios superiores, nem procuramos harmonia com os homens? Fujamos à brutalidade, enriquecendo os nossos pontos de simpatia pessoal, pela prática do amor fraterno. Sirvamos sempre na extensão do bem, guardando lealdade ao ideal superior que nos ilumina o coração, e permaneçamos convictos de que, se cultivamos a oração da fé viva, em todos os nossos passos, em qualquer lugar, Deus nos auxiliará sempre.”(2)

Para contornar essa complexa situação, mormente diante dos maus juízes, professores, médicos, advogados etc, urge ter autoridade moral para olvidar a sombra, buscando a luz. Mas fazer isso não é dobrar joelhos ou escalar galerias de superioridade falaciosa, teatralizando os impulsos do coração; contudo, sim, persistir no trabalho renovador, criando o bem e a harmonia entre todos, pois, aqueles que não nos entendem de pronto, analisam-nos o comportamento espírita, e, mais cedo ou mais tarde, compreenderão o poder da força moral.

Referência bibliográfica:

(1) Xavier, Francisco Cândido. Fonte Viva, Ditado pelo Espírito Emmanuel, Rio de Janeiro: Ed. FEB, 2001;

(2) Idem

  • Jorge Hessen é natural do Rio de Janeiro, nascido em 18/08/1951. Servidor público federal aposentado do INMETRO. Licenciado em Estudos Sociais e Bacharel em História. Escritor (dois livros publicados), Jornalista e Articulista com vários artigos publicados.