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‘A exploração sexual infantil não está mais tão visível, ela acontece nos bastidores da sociedade, por isso há dificuldade para combatê-la’, disse Angélica Goulart, secretária nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente da Secretaria dos Direitos Humanos. Sergio Rodrigues comenta.

  • Data :31/08/2014
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31 de agosto de 2014

Sedes atraem prostitutas adolescentes

ANDRÉ UZÊDA ENVIADO ESPECIAL A QUIXADÁ (CE) DANIEL CARVALHO DO RECIFE LUCAS REIS DE MANAUS

No interior do Ceará, a adolescente Paula (nome fictício), 16, planeja-se para a Copa do Mundo. Diz que passará 15 dias em Fortaleza para fazer programas sexuais.

À Folha , na zona rural de Quixadá, ela relata as viagens periódicas e “secretas” à capital do Estado - “meus pais não sabem” - e que cada programa custa cerca de R$ 60.

No Mundial, diz, um agenciador a levará a Fortaleza e cuidará da hospedagem. Em troca, ele receberá de R$ 15 a R$ 20 por cada programa. “Acaba sendo um trato.”

Paula está a 1.823 km de Brasília, onde, na semana retrasada, ao lado de Xuxa, a presidente Dilma sancionou a lei que torna crime hediondo a exploração sexual de crianças e adolescentes.

A cearense Paula, que largou os estudos no 1º ano do ensino médio e atualmente faz bicos como babá, nunca ouviu falar dessa nova lei.

“A gente acaba não sabendo dessas coisas”, diz.

Desconhecida de Paula, a lei torna esse crime inafiançável, e quem for condenado terá que cumprir um período maior no regime fechado para poder pleitear a progressão da pena, que é de quatro a dez anos de reclusão.

A assinatura da lei ocorreu na quarta (21). Cinco dias depois, na segunda (26), a Folha encontrou adolescentes à espera de programas no bairro turístico da praia de Iracema, em Fortaleza.

Com saias de pano, shorts apertados e blusas que mostravam a barriga, pediam de R$ 80 a R$ 100 pelo programa.

Ana (também fictício, assim como os demais citados nesta reportagem) mostrou uma identidade falsa, como se tivesse 24 anos. “Nunca lembro minha idade direito.”

Ao lado de Ana, Marta se apresentou como conterrânea de Paula, de Quixadá (a 167 km de Fortaleza). “Vim para ganhar dinheiro na Copa.”

REALIDADES IGUAIS

As realidades dessas três meninas cearenses se confundem com as de Jéssica, 16, Rafael, 16, e Cristina, 17, de Pernambuco, e as de Bruna, 16, e Carla, 17, no Amazonas.

No Recife, também na semana passada, a Folha encontrou Jéssica em meio a uma forte chuva. Encolhida, tossindo e tremendo de frio, aguardava algum carro que rendesse um novo programa.

Ela era a única naquela noite na beira do manguezal em Santo Amaro, no centro.

Eram 21h30, e ela já estava no local desde o meio-dia. Não fazia ideia de quantos programas havia feito naquele dia. Nem tinha mais dinheiro, gasto todo com crack.

“Até queria parar porque essa vida é muito difícil, os homens batem na gente, dizem que vão matar a gente. Mas o vício é grande”, diz.

Frágil, doente e drogada, ela não tem muitas expectativas com a Copa do Mundo, ao contrário de Rafael, 16.

“Vou para a boate porque dá mais turista”, diz o adolescente, que começou a se prostituir aos 14 anos e faz ponto na periferia do Recife.

A proximidade da Copa também anima a travesti Cristina, 17, que se prostitui desde os 13 e, no Mundial, promete elevar o preço do programa de R$ 100 para R$ 300 a hora no Recife. “Só vou pegar as ‘maricóns’ gringas e finas. Vai ser um arraso.”

DINHEIRO FÁCIL

No outro extremo do país, em Manaus, a reportagem conversou com Bruna, 16: saia curta, blusa decotada, rosto e corpo de criança.

“Já fazia uma semana que eu e minha irmã de dois anos mal tínhamos o que comer. Uma amiga me contou onde conseguir dinheiro fácil.”

Ela também sustenta o vício de crack e óxi e cobra R$ 40 por meia hora de programa. “Meu pai falava que nem pra prostituta eu servia. Perdi a vontade de ser alguma coisa na vida”, diz a adolescente, que sonha ser veterinária.

Para a garota, a Copa é apenas uma chance de faturar um dinheiro a mais.

Numa outra esquina de Manaus, Carla, 17, conta com os estrangeiros do Mundial. “Falaram que vão chegar uns turistas com dinheiro, americano, inglês, e que a gente vai se dar bem na Copa”, afirma.

Exploração sexual infantil e crime hediondo são termos que ela desconhece. “Tenho medo é de engravidar. Sei que o que eu faço não é certo, mas o que mais posso fazer?”

OUTRO LADO

O governo federal, Estados e municípios afirmam que estão se armando para tentar evitar uma explosão do turismo sexual infantil na Copa.

A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência iniciou em 2013 um plano para agilizar ações de combate ao crime, com reforço de equipes e plantões em dias de jogo.

A maior parte das ações se concentrará no entorno das arenas e das fan fests da Fifa, segundo a secretaria. As meninas encontradas pela reportagem no Recife, em Fortaleza e em Manaus, no entanto, estavam longe dessas áreas.

“A exploração sexual infantil não está mais tão visível, ela acontece nos bastidores da sociedade, por isso há dificuldade para combatê-la”, disse Angélica Goulart, secretária nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente da Secretaria dos Direitos Humanos.

Para a ONG sueca Childhood, que trata do assunto no Brasil, o governo demorou a agir. “Em algumas cidades, a questão começou a ser trabalhada no começo do ano. Mas é um pontapé inicial importante”, disse Anna Flora Werneck, gerente da ONG.

Segundo ela, estudos mostram que eventos como a Copa, com “cenário de festa e álcool”, podem alavancar o turismo sexual infantil, e até a pausa no calendário escolar é um problema, por deixar as crianças vulneráveis.

Ela acredita que só tornar a prática um crime hediondo não resolve. “É preciso aumentar as denúncias, melhorar as formas de combate.”

Em Pernambuco, o governo informou que realiza palestras de conscientização e desenvolve um trabalho com taxistas para que denunciem a exploração sexual infantil.

A prefeitura do Recife diz que fez oficinas com taxistas e trabalhadores do setor hoteleiro, enquanto Manaus realizou uma campanha na semana passada e prevê a instalação de uma rede de proteção com vários órgãos.

O governo do Ceará e a prefeitura de Fortaleza, em parceria, dizem que têm uma política de fiscalização e que neste ano vão ampliá-la.

Notícia publicada no Jornal Folha de S.Paulo , em 1º de junho de 2014.

Sergio Rodrigues comenta*

É realmente de se lamentar o cenário retratado na reportagem em questão. Jovens que poderiam estar se dedicando ao estudo e a um trabalho que lhes propiciaria o crescimento como espíritos desperdiçam seu tempo em troca de uma pseudo-solução para os seus problemas financeiros mais imediatos. Uma solução que, além de enganosa, tem um prazo de validade curto e que em tempo não muito distante não mais poderá servir como tal. Enquanto desfrutam da adolescência, a “mercadoria” que oferecem atrai inúmeros homens que estão em busca dos gozos que a prática sexual desregrada pode propiciar. Mas essa “mercadoria”, como dissemos, tem um prazo de validade e em pouco tempo lhes faltará, à medida que o corpo, como toda matéria, sofrer o desgaste provocado pelo tempo e deixar de ser o atrativo que hoje desperta o interesse de tantos.

Mas é preciso reconhecer, antes de condená-las, que essas jovens, em sua grande maioria, são premidas pela necessidade de buscarem recursos para proverem a sua subsistência e, em muitos casos, certamente, a de suas famílias também. São jovens que, de acordo com o que aponta a matéria, vivem em regiões reconhecidamente carentes de atividade econômica que ofereçam oportunidades de trabalho digno a seus habitantes. Trata-se, portanto, de um problema mais social do que propriamente de moralidade. O instinto de sobrevivência é que as impulsiona à prática abominável da prostituição precoce, à falta de alternativa viável.

Poder-se-ia argumentar que nem todas optam por esse caminho, o que demonstraria haver outras escolhas que poderiam ser adotadas, pois, se assim não fosse, todas as adolescentes dessas regiões estariam envolvidas em tal situação. Não deixa de ser verdadeiro esse argumento. Porém, é preciso entender que aí entra o fator “evolução”, tanto no campo intelectual quanto no campo moral. Embora estejamos em níveis de progresso próximos uns aos outros, não somos iguais. Uns já se desenvolveram mais num determinado aspecto e encontram dificuldades para corrigirem certas imperfeições, enquanto outros progrediram em atributos diferentes e não mais sustentam essas imperfeições, daí a diversidade existente em nossas personalidades.

Não há outra solução para combater essa anomalia social que não o investimento por parte da sociedade como um todo na melhoria das condições de vida dessas populações. Investimento sobretudo em educação, pois somente esta eleva o grau de compreensão dos problemas e dá instrumentos aos que os sofrem para possam enfrentá-los dignamente e vencê-los. Como diz Kardec, não apenas a educação vinda dos livros, mas aquela que “consiste na arte de formar caracteres, a que incute hábitos, porquanto a educação é o conjutno dos hábitos adquiridos.” Em segundo lugar, é preciso um investimento seguro e permanente no desenvolvimento econômico dessas regiões, para que fontes de trabalho digno apareçam e tornem dispensáveis práticas como esta, objeto da reportagem.

Por fim - e talvez o mais poderoso instrumento de combate a semelhantes práticas – é fundamental um esforço de evangelização, para que essas jovens compreendam o real motivo de suas passagens pela vida terrena e a vejam com um olhar mais profundo, visando a vida futura que lhes aguarda. E a evangelização espírita, levada a efeito desde a infância, mostra a importância do corpo físico para a nossa evolução enquanto espíritos imortais, construindo a vida futura que nos aguarda. Ensina que o recebemos por empréstimo, por misericórdia de Deus, a quem devemos prestar contas, após dele nos afastarmos. Deve ser utilizado sempre com vistas à nossa destinação e não para satisfazer prazeres da carne ou para obtenção de valores materiais, ainda que nas circunstâncias apontadas.

  • Sergio Rodrigues é espírita e colaborador do Espiritismo.Net.