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O consumo de carne de cachorro continua legal no país. Todos os anos, o começo do verão é celebrado com um festival gastronômico na cidade de Yulin, no norte do país, dedicado ao consumo de carne canina, apesar da pressão de ativistas. Breno Henrique de Sousa comenta.

  • Data :07/11/2014
  • Categoria :

7 de novembro de 2014

Milhares de cães viram comida em polêmico festival na China

Luiza Duarte De Hong Kong para a BBC Brasil

A chegada do verão na China reacendeu a polêmica sobre o consumo de carne de cachorro, que continua legal no país.

Todos os anos, o começo da estação é celebrado com um festival gastronômico na cidade de Yulin, no norte do país, dedicado ao consumo de carne canina.

A pressão feita por ativistas no local não impediu que cerca de 10 mil cães fossem sacrificados para o evento.

Grupos em defesa dos animais buscam o apoio de celebridades e especialistas para pressionar o governo a tomar medidas que restrinjam a prática. Manifestações foram organizadas em frente à prefeitura de Yulin e na capital Pequim.

Pressão

Ativistas acreditam que a pressão das ONGs sobre o governo e campanhas de conscientização da população vêm surtindo efeito ao longo do tempo.

Para Peter Li, representante na China da Humane Society International (HSI), ONG que luta pela proteção dos animais, o festival vem perdendo força “pela pressão vinda de vários pontos do país e do mundo”.

Segundo a HSI, o governo sugeriu que a palavra “cachorro” não fosse usada nos letreiros e cardápios de restaurantes. Peter Li acredita que este seja o primeiro passo para tirar a legitimidade da prática.

“Pelo menos dois matadouros não estavam operando. Eu visitei um duas vezes e não vi abate”, garante o ativista e professor da University of Houston-Downtown, nos Estados Unidos, que esteve no local uma semana antes do festival.

Peter também foi até a cidade de Guangdong, sul do país, onde este tipo de carne também é bastante popular.

“Os restaurantes de carne de cachorro que visitamos estavam em estado precário e eram frequentados por pessoas vindas de camadas socioeconômicas desfavorecidas”, descreve.

Carne apreciada

Os que defendem a prática alegam que pratos a base de cachorro são uma tradição de mais de 2 mil anos em certas partes da China. Na região de Yulin, comer cães, lichia e beber álcool na chegada do verão garante saúde durante todo o inverno.

Peter contesta: “o festival do Yulin não era nada além de um jantar festivo na noite do solstício. Não é uma tradição local como vendedores de carne de cachorro afirmam. O evento foi criado como uma maneira de atrair turistas e investimentos. A carne de cachorro não é um alimento regular para os chineses e nem para os habitantes dessa cidade”.

Andrew, um corretor imobiliário, de 40 anos, natural de Hong Kong, que preferiu não revelar seu sobrenome, garante que não é raro encontrar apreciadores da iguaria.

“Eu experimentei faz muito tempo. Minha família é muito tradicional e veio da China. A carne de cachorro é um prato social, popular no inverno com os hot pots, recipiente de água fervendo em que se coloca a carne e outros ingredientes. O prato fica no centro e as pessoas sentam-se em volta, em um ambiente caloroso”, descreve.

Na China, além de restaurantes especializados nesta carne aparecerem nos guias das principais cidades, não é difícil comprar o produto nas feiras locais. “O gosto da carne de cachorro é similar ao da de carneiro, é muito suculenta e, se preparada corretamente, é muito gostosa, acrescenta ele.

Fome

Em Hong Kong - ex-colônia britânica que possui um sistema jurídico diferente do da China - a carne de cachorro foi banida em 1953. Quem for pego vendendo ou consumindo a carne, além de processado, pode ir para a prisão.

Para Andrew, se o cachorro faz parte da dieta na China é também pelo histórico de fome e pela dificuldade em alimentar uma população de mais de 1,3 bilhões de pessoas.

“As pessoas são muito pobres e comem qualquer coisa viva. Um ditado chinês diz: um animal que tem o estômago voltado para o chão e a traseira voltada para o céu é comestível. Basicamente, o único animal que eu consigo pensar que não se come é o bicho-preguiça”, diz ele.

Não se sabe ao certo quantos cães são sacrificados a cada ano na China. As estimativas variam entre 10 milhões a 43 milhões (HSI) de animais abatidos anualmente no país.

Estima-se que sejam abatidos e consumidos a cada dia na China 1,7 milhão de porcos.

Segundo Fiona Woodhouse, diretora da Sociedade para a Prevenção da Crueldade contra os Animais (SPCA) em Hong Kong, a popularização do cachorro como animal de estimação na classe média chinesa tem colaborado para o aumento do número de pessoas contrárias à tradição. “Os mais jovens começam a mudar o comportamento em relação a carne de cachorro”, diz ela.

Mas mesmo com a causa ganhando mais visibilidade, é difícil dizer se o consumo está reduzindo. Fiona Woodhouse acrescenta que como a carne não vem de uma fonte regulamentada e é comercializada em mercados e restaurantes de rua, não há estatísticas precisas.

Ela acrescenta que “muitos cachorros são roubados e a cadeia de fornecimento inteira é questionável”.

Notícia publicada na BBC Brasil , em 6 de julho de 2014.

Breno Henrique de Sousa comenta*

A Carne

O consumo de carne é um tema polêmico. O Espiritismo não tem uma posição definitiva sobre o tema e apesar de muitos autores espíritas pregarem o abandono do consumo de carne, em O Livro dos Espíritos reconhece-se a necessidade atual de grande parte da humanidade em consumi-la.

Dizem os espíritos na questão 723: “Dada a vossa constituição física, a carne alimenta a carne, do contrário o homem perece. A lei de conservação lhe prescreve, como um dever, que mantenha suas forças e sua saúde, para cumprir a lei do trabalho. Ele, pois, tem que se alimentar conforme o reclame a sua organização”. Mas, reconhece-se também que conforme o espírito se depura, depura-se também seu corpo e a sua alimentação, sendo abandonado na caminhada evolutiva o consumo de carne, é o que fica subentendido na questão 710:

Nos mundos de mais apurada organização, têm os seres vivos necessidade de alimentar-se?

“Têm, mas seus alimentos estão em relação com a sua natureza. Tais alimentos não seriam bastante substanciosos para os vossos estômagos grosseiros; assim como os deles não poderiam digerir os vossos alimentos.”

Apesar do nosso horror diante da destruição de um ser vivo por outro, mesmo que assistir ao predador que devora a sua presa fira a nossa sensibilidade, os espíritos não tem uma visão romântica sobre o assunto, isso podemos observar na questão 728, quando dizem: “As criaturas são instrumentos de que Deus se serve para chegar aos fins que objetiva. Para se alimentarem, os seres vivos reciprocamente se destroem, destruição esta que obedece a um duplo fim: manutenção do equilíbrio na reprodução, que poderia tornar-se excessiva, e utilização dos despojos do invólucro exterior que sofre a destruição. Esse invólucro é simples acessório e não a parte essencial do ser pensante. A parte essencial é o princípio inteligente, que não se pode destruir e se elabora nas metamorfoses diversas por que passa”. O horror diante da destruição faz parte do nosso instinto de conservação, sabemos que a presa poderíamos ser nós mesmos e é normal que isso nos provoque repúdio, mas um olhar mais profundo nos permitirá entender que isso faz parte do equilíbrio natural das coisas.

Sentimo-nos ainda mais horrorizados quando as vítimas do predador humano são seres tão afetivamente próximos a nós como os cães. É chocante vê-los sendo mortos quando para muitos de nós eles são tratados como seres humanos. Porém, esses animais não são mais valorosos que os porcos, cabras, ovelhas, vacas e cavalos que são mortos todos os dias, e digo mais, quem conhecer qualquer um desses animais vai se dar conta que eles são tão inteligentes e capazes de manifestar afeto como qualquer cão de estimação e quem se sentir chocado pelo consumo de carne de cachorro, deve sentir-se igualmente chocado com o consumo de carne de qualquer um desses outros animais. A diferença é apenas cultural, a vaca na Índia é um animal sagrado e matar uma vaca por lá pode causar uma comoção como em nenhum outro lugar do mundo. Quem me disser que um cachorro é mais evoluído que uma cabra, uma vaca ou um cavalo, é porque nunca conviveu com esses animais como eu convivi e não sabe como eles podem ser igualmente inteligentes e afetuosos.

A vida merece respeito em qualquer forma que se manifeste, e a destruição de qualquer ser vivo deve ser limitada apenas pela nossa necessidade de sobrevivência, além disso, se a natureza dá ao ser humano o direito de se alimentar da carne, não lhe dá, porém o direito de ser cruel com os animais. Muitos desses abatedouros, de cães ou de quaisquer animais usados pelo mundo afora como alimento, são lugares tenebrosos onde torturam-se animais e onde eles são mortos com requintes de crueldade. Isso sem falar do problema sanitário, a falta de higiene, o abate de animais doentes e impróprios para o consumo, etc.

O problema na China me parece justamente esse, um mercado clandestino de carne sem controle sanitário. Provavelmente usam-se quaisquer animais, pegos na rua ou criados em condições lastimáveis. Pelo que diz a reportagem, chegam até mesmo a roubar animais de estimação para abatê-los e vender a carne. Não se sabe se essa carne pode transmitir doenças nem mesmo a quanto sofrimento esses animais são submetidos. Nessas condições esse tipo de comercio deve ser mesmo proibido, assim como o de qualquer carne animal produzida de forma inadequada, e não nos iludamos, pois não são poucos os lugares pelo Brasil afora onde se produz carne bovina em condições iguais ou bem piores daquelas relatadas sobre a China.

O bife suculento na sua mesa pode ter os mesmos riscos da carne de cachorro na China. Apesar de já termos carne certificada e rastreada, ainda persistem principalmente nas regiões mais longínquas, abatedouros precários, animais enfermos e contaminados, mau acondicionamento e refrigeração das carnes, além do uso de substâncias irregulares para alterar a aparência e o tempo de prateleira do produto.

Melhor mesmo é não esperar a evolução para começar a diminuir o consumo de carne dos nossos pratos. Essa deve ser uma decisão voluntária e consciente, em benefício de nossa saúde e em benefício dos nossos irmãos menores. A diversidade de alimentos que dispomos hoje já nos permite substituir em grande parte, senão completamente, a carne dos nossos cardápios. Já não se justifica nos dias atuais um consumo exagerado desse alimento senão pelos nossos atavismos milenares. Se você ainda não consegue deixar de comer carne, pelo menos diminua o consumo, o seu coração, rins, fígado e veias agradecem. Uma dieta rica de proteína animal pode acarretar diversos males como hipertensão arterial, cálculos renais, arteriosclerose, etc. Esses problemas podem se agravar nas pessoas que têm vida relativamente sedentária e não tem uma demanda de proteínas muita alta como no caso de atletas e trabalhadores braçais. Se você não tem atividade física regular, uma dieta carnívora pode ser ainda mais prejudicial.

Cada um sabe de suas necessidades e possibilidades, mas não nos esqueçamos que todos caminhamos para uma condição evolutiva onde não mais necessitaremos dos despojos materiais de outros seres vivos, e mesmo que essa condição ainda esteja relativamente distante, é preciso dar o primeiro passo desapegando-nos de alguns hábitos que arrastamos desde nossas passadas existências. Sem radicalismos, estejamos cientes que cada um encontra-se em diferente estágio na caminhada da vida e para aceitarmos essas colocações hoje, já transitamos antes por um longo caminho.

  • Breno Henrique de Sousa é paraibano de João Pessoa, graduado em Ciências Agrárias e mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade Federal da Paraíba. Ambientalista e militante do movimento espírita paraibano há mais de 10 anos, sendo articulista e expositor.