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Não existe um método confiável para medir quanto a presença de Cristo numa obra aumenta suas vendas, mas é certo que a menção do nome de Jesus ajuda um livro a fazer barulho. Sua aparição pode gerar sucesso de crítica ou de público, assim como suscitar escândalos. Raphael Vivacqua Carneiro comenta.

  • Data :24 Apr, 2013
  • Categoria :

28 de abril de 2013

E se Jesus viesse hoje?

Na parábola “A infância de Jesus”, J.M. Coetzee questiona a eficácia de Cristo num mundo sem fé

LUIS ANTÔNIO GIRON

Ainda não surgiu um provocador capaz de parodiar E.L. James e escrever a trilogia 50 tons de Cristo , mas Jesus já comparece como personagem de romances nas mais variadas formas, situações e finalidades. É protagonista, anti-herói, alvo de sátira ou referência distante. Não existe um método confiável para medir quanto a presença de Cristo numa obra aumenta suas vendas, mas é certo que a menção do nome de Jesus ajuda um livro a fazer barulho. Sua aparição pode gerar sucesso de crítica ou de público, assim como suscitar escândalos – algo que sempre serve como chamariz para livros medíocres.

O interesse em torno do Jesus literário se repete com o lançamento de A infância de Jesus (Companhia das Letras, 304 páginas, R$ 44, tradução de José Rubens Siqueira), o 13° romance em 39 anos de carreira do sul-africano John Maxwell Coetzee, de 73 anos. O livro descreve os primeiros anos de um garoto, David, que parece ser Jesus. No entanto, em vez do berço da Galileia, ele ressurge no mundo atual, materialista e desprovido de crenças. É o menino certo no tempo e no lugar errados. Se Jesus viesse hoje, faria alguma diferença no mundo? O tema soa ambicioso e apropriado ao detentor do Prêmio Nobel de Literatura de 2003. Não surpreende que a repercussão do romance tenha sido grande quando saiu em março, em inglês.

Em A infância de Jesus , Coetzee imita e ironiza a parábola, um tipo de texto que dá lições de moral. Como resultado, Coetzee destrói a função edificante da parábola. O crítico Benjamin Markovits, do jornal inglês The Guardian , afirma que a referência a Jesus é remota: “O que vale em Coetzee é a habilidade mágica de continuar a história”. O livro marca a volta de Coetzee à verve crítica, segundo o escritor americano Benjamin Lytal. “Ele imagina o que poderia ocorrer se uma criança semelhante a Cristo surgisse hoje num mundo descrente”, diz.

Coetzee narra as desventuras do menor abandonado David, que aos 5 anos desembarca na cidade de Novilla levado por um adulto, Simón. Ele é batizado por Simón, pois não sabe o próprio nome. A missão dos dois desvalidos é encontrar a mãe do menino. Novilla revela-se um lugar estranho. Seus habitantes parecem bons, mas nada fazem pelo próximo. Defendem a igualdade de direitos, embora os ricos mantenham os privilégios. David diz coisas sábias que os adultos não ouvem. Convida-os a uma vida nova, baseada no amor, mas ninguém o leva a sério. Novilla simboliza as inconsistências da vida contemporânea.

Coetzee aborda Jesus de modo excêntrico. Ele se pergunta: Cristo, em toda a sua inocência, bondade e santidade, faria efeito no mundo atual? A resposta é negativa. Por isso, aqueles que buscarem a “palavra sagrada” no livro podem se decepcionar. O Cristo de Coetzee é uma figura enigmática fadada ao fracasso, repleta de nuances e subentendidos – e é o que a torna mais comovente. Coetzee poderia ter intitulado seu livro 50 meios-tons de Cristo . Mas não precisa desse tipo de promoção.

Seu romance faz parte da linhagem de obras que explora a personagem histórica de Jesus e põe em questão sua divindade. Autores de talentos distintos costumam fazer sucesso e ganhar repercussão valendo-se de Cristo como tema, ainda que o resultado em número de leitores varie. Antes de Coetzee, escritores se embrenharam pela Bíblia a fim de seguir os passos de Cristo – e induzir o personagem a tropeçar. Usaram, para tanto, as poucas fontes históricas que restaram.

O americano Lew Wallace planejou escrever o romance Ben-Hur para refutar a existência de Jesus. “Queria falar da conversão de um nobre judeu e mostrar que o cristianismo foi uma religião baseada num mito”, disse. “Mas, ao concluir, estava convencido da existência de Cristo.” As dúvidas de Wallace viraram sucesso no cinema em 1925 e 1959. O grego Nikos Kazantzakis, talvez o mais devoto dos céticos, escreveu o romance A última tentação de Cristo . Ali, aproximou-se do homem Jesus e assim expôs seus dilemas morais. Esses livros fizeram sucesso e causaram polêmica em torno do estatuto humano e histórico de Cristo. Mais convicto que Wallace e Kazantzakis, o irlandês e católico C.S. Lewis valeu-se da imagem do Bom Pastor para lançar a série de sete livros juvenis As crônicas de Nárnia . O personagem central é Aslam, um leão falante que se oferece em sacrifício. C.S. Lewis revelou que Aslam simbolizava Cristo. O sucesso da alegoria chegou ao século XXI, quando Nárnia virou série no cinema.

À medida que o século XX avançou, surgiram narrativas que promovem um retrato pouco edificante de Jesus. A reação das igrejas cristãs tornou-se mais estridente – e o número de leitores explodiu. Nos anos 1990, o português José Saramago publicou O evangelho segundo Jesus Cristo. A Igreja Católica exortou os fiéis a evitarem a obra, que retrata Jesus como um homem que prega uma fantasia e morre por ela. Em 2010, a reação das comunidades religiosas foi parecida à sátira O bom Jesus e o infame Cristo , de Philip Pullman. No livro, uma falsa virgem, Maria, dá à luz dois irmãos rivais que lutam até a morte. Sucesso de vendas.

Diante da literatura recente que humaniza mas enxovalha Jesus, o romance de Coetzee parece até equilibrado em sua alegoria. Cristo ressurge como uma lição mal compreendida e enigmática. Coetzee virá ao Brasil para dar palestras em Curitiba na segunda-feira 15 e em Porto Alegre na quinta-feira 18. O tema será censura. A contar com sua atitude avessa a promoções, é improvável que fale de seu último personagem. Mas seria interessante perguntar o que ele sente ao recolocar Jesus no mapa da ficção.

Notícia publicada na Revista Época , em 12 de abril de 2013.

Raphael Vivacqua Carneiro comenta*

O bilionário mercado editorial busca constante e avidamente novos best-sellers . Nessa corrida desenfreada, um dos expedientes que vez por outra são usados para atrair a atenção dos leitores é tomar emprestado personagens sagrados e inseri-los em contextos profanos, subvertendo-lhes a tradição. Os autores que assim agem, com o único propósito de chocar o público e impulsionar as suas vendas, não merecem que lhes dediquemos especial atenção nestas linhas.

John Maxwell Coetzee, escritor laureado com o prêmio Nobel de Literatura, certamente nos proporciona bem mais do que o mero escândalo torpe e vazio, em sua obra A infância de Jesus . Ele nos traz um questionamento digno de reflexões profundas de nossa parte. Jesus, com toda sua santidade, causaria o mesmo efeito se nascesse no mundo atual, em que o materialismo utilitarista e a pouca fé predominam? Se Jesus viesse hoje, faria alguma diferença no mundo?

A liberdade criativa do autor permitiu-lhe dar um desfecho fracassado ao seu personagem fictício. O Cristo de seu romance é desprezado e incompreendido pelos homens de hoje. Sem entrarmos no mérito da qualidade literária da obra, podemos aproveitar o ensejo deste tema para refletirmos, à luz do Espiritismo, sobre a missão do Cristo na Terra e o seu impacto sobre a Humanidade de outrora e a atual.

Para os espíritas, Jesus constitui o mais perfeito guia e modelo oferecido por Deus para instruir os homens nas leis divinas e alavancar o seu progresso moral. Sem diminuir a importância de todos os missionários sábios e espiritualizados que trouxeram a luz aos homens, em todas as épocas e continentes, é inegável a relevância da passagem de Jesus na Terra e o seu impacto nos destinos da Humanidade. Sem liderar exércitos, nem governar impérios, nem ostentar riquezas, nem escrever uma só página, revolucionou a história do mundo e estabeleceu um código moral adotado por mais de dois bilhões de pessoas, um terço da população mundial.

Sendo um espírito tão grandioso e iluminado, a razão nos leva a crer que Jesus faria a diferença no mundo, em qualquer época que vivesse entre nós. Fazer a diferença é característica das missões dos grandes mensageiros divinos. Contudo, um evento de tal magnitude como foi a vinda do Cristo à Terra havia de ser cercado de cuidados e meticulosamente planejado quanto a local e época mais apropriados à sua missão. Não foi por obra do acaso que ele viveu na Galileia há 2000 anos.

Naqueles tempos, os homens eram mais rudes e as guerras entre os povos eram mais constantes, motivadas principalmente pela posse da terra e pela subjugação tributária. Jesus não escolheu nascer nos tempos áureos e prósperos de Israel, durante o reinado de Salomão, 1000 anos antes. Tampouco escolheu nascer na grande metrópole de Roma.

Somos naturalmente levados a perguntar por que a preferência de Jesus por aquela pequena província do Império Romano, para levar a efeito as suas divinas lições à Humanidade. A própria lógica nos faz reconhecer que, de todos os povos da Antiguidade, Israel era o mais crente. “Muito se pedirá de quem muito haja recebido”, e os israelitas haviam conquistado muito, do Alto, em matéria de fé, sendo justo que se lhes exigisse um grau correspondente de compreensão, em matéria de humildade e de amor. Vozes proféticas anunciavam a vinda do Messias, o salvador do mundo. Contudo, os doutores da lei, na sua vaidade exclusivista e pretensiosa, esperavam-no chegar em seu carro vitorioso, proclamando a todas as gentes a superioridade do povo escolhido.

Como era previsto nas profecias, o doce rabi foi reconhecido somente pelos humildes, pobres, doentes e desvalidos, que viam em suas curas milagrosas e em suas palavras de sabedoria, a presença do filho de Deus. Foi repudiado, perseguido, aviltado e crucificado pelos poderosos e orgulhosos. No entanto, a morte do corpo não representaria obstáculo aos planos divinos de propagação do ideal do Cristo e do espírito cristão. A breve estadia de Jesus entre os homens fora triunfante, afinal, apesar do aparente revés inicial.

E se Jesus viesse hoje? A Humanidade mudou muito nestes 2000 anos e, de forma mais acentuada, nos dois últimos séculos. A brutalidade dos homens foi amenizada, refletindo nos costumes e nas leis humanas. A escravidão foi abominada, a pena de morte foi abolida na maioria dos países, os direitos humanos universais são exigidos pelas sociedades. As ciências tiveram progresso exponencial, desvendando o gene, o átomo, o cosmos. Apesar de todo esse relativo progresso intelectual, social e econômico, os instrutores espirituais continuam afirmando que as maiores mazelas humanas continuam sendo o orgulho e o egoísmo. E isto se reflete nos valores materialistas e na falta de fé de grande parte dos homens.

Pesquisa realizada em 2011 pelo instituto Ipsos com mais de 18 mil adultos em 23 países, mostrou que cerca de metade da população mundial não acredita na existência de Deus ou na vida espiritual após a morte do corpo. Depois de todas as lições deixadas pelo Evangelho do mestre Jesus, depois do advento do Consolador prometido, pela revelação espírita que trouxe “as grandes vozes do Céu” para nos mostrar a realidade de além-túmulo, ainda assim o materialismo persiste nas mentes mais renitentes e nos corações mais impermeáveis.

Diante deste quadro, se Jesus estivesse encarnado novamente entre nós, nos dias atuais, sua missão seria igualmente árdua e penosa. Sua mensagem libertadora igualmente contrariaria poderosos interesses políticos e econômicos. Sua mensagem de reforma moral encontraria almas empedernidas nos prazeres imediatistas e nos vícios de variadas formas. Contudo, não há motivo para pessimismo. Os planos divinos são inexoráveis e o seu triunfo, uma certeza.

A passagem do Cristo pela Palestina foi o período da semeadura; os primeiros séculos do cristianismo foram o período da germinação; em seguida veio o período do crescimento desordenado da árvore do Senhor. Chegaram os tempos de transição de nossa Humanidade, tempos em que a árvore há de ser podada, preparando-se para o viço e a floração. Os galhos secos e retorcidos serão apartados, para dar lugar aos belos ramos que anseiam por brotar. O destino da Humanidade é o iminente estágio de regeneração, que constitui etapa essencial à conquista da futura bem-aventurança.

  • Raphael Vivacqua Carneiro é engenheiro e mestre em informática. É palestrante espírita e dirigente de grupo mediúnico em Vitória, Espírito Santo. É um dos fundadores do Espiritismo.net.