Carregando...

  • Início
  • Mulher com doença é ridicularizada em fórum, se defende e cativa usuários

Uma foto de Balpreet Kaur, que sofre de hirsutismo (que gera pêlos em áreas masculinas, como o rosto), foi publicada na Internet e se tornou alvo de piadas de mau gosto. Isso até a própria entrar na conversa e mudar totalmente o rumo do bate-papo. Jorge Hessen comenta.

  • Data :02 Feb, 2013
  • Categoria :

3 de fevereiro de 2013

Mulher com doença é ridicularizada em fórum, se defende e cativa usuários

Aline Jesus Para o TechTudo

Balpreet Kaur, uma mulher que sofre de hirsutismo (uma doença que gera pêlos em áreas masculinas, como o rosto), cativou os usuários da rede social Reddit depois de ser muito ironizada por algumas pessoas no mesmo fórum. Na última semana, uma foto dela foi publicada na página e se tornou alvo de diversas piadas de mau gosto. Isso até a própria entrar na conversa e mudar totalmente o rumo do bate-papo.

A fotografia de Kaur foi feita em um aeroporto e o usuário “european_douchebag” publicou-a no Reddit com a legenda “Não sei o que pensar disso”. A explicação veio rapidamente. A menina é adepta do sikhismo, uma religião antiga e com muitos adeptos do Paquistão e da Índia. Nesta cultura, o corpo é cultuado como “um bem divino” e deve ser conservado intacto, como foi “dado por Deus” à pessoa. Por isso, Balpreet não se preocupa em retirar os pelos de seu rosto.

“Para nós, a modificação do corpo é viver por ego e criar uma separação entre nós e a divindade dentro da gente. Transcendendo os padrões de beleza da sociedade, acredito que devemos focar mais nas ações do que nas aparências. Meu corpo vai virar cinza no final, então não há muito motivo para essa preocupação. Quando eu morrer, ninguém vai se lembrar do meu físico, só do meu legado”, publicou a menina no site.

Pouco depois do desabafo emocionado da usuária, diversos membros do fórum passaram a lhe dar apoio. As piadinhas se tornaram elogios. Até mesmo o próprio responsável pela publicação da foto pediu desculpas e disse que “leu mais sobre a fé Sikh e achou interessante”.

“Para mim, o rosto é não tão importante quanto o sorriso e a felicidade que estão por trás dele”, completou Balpreet Kaur. Uma lição de vida, tolerância e orgulho de suas crenças.

Via Daily Dot

Notícia publicada no Portal TechTudo , em 1º de outubro de 2012.

Jorge Hessen comenta*

Balpreet Kaur, uma estudante do segundo ano de neurociência e psicologia na Universidade de Ohio State (EUA), padece de hirsutismo (crescimento excessivo de pelos terminais na mulher, em áreas anatômicas características de distribuição masculina) e é adepta do sikhismo(1), uma religião antiga e com muitos adeptos do Paquistão e da Índia.(2)

Recentemente foi execrada e humilhada através de um site de relacionamento por ter sido fotografada, por um colega de faculdade, trajando o tradicional turbante utilizado pelos sikh(3) e com pelos faciais (bigode, cavanhaque e costeletas). Sabe-se que na cultura sikh, o corpo é cultuado como “um bem divino” e deve ser conservado intacto.

Indo contra todos os moldes de estética infligidos pelos padrões de beleza femininos, Balpreet não se preocupa em se “barbear”. Para ela, a transformação do corpo seria viver para o ego e criaria separação entre o “eu” e a divindade.(4) Kaur entende que é urgente focalizar mais nas ações do que nas aparências físicas, pois quando perecermos ninguém vai se lembrar do nosso corpo físico, mas só das obras dignas que realizamos. Para ela, as práticas do bem permanecerão e não será entronizando a formosura física que obteremos ocasião para aperfeiçoar outras virtudes interiores e facultar propostas de transformação e desenvolvimento na sociedade.

O fato nos induz a refletir sobre a intolerância e o preconceito, ou seja, PRE (antes) e CONCEPTUS (resumo, concebido - de concipere - conceber, engravidar). Assim como DISCRIMINARE (dividir, separar, gerar uma diferença) é derivada de DISCERNERE (distinguir, separar), formado por DIS (fora) e CERNERE (peneirar, separar). Enfim, são opiniões formadas com base em ajuizamento próprio, com tom depreciativo, tendencioso e discriminatório.

É de grande utilidade os espíritas refletirem sobre esse assunto e transporem suas conclusões para os ambientes que frequentam e a ideologia que cultivam como fonte de realização. O grau de preconceito demonstrado por aqueles que discriminam, perseguem e expulsam seus confrades, quando estes começam a destoar dos seus pontos de vista, demonstram a incapacidade de compreender e conviver com a diversidade e de aceitar o princípio da igualdade humana como lei universal.

É comum as pessoas demonstrarem atitude maliciosa ao saber do casamento de uma bela jovem com um idoso. Se o ancião é famoso, ou tem fortuna e poder, depressa arrazoam que o pretexto para o casório é tão somente interesse financeiro. Esquecem que pessoas jovens e idosas, como todos os seres humanos, têm lacunas afetivas; procuram a ternura e anseiam por serem queridas. É imperioso acatar as eleições alheias. Exercitar olhares compassivos que possam desvendar o lado melhor das situações e pessoas. Urge enxergar os fatos com otimismo, sem ajuizamentos errados ou precipitados. Invariavelmente, os preconceitos são matrizes de infelicidade e arruínam o júbilo de viver.

Os preconceitos, sobretudo religiosos, são estratificados em nosso psiquismo e na conduta como peças ardilosas para discriminação de grupos e princípios ideológicos. Mahatma Gandhi, figura contemporânea da Era Atômica, parecia ser em sua época, e ainda hoje, uma pessoa bizarra, saído das páginas de qualquer livro de folclore. Martim Luther King, seguindo os passos de Gandhi, desmontou a dissimulação que coloria nos EUA a fantasia da liberdade e dos direitos civis. A experiência de Allan Kardec comprova que é plausível ir mais à frente das acepções, romper preconceitos seculares e prosseguir cada vez mais no terreno da liberdade de consciência. É preciso ir além, dissolver paradigmas, atrever-se, como fizeram os demolidores de convencionalismos em todas as épocas.

Qual é a nossa opinião presente a respeito do sexo, religião, raça, velhice, nação, política e outras? Nosso juízo é do tipo “Maria-vai-com-as-outras”, ou seja, somos naturalmente influenciáveis e nos deixamos induzir pelo julgamento de outrem? O Soberano Mestre demonstrou ser inteiramente impenetrável a qualquer influência alheia quanto a seus sentimentos e sentidos de vida, revelando isso em várias ocorrências de Sua trajetória terrena. Ao acolher no coração a equivocada de Migdol, ao exaltar as virtudes do Samaritano, ao banhar os pés dos apóstolos, ao frequentar a casa de Zaqueu, não deu a menor estima aos burburinhos maledicentes das pessoas de arcabouço psicológico pueril, pois sabia peregrinar distinguindo por si mesmo.

Somos, como grupo social humano, um intricado mosaico de ideologias e crenças, na forma de cultos religiosos, partidos políticos, corporações filosóficas ou costumes de vida que avaliamos sedutores e afins com o nosso estilo de observar o mundo. Nessa confraria buscamos respostas, lenitivo espiritual, prestígio e todos os recursos plausíveis para resolver os nossos conflitos internos, nossas deficiências pessoais, e finalmente a busca da plenitude, de uma direção, da auto-realização.

O espírita, o cristão, não deve ter preconceitos, mas sim saber distinguir o que vai trazer ou não consequências danosas para si e para os outros. Em tudo o que fizermos, sejamos maduros e consequentes. Isso não quer dizer que devemos viver como importunos, reparando na forma como os outros vivem, e colocando-nos como senhores da verdade. Sejamos alegres, úteis e amigos. Mas sejamos responsáveis, colocando acima de tudo o interesse coletivo, a pureza de sentimentos, que fará de todos os nossos atos exemplos de quem encontrou o verdadeiro caminho da paz.

Referências:

(1) O número de sikhs no mundo é estimado em cerca de 23 milhões, o que faz do sikhismo a quinta maior religião mundial em número de aderentes;

(2) Uma intervenção de tropas indianas ordenada por Indira Gandhi no início dos anos 80 levou à revolta dos sikhs e ao assassinato da primeira-ministra indiana em 1984;

(3) O termo sikh significa em língua punjabi “discípulo forte e tenaz”;

(4) Os sikhs acreditam no karma, segundo o qual as ações positivas geram frutos positivos e permitem alcançar uma vida melhor e o progresso espiritual; a prática de ações negativas leva à infelicidade e ao renascer em formas consideradas inferiores, como em forma de planta ou de animal (a metempsicose é recusada pelo Espiritismo).

  • Jorge Hessen é natural do Rio de Janeiro, nascido em 18/08/1951. Servidor público federal lotado no INMETRO. Licenciado em Estudos Sociais e Bacharel em História. Escritor (dois livros publicados), Jornalista e Articulista com vários artigos publicados.