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Os cartazes feitos por moradores de rua são muitas vezes ignorados, mas a Homelessfonts, uma ONG de Barcelona, decidiu inovar, tirando as mensagens manuscritas das ruas e levando-as para o mundo digital. André Henrique de Siqueira comenta.

  • Data :12/09/2014
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12 de setembro de 2014

#SalaSocial: Ex-sem teto, ‘brasileiro’ vira mentor de moradores de rua na Espanha

Liana Aguiar De Barcelona para a BBC Brasil

Os cartazes feitos por moradores de rua são muitas vezes ignorados, mas uma ONG de Barcelona decidiu inovar, tirando as mensagens manuscritas das ruas e levando-as para o mundo digital.

Homelessfonts é uma iniciativa da Arrels Fundació, que digitalizou as letras de pessoas que vivem ou viveram nas ruas para torná-las fontes tipográficas, que são então vendidas pela internet.

O dinheiro arrecadado é revertido em favor de moradores de rua de Barcelona, como o hispano-brasileiro Francisco Javier Cáceres Serrano, de 63 anos.

Ele é um dos 10 autores das fontes do projeto #Homelessfonts, que pretende chamar a atenção mundial para o problema dos sem-teto.

Em uma campanha nas redes sociais, a fundação vem utilizando a hashtag #ningúdormintalcarrer (#ninguémdormindonarua).

Letra certa

“A letra é muito pessoal, muito particular, tanto que ela é usada até em investigações criminais”, observa Francisco. “Se a minha letra pode ajudar a divulgar a situação de pessoas que vivem na rua, acho que é muito positivo participar.”

A história de Francisco, que se apresenta como “um catalão brasileiro”, hoje serve de exemplo para os internautas que compram sua letra e conhecem sua história, assim como para jovens que frequentam as escolas onde ele ministra palestras sobre a vida e os riscos de “cair na rua”.

Nascido em Barcelona, Francisco chegou ao Brasil com apenas dois anos de idade. Viveu 56 anos em São Paulo, onde teve três filhos.

Artista plástico e gráfico, ele conta que ali teve uma carreira artística e exemplifica que foi um dos fundadores da Associação dos Artistas Plásticos de Colagem de São Paulo, na década de 70.

Divorciado e “com os filhos criados”, diz que decidiu vir a Barcelona motivado pela “vontade natural” de conhecer o lugar onde nasceu.

Mas o sonho de montar um ateliê na cidade natal foi frustrado logo na chegada, há cinco anos. Era a primeira vez que vinha ao país. Ele explica que a companhia aérea perdeu sua mala e em seguida foi roubado.

Sem documentos, sem dinheiro e sem a família por perto, enfrentou dificuldades e viveu nas ruas de Barcelona durante um ano e meio.

Solidariedade alheia

Francisco teve de recorrer à solidariedade de desconhecidos. “Dormia em uma loja, e o dono deixava. Até hoje ele é meu amigo”, recorda.

“Ninguém sabia que eu vivia na rua. Aqui na Arrels, só souberam quando eu abri o jogo. Nunca andei carregado de coisas”, conta.

“Também não permiti que meus filhos soubessem da minha situação, só falei quando saí da rua. Eles ficaram com muita raiva porque não contei. Mas se eu contasse, eles teriam vindo me buscar, e eu não queria voltar para o Brasil naquele momento”, explica.

Com “espírito de artista”, Francisco revela que se sentia atraído pela arte, a história, a arquitetura e a antiguidade da cidade: “Eu me sento em um parque aqui que é mais velho que o Brasil”, diz, maravilhado.

“A Europa é uma velhinha que está agonizando. A nossa América é um bebê engatinhando. O futuro está lá. Mas aqui está a história, para a gente aprender e não repetir os mesmos erros”, analisa.

“É claro que tenho saudade do Brasil”, enfatiza Francisco, ao ser indagado pela BBC Brasil. “Lógico! Todo dia penso no Brasil. A vida lá é melhor que aqui, não no âmbito econômico, mas social. O brasileiro é mais solidário, mais amigo. É claro que tenho saudade do Brasil”, enfatiza.

Aprendizado

Hoje Francisco vive em uma pensão e colabora com o departamento de comunicação da ONG. Daquela época difícil, ele afirma que aprendeu a ser mais humilde. “Comecei a me preocupar mais com os outros. Eu venho de uma família de classe média alta, nunca imaginava viver uma situação dessas. Antes passava pela rua, se havia um mendigo eu nem olhava. Hoje eu olho e tento tirá-lo da rua”, afirma.

“Foi uma experiência ruim e ao mesmo tempo positiva, porque me transformou em uma pessoa melhor. Hoje me preocupo com coisas e pessoas que nunca antes na minha vida prestei atenção”, comenta.

Agora, ele aposta que iniciativas como a do #Homelessfonts podem ajudar a dar visibilidade à situação de pessoas sem lar.

“No grupo, havia quatro artistas. As pessoas pensam que os caras que estão na rua são ignorantes, burros. Eu conheci médico, advogado e economista que viveram na rua. Eu mesmo sou formado e vivi na rua. Pode acontecer com qualquer um. É muito mais fácil cair do que levantar”, analisa Francisco.

Notícia publicada na BBC Brasil , em 30 de junho de 2014.

André Henrique de Siqueira comenta*

No capítulo 9 do Evangelho de João identificaremos uma narrativa instigante sobre a cura de um homem cego de nascença. Vejamos os termos da narrativa: “Ao passar, Jesus viu um cego de nascença. Seus discípulos lhe perguntaram: ‘Mestre, quem pecou: este homem ou seus pais, para que ele nascesse cego?’ Disse Jesus: ‘Nem ele nem seus pais pecaram, mas isto aconteceu para que a obra de Deus se manifestasse na vida dele. Enquanto é dia, precisamos realizar a obra daquele que me enviou. A noite se aproxima, quando ninguém pode trabalhar. Enquanto estou no mundo, sou a luz do mundo’. Tendo dito isso, ele cuspiu no chão, misturou terra com saliva e aplicou-a aos olhos do homem. Então lhe disse: ‘Vá lavar-se no tanque de Siloé’ (que significa Enviado). O homem foi, lavou-se e voltou vendo.” (João 9:1-7)

É muito comum que diante dos acontecimentos da vida nos preocupemos com as causas que levaram a esta ou àquela situação, e no meio religioso, fustigamos a providência divina interrogando-lhe os motivos desta ou daquela ocorrência. Via de regra estamos acostumados a ponderar com a Vida em termos de trocas e barganhas. Raciocinamos que se o nosso comportamento é bom então apenas coisas boas nos acontecerão - e as coisas boas são aquelas que nós as julgamos assim.

Portanto, é natural que a pergunta dos discípulos diante do homem cego nos inspire à lembrança das nossas próprias atitudes: “Mestre, quem pecou: este homem ou seus pais, para que ele nascesse cego?” Importante, contudo, considerar a resposta de Jesus e sua dimensão elucidativa: “Nem ele nem seus pais pecaram, mas isto aconteceu para que a obra de Deus se manifestasse na vida dele.”

É comum considerarmos como obras de Deus aquelas que nos beneficiam. Julgamos que a ação divina se dê através de manifestações miraculosas, eivadas de intervenções que não se podem explicar, mas esquecemos que Deus, causa primária de todas as coisas, manifesta-se em tudo a todo tempo e de todas as formas. Não há episódio da vida que não seja caso de sua manifestação bondosa e providencial. Mesmo quando as nossas atitudes, pelo uso do livre-arbítrio, caracterizam atentados contra o equilíbrio do próximo através da deliberada prática do mal, é graças às condições que a Providência Divina ofereceu que nós existimos e ficamos aptos para a experiência infeliz de contrariar o propósito do Bem.

O Espiritismo nos ensina que somos Espíritos imortais e que a construção de nossa maturidade espiritual se dá através de diversas experiências da vida (“O Livro dos Espíritos”, questão 166). Aprendemos com ele que as lições evangélicas não estão limitadas a este mundo (“O Evangelho Segundo o Espiritismo”, cap. 2) e que para que nos tornemos cidadãos do universo (“O Evangelho Segundo o Espiritismo”, cap. 3) precisamos de diferentes experiências de vida para compreender a amplitude do conceito “o Reino dos Céus” (“O Evangelho Segundo o Espíritsmo”, cap. 4).

Em nossa jornada evolutiva nos comportamos como alunos em diferentes experiências. Às vezes optamos por roteiros de aprendizado mais árduo, e como resultado temos lições mais profundas e significativas, como o aluno que prefere a experiência de textos mais eruditos e complexos. A vida é um conjunto de lições em diferentes graus de complexidade.

O comentário do hispano-brasileiro Francisco Javier Cáceres Serrano (http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/06/140627_salasocial_ brasileiro_semteto_bg.shtml ), quando analisando sua experiência de passar um período longo como andarilho de rua, reforça o entendimento que o Espiritismo nos oferece. Francisco nos afirma: “Foi uma experiência ruim e ao mesmo tempo positiva, porque me transformou em uma pessoa melhor. Hoje me preocupo com coisas e pessoas que nunca antes na minha vida prestei atenção.” Diante da adversidade que passou ele reconhece a lição de superação à qual foi submetido. Retirou da experiência um roteiro de melhoria pessoal e encontrou um caminho para auxiliar outras pessoas que passam por situações similares às que já vivenciou.

Refletindo sobre a situação austera, o artista brasileiro afirma: “É muito mais fácil cair do que levantar”. Cair é sempre mais fácil porque estamos alinhados com as dificuldades de queda. Nossa cegueira espiritual em relação aos propósitos superiores da vida nos fazem comportar como cegos de nascença, não reconhecemos o que seja a possibilidade de ver. Como na passagem evangélica, a vida nos convida a um entendimento mais amplo, lança o lodo em nossos olhos e nos convida a irmos ao tanque de Siloé - sozinhos e por nossos próprios esforços - para que nos lavemos e tenhamos a possibilidade de enxergar a realidade que nos cerca. Quis a Bondade Divina que o projeto de nossa felicidade fosse um projeto conjunto entre Deus e nós. Precisamos fazer a nossa parte!

  • André Henrique de Siqueira é bacharel em ciência da computação, professor e espírita.