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Selva Herbón, 37 anos, afirma que sua filha Camila, de dois anos e três meses, está em um estado vegetativo permanente desde que nasceu. Durante o parto, Camila ficou um período sem receber oxigênio, o que pode ter provocado danos cerebrais. Sergio Rodrigues comenta.

  • Data :03/12/2011
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Professora argentina apela por ‘morte digna’ da filha de dois anos

Marcia Carmo

De Buenos Aires para a BBC Brasil

Uma professora argentina fez um apelo para que sua filha de 2 anos de idade, em estado vegetativo desde que nasceu, possa ter uma “morte digna”.

Selva Herbón, 37 anos, afirma que sua filha Camila, de dois anos e três meses, está em um estado vegetativo permanente desde que nasceu. Durante o parto, Camila ficou um período sem receber oxigênio, o que pode ter provocado danos cerebrais.

A professora enviou uma carta na semana passada aos deputados do país pedindo a aprovação de projeto de lei que permita “a morte digna” de Camila.

Herbón escreveu que a situação da menina é “irrecuperável e irreversível”, mas que existe um “vazio legal” na legislação atual que impede a retirada dos aparelhos que a mantém viva.

Na carta, a mãe diz ainda que especialistas de quatro lugares deram parecer favorável a “limitar o esforço terapêutico e retirar o suporte vital” da criança.

Ela diz, porém, que nenhum médico quer se arriscar a desligar os aparelhos, já que o fato, com as leis atuais, seria definido como “homicídio”.

Selva e seu marido, Carlos, são pais também de uma menina de 8 anos, saudável.

“Na minha condição de mãe, eu lhes suplico, a partir do meu caso e de muitos outros, que seja aberto o debate (no Parlamento)”, afirmou na carta.

Sem visitas

Em entrevista à BBC Brasil, a professora disse ter certeza de que a “morte digna” é o melhor para Camila.

“Na minha concepção de mãe, ela não tem vida digna. Camila não vê, não escuta, não chora, não sorri. Eu e meu marido não queremos que ela tenha uma vida mantida de modo artificial”, disse.

A professora contou que o marido e a filha já não visitam a menina, internada no hospital Centro Gallego, da capital argentina, porque não suportam ver “a criança crescer, mas sem sentir nada”.

“Conversei com um especialista da Universidade Católica Argentina (UCA) que me disse que é possível desligar, legalmente, os aparelhos desde que se comprove que ela tem morte cerebral. Vamos tentar conseguir um médico que confirme este fato”, disse.

Questionada se o desligamento dos respiradores artificiais significaria eutanásia, ela respondeu: “Eutanásia quer dizer ‘boa morte’”.

Selva afirma que recebeu, nesta quarta, um diploma por um curso virtual de bioética que estudou durante quatro meses.

“Eu quis estudar para entender melhor o que estou defendendo para minha filha”, disse.

Segundo ela, outros pais “podem preferir ter um filho nestas condições, para poder acariciá-lo todos os dias”.

“Mas não é o que entendo como vida para minha filha”, afirmou.

Especialistas

O apelo de Selva Herbón foi destaque nos jornais Clarin e La Nación, os principais da Argentina, e gerou entre especialistas manifestações pró e contra o pedido da mãe.

“Uma pessoa em estado vegetativo persistente pode permanecer assim entre oito e dez anos. Mas a maior quantidade de informação disponível hoje é em relação aos adultos. Por isso, se busca o consenso (sobre a morte digna) em cada caso”, disse o presidente da Associação Cérebro Vascular Argentina, Conrado Estol.

A coordenadora do Comitê de Bioética do Incucai (Instituto Nacional Central Único de Doações e Transplantes), Beatriz Firmenich, disse que a menina “já não deveria estar viva”.

Mas o diretor do Departamento de Bioética da Universidade Austral, Carlos Pineda, é contra o desligamento dos aparelhos. “É um ser humano que merece ser respeitado. Mas sua família não a considera um ser humano, e por isso pede que ela seja morta”, disse Pineda.

O deputado Miguel Bonasso, do partido Diálogo por Buenos Aires, disse que o debate deve ser aberto, e por isso recentemente apresentou um projeto de lei no Congresso que possibilita “a autonomia dos pacientes e o respeito à sua vontade”.

Seus assessores disseram, porém, que o texto foi pensado para adultos, e não para crianças, e por isso o debate é a melhor saída. De acordo com a imprensa local, outros oito projetos semelhantes estão no Congresso.

Para o assessor de Bioética da Secretaria de Direitos Humanos do governo federal, Juan Carlos Tealdi, o estado da menina é “irreversível” mas, na sua opinião, os médicos “têm medo de ser processados” pela Justiça.

Na Argentina, duas províncias, Neuquén e Rio Negro, sancionaram recentemente leis que legalizam a “morte digna”.

Notícia publicada na BBC Brasil , em 18 de agosto de 2011.

Sergio Rodrigues comenta*

Trata-se de um tema ainda polêmico e que gera dúvidas e discussões no meio espírita e em outros segmentos da sociedade. Em primeiro lugar, é preciso atentar para a diferença entre a eutanásia e a ortotanásia. Embora em ambas a consequência seja sempre a morte física, a eutanásia dá-se mediante uma ação que leva à perda da vida, enquanto na ortotanásia o resultado é alcançado pela não utilização de instrumentos que prolonguem artificialmente a vida, mas sem que haja qualquer ação que a abrevie. Na notícia acima, trata-se de ortotanásia, pois o que a mãe pretende é o desligamento dos aparelhos que mantêm a vida artificial e vegetativa da menina enferma.

Sustentam aqueles que se posicionam contrariamente à ortotanásia que os desígnios de Deus são insondáveis e que o momento da morte é fatal, não devendo ser apressado. Acena-se que, no capítulo V, de “O Evangelho segundo o Espiritismo”, os Espíritos responderam a Allan Kardec que as nossas provas na Terra têm de seguir o curso que Deus traçou, não podendo a vida ser abreviada em um minuto sequer. No entanto, na verdade, a prática da ortotanásia não abrevia nem mesmo em um segundo a vida do paciente. O que acontece é que se deixa de prorrogá-la artificialmente, o que aumenta o sofrimento do espírito que se encontra preso àquele corpo. Não devemos esquecer que os Espíritos também disseram que os sofrimentos voluntários de nada servem quando não concorrem para o bem de outrem. Geralmente, quando se pretende prolongar a qualquer custo a vida de alguém com o objetivo de impedir a morte ante um quadro patológico irreversível, pode-se estar impondo ao paciente sofrimentos desnecessários, que poderão não estar previstos em sua programação reencarnatória. Outra circunstância que devemos levar em consideração é que os Espíritos ensinam que, algumas vezes, na agonia, o espírito já tem deixado o corpo, nada mais havendo do que vida orgânica. Assim, pode-se estar prorrogando artificialmente a vida do corpo quando o espírito já o abandonou.

Desse modo, no nosso entendimento, a hipótese não é de antecipação da morte, que já teria ocorrido, não fosse a intervenção por meio de instrumentos artificiais. Trata-se, isso sim, de não prolongar a vida física indefinida e inutilmente, com o que se pode estar aumentando o sofrimento do espírito. A ortotanásia, pois, justifica-se em função de estados físicos irreversíveis, cujo tratamento apenas mantém a vida orgânica, provoca unicamente mais dor e sofrimento. Assim, a interrupção de alguns tratamentos comprovadamente  inócuos para a obtenção da cura e o respeito à natural evolução da enfermidade não contraria qualquer princípio cristão, uma vez que, como salientamos, não se está abreviando a vida, mas sim deixando que se cumpra o seu curso natural, sem artificialismos desnecessários.

  • Sergio Rodrigues é espírita e colaborador do Espiritismo.Net.