Carregando...

O que fazer ao descobrir que, durante procedimento de inseminação artificial, você engravidou com um embrião de outra mulher? Esse foi o drama vivido pelo casal americano Sean e Carolyn Savage, que, desde que se conheceram, sempre planejaram ter muitos filhos, agora retratado em livro nos Estados Unidos. Carlos Miguel Pereira comenta.

  • Data :07/08/2011
  • Categoria :

Erro inconcebível

O que fazer ao descobrir que, durante procedimento de inseminação artificial, você engravidou com um embrião de outra mulher? Esse foi o drama vivido pelo casal americano Sean e Carolyn Savage, agora retratado em livro. Confira

Erika Araújo

Desde que se conheceram, Sean e Carolyn Savage sempre planejaram ter muitos filhos. No primeiro aniversário de casamento, comemoraram orgulhosos os cinco meses de gravidez de seu primogênito, Drew. Mal imaginavam as dificuldades pelas quais passariam mais tarde. “Se soubesse o que estava por vir, eu teria memorizado cada momento do dia que Drew nasceu”, conta Carolyn.

A segunda gestação aconteceu dois anos mais tarde, graças a técnicas para estimular a ovulação. Durante os nove anos seguintes, tentaram um terceiro filho, que não veio de forma natural, nem com ajuda de remédios, o que fez com que recorressem à inseminação artificial . Deu certo. Mary Kate, uma linda menina de olhos claros foi o resultado. Mas, numa última tentativa, na expectativa de uma quarta gravidez, foram abatidos por um erro médico. O embrião implantado em Carolyn era de outra mulher. O enredo, digno de drama de novela, rendeu um livro.

Escrito pelos dois, * Inconceivable – A Medical Mistake, the baby We Could’t Keep, and Our Choice to Deliver the Ultimate Gift * (em tradução livre: Inconcebível – Um erro médico, o bebê que não pudemos manter, e nossa escolha de entregar o mais valioso presente) foi lançado recentemente nos Estados Unidos e ainda não tem previsão de lançamento no Brasil. “Pensar no quanto o fato iria magoar minha esposa me fez mal ao estômago”, conta Sean na passagem em que recebe do médico a notícia, por telefone.

Quando Carolyn soube do erro, achou que pudesse ser algum tipo de piada do marido, tão absurda que lhe pareceu a história. Jamais haviam pensado na possibilidade de ocorrer uma troca de embriões, afinal, confiavam no médico que os ajudou a conceber sua pequena Mary Kate. Como os partos anteriores de Carolyn foram problemáticos, a sugestão do embriologista era o aborto. Se levassem a gravidez em frente, teriam que entregar o bebê aos pais biológicos. A ideia de um aborto foi imediatamente descartada. Carolyn colocou-se no lugar da mãe da criança, “isto é um bebê, um ser humano! O filho querido de outro casal está dentro de mim. E se o meu bebê estivesse em outra pessoa?”, disse a si mesma. Decidiram também que não lutariam por sua guarda na justiça.

Em cada capítulo do livro, o casal descreve a avalanche de sentimentos que abateu os dois durante os longos anos tentando engravidar, o episódio trágico da troca de embriões e o andamento agitado da gestação. Primeiro, a angústia de manter um segredo tão sério para a família, pois não queriam causar sofrimento precocemente. Antes de contar tudo, esperaram para ter certeza sobre a viabilidade da gravidez. Foram compreendidos e receberam todo o apoio de que precisavam. Em seguida, o doloroso teste de DNA, por meio de líquido amniótico, para ter certeza sobre a paternidade do bebê. Por fim, as questões burocráticas e judiciais para serem resolvidas.

Contrataram advogados para fazer os primeiros contatos com a família biológica do bebê que Carolyn carregava e entraram com ação contra a clínica de fertilização. O casal queria detalhes sobre como ocorreu o erro, o paradeiro de seus embriões, que deveriam ter sido implantados, e como deveriam proceder para resgatá-los e transferi-los para outra clínica. Enquanto o bebê Logan crescia e se desenvolvia na barriga de Carolyn, o casal decidiu que uma mãe substituta receberia seus embriões e ajudaria a família Savage a ser numerosa. Os dois se encantaram com a doce Jennifer, que recebeu seus embriões e hoje está à espera de gêmeos do casal.

Entender as angústias de quem tenta ter filhos, mas tem dificuldades, foi fundamental para que Carolyn e Sean decidissem dar a Logan o direito de nascer. Mas não foi suficiente para amenizar a dor do casal ao entregar um bebê que amaram como se fosse deles. “Nós temos três filhos. Ou temos quatro? Uma pergunta estranha, mas é do tipo que se fazem, de vez em quando, os pais que perderam um filho”, diz a abertura do livro que conta toda a incrível jornada da família Savage.

Logan foi entregue no dia seguinte ao de seu nascimento, ainda no hospital. Shannon e Paul Morell, seus verdadeiros pais, viajaram do estado de Michigan até Ohio para buscá-lo. Carolyn passou poucas horas sozinha com a criança que carregou em seu ventre. Sean descreve com tristeza o momento da entrega, quando a família Savage se despedia de Logan e os Morell festejavam sua chegada. “Com o passar do tempo, as coisas ficaram difíceis. Nossa presença no quarto começou a parecer uma intrusão… Acariciei Logan na cabeça quando viramos para sair. Eles estariam na estrada dentro de minutos.”

O erro

Causado pela coincidência de sobrenomes parecidos, o erro médico mudou para sempre a vida de duas famílias. A explicação foi dada mais de um ano depois, como parte do processo movido contra a clínica. Todas as informações sobre os pacientes são arquivadas pelo nome da mãe num fichário. Quando o embriologista deveria ter puxado a ficha de Carolyn Savage para consultar a indicação do local onde estavam armazenados seus embriões, por engano, pegou a ficha de Shannon Savage Morell. Minutos antes da transferência de embriões, Carolyn percebeu que a data do aniversário dela estava errada. Após a transferência, ao corrigir a informação errada, um dos funcionários da clínica descobriu o engano.

Apesar de todo sofrimento, Sean e Carolyn perdoaram seu médico por meio de uma carta: “(…) Nós o perdoamos e perdoamos todos os envolvidos da clínica que buscam perdão. Não podemos perdoar o ato em si, mas temos compaixão por todos que têm que conviver com esse erro todos os dias…”

Além do livro, a experiência do casal inspirou a criação de uma comunidade online chamada www.inconceivablechoices.com (ou escolhas inconcebíveis). O grupo foi criado com o objetivo de ajudar pessoas que estão passando por situações que demandam escolhas difíceis, seja durante uma crise profissional ou problemas conjugais. Para isso, especialistas - como psicologistas, psiquiatras, líderes espirituais e professores - prestam aconselhamento sobre diversas questões. Tudo para que cada um consiga tocar a vida em frente – ainda que permeada, muitas vezes, por decisões nem sempre fáceis de se tomar.

Situação incomum

Não há relatos de casos como o de Sean e Carolyn na literatura médica brasileira. É o que diz Edson Borges, especialista em Medicina Reprodutiva e Diretor da Fertility – Centro de Fertilização Assistida. De acordo com ele, a possibilidade de acontecer um equívoco como esse é quase inexistente. Para isso, diversos cuidados são tomados. “Todos os nossos embriões são mantidos etiquetados com códigos de barras. Antes de qualquer procedimento ser iniciado, todas as informações lidas nos códigos de barras são confirmadas em entrevista feita pelo embriologista com cada paciente", diz Edson. Já sobre os aspectos legais, se o caso tivesse acontecido no Brasil, o desfecho poderia ser diferente. “Aqui, a mulher teria, obrigatoriamente, que continuar com a gravidez [porque o aborto é considerado crime], mas não seria impedida de lutar pela guarda da criança na justiça, pois é considerada mãe quem dá à luz a criança”, diz Edson.

Matéria publicada na Revista Crescer , em maio de 2011.

Carlos Miguel Pereira comenta*

A ética é um ramo da filosofia que se ocupa por fazer uma reflexão sobre como levar uma vida boa. É a reflexão íntima sobre o porquê de considerarmos válidas condutas que normalmente associamos a uma determinada moral. Se pudéssemos resumi-la numa única expressão, diríamos que ética é a arte de viver bem. Ela baseia-se na ideia de que o bem é aquilo que é benéfico para o Homem e mal o que o prejudica. Uma vida boa é uma vida vivida da forma que nos é mais benéfica.

Quer dizer que viver de uma forma ética é agir sempre de acordo com os nossos próprios interesses? Sim. É agir sempre de uma forma tal que nos proporcione a construção de uma vida melhor. Quer dizer que viver de uma forma ética é agir de uma forma egoísta? Não. Precisamos compreender que a vida transcende a dureza da matéria e para conseguirmos tornar a vida boa para nós implica tornarmos a vida boa para todos aqueles que nos rodeiam. Quem pode ser feliz sabendo-se responsável pela infelicidade de alguém? Quem pode ser feliz quando à sua volta só existe sofrimento? O psicanalista alemão Erich Fromm, na sua obra Ética e Psicanálise , refere que o princípio de que “Não faças aos outros o que não queres que te façam a ti, é um dos mais fundamentais princípios da ética. Mas seria igualmente justificado afirmar: tudo o que fizeres aos outros fá-lo-ás também a ti próprio.”

Durante a nossa vida, encontramos, frequentemente, desafios que colocam à prova aquilo em que acreditamos e os princípios orientadores que julgamos acertados. Para seguirmos o que consideramos certo, por vezes é necessário fazer escolhas dolorosas e tomar decisões conscientes que preferiríamos não ter de tomar. Se orientarmos a nossa vida através de uma postura ética, normalmente tomamos as melhores decisões. Foi isso que aconteceu a Carolyn Savage, que rejeitou a hipótese de um aborto, pois isso contrariava os princípios regedores da sua vida, lembrando-se daquilo que gostaria que fizessem com ela se as posições estivessem invertidas. Mas orientando a sua decisão pela ética, Carolyn não trouxe mais sofrimento para a sua vida? Apenas aparentemente. Muitas vezes, tomamos decisões dolorosas que dão sentido à nossa vida. É que só conseguiremos alcançar a paz interior, a felicidade, uma vida boa, o que lhe quisermos chamar, quando ousarmos satisfazer a nossa consciência fazendo o que é certo. Com a sua decisão, Carolyn teve de enfrentar a dor emocional de acolher um filho, alimentá-lo, amá-lo e fazê-lo ver a luz do mundo, para depois ter de entregá-lo nas mãos da mãe biológica. Mas a outra opção não era viável para Carolyn, porque a vida é uma dádiva sublime. A sua decisão trouxe-lhe dor no imediato, mas uma consciência de ter feito o que deveria ser feito, auxiliando ainda um casal que não conseguia ter filhos. Ela colocou em prática a mensagem de amor que Jesus nos deixou há 2000 anos e que ainda é tão esquecida neste planeta. Ninguém pode amar unicamente através de palavras ou intenções. Nós amamos quando, por vontade própria e vencendo a inércia do egoísmo e da preguiça, excedemos os nossos limites por alguém.

Carolyn tornou a sua vida melhor porque a paz de consciência é a mais sublime de todas as conquistas. A virtude não é uma opção para quem a possui. Os indivíduos virtuosos agem de determinada forma porque não sabem agir de outro jeito. As virtudes não necessitam de prêmios ou reconhecimentos, o seu valor está na própria virtude e a recompensa é unicamente possuí-la.

  • Carlos Miguel Pereira trabalha na área de informática e é morador da cidade do Porto, em Portugal. Na área espírita, é trabalhador do Centro Espírita Caridade por Amor (CECA), na cidade do Porto, e colaborador regular do Espiritismo.net.