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Flávia Costa Hahn foi absolvida pela morte de seu filho, viciado em crack. Na Páscoa de 2008, a mãe diz que pegou o revólver do marido para assustar o filho, mas acabou disparando acidentalmente um tiro que o matou. Cristiano Carvalho Assis comenta.

  • Data :10 Jan, 2011
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RS: Justiça absolve mãe que matou filho viciado em crack

O Globo

SÃO PAULO - A aposentada Flávia Costa Hahn, de 62 anos, foi absolvida pela Justiça de Porto Alegre pela morte de seu filho Tobias Lee Manfred Hahn, de 24 anos, viciado em crack. Na Páscoa de 2008, a mãe diz que pegou o revólver do marido para assustar o filho, mas acabou disparando acidentalmente um tiro que o matou.

A decisão do juiz Felipe Keunecke de Oliveira, da 2ª Vara do Júri do Foro Central de Porto Alegre, foi divulgada na quinta-feira. Segundo a sentença do juiz, a mãe agiu em legítima defesa ao atirar contra o rapaz. O caso comoveu a capital gaúcha.

  • Ficou demonstrado que o filho, em função de episódios com o crack, tinha atitudes extremamente violentas com ela e com os vizinhos. Além disso, na data do fato agiu agressivamente contra ela. A única maneira que ela tinha para se defender, em função da disparidade de forças, era, infelizmente, ter matado o filho. Inclusive, foi um tiro só, o que demonstra atitude defensiva dela - diz o juiz.

Ao jornal Zero Hora, Flávia Costa declarou ainda se sente muito abalada pelo episódio e afirmou que a dor de ter perdido o filho continuará para sempre com ela. Católica, ela diz que encontrou em Deus o apoio para suportar o vazio de ter perdido o filho único.

À época do crime, também em entrevista aos jornais Zero Hora e Diário Gaúcho, da rede RBS, a aposentada disse que não havia sido enérgica o suficiente com o filho ainda na época do colégio.

Foi no domingo de Páscoa do ano de 2008 que Flávia matou seu único filho, em sua casa de três pavimentos com piscina, na região conhecida como Sétimo Céu, no bairro Tristeza, em Porto Alegre.

Na entrevista, Flávia afirmou que foi mãe aos 34 anos e o filho era muito desejado pelo casal. O casal morava nos Estados Unidos e a casa em Porto Alegre foi feita quando ela engravidou. Logo depois do nascimento, a família foi morar na Venezuela, onde ficou por nove anos. Ela descreveu o filho na infância como “espoleta, bagunceiro, hiperativo”. Ao voltar para o Brasil, Flávia voltou a trabalhar.

  • Acho que foi ali o meu erro. Pensando que ele estaria bem no colégio, tinha uma pessoa muito boa (uma empregada) cuidando dele - disse ela.

A mãe ficava com o filho à noite e nos fins de semana e achou que isso era suficiente.

  • Pensei que isso seria suficiente, mas não foi para o Tobias. Ele saía com os amiguinhos, começou com a maconhazinha no colégio. Acho que não fui enérgica o suficiente.

Flávia afirmou que Tobias, filho único, sempre a dominou.

  • Tinha um jeitinho de pedir as coisas que eu não podia negar. Quando não estava no crack, era muito carinhoso. Era a mãezona dele. Às vezes, eu brigava com meu marido, que era mais enérgico, para defendê-lo. Foi muito mimado por mim. Acho que foi esse meu defeito.

Segundo ela, Tobias usava droga desde os 14 anos e passou da maconha para a cocaína. Mantinha o vício assaltando e roubando. Ela disse que não sabia.

  • A gente é sempre a última a saber. Então eu consegui um trabalho em Brasília e fui para lá. O meu marido ficou aqui, desesperado, não aguentou a situação.

O Tobias batia no meu marido, maltratava a pessoa que cuidava do meu marido. Então, levei ele para Brasília - contou.

Na capital federal, o filho deixou a cocaína e passou a consumir apenas maconha. Lá, Tobias fez curso de modelo, musculação e cuidava da pele. Em seguida, ela se mudou com o filho para o Rio e Tobias manteve o consumo de maconha.

  • Mas nunca me pediu dinheiro além da mesada de R$ 300. Ele ia à praia, fez curso de guia de turismo e trabalhava como modelo. Até a Xuxa chamou ele para entrevista.

O inferno, segundo ela, começou em 2006, quando retornou a Porto Alegre.

  • Ele reencontrou antigos amigos e começou a usar crack direto. Aqui é muito fácil. A zona é residencial classe A, mas se caminha 200 metros e tem uma vila com três traficantes e do outro lado tem um beco com um monte de traficantes. O crack é muito barato. Qualquer um tem R$ 5 para comprar.

A mãe contou que o filho não aceitava internações e sempre retornava ao vício. O dinheiro que ganhava no trabalho era usado na compra de drogas. Começou então a agredi-la.

  • Quando surtava, ele me batia. Me bateu várias vezes. Às vezes, ele dava tapas no meu rosto e a cabeça voava. Ficava toda machucada. No Natal passado, ele queria dinheiro, eu não tinha, e ele me tirou a soco de casa até o bar do seu Adão, que é meu amigo, aqui perto, para pedir R$ 20. Estava fechado. Ele me empurrou a soco, escadaria acima, até a casa do seu Adão. Eu caía, levantava, ele me empurrava para ir mais rápido. Não tinha ninguém. Tive de voltar em casa, pegar o cartão de crédito e ir no banco sacar dinheiro. Eu era o banco 24 horas dele.

Flávia dava dinheiro ao filho para que ele não roubasse outras pessoas ou cometesse um crime. Até peças do carro dela ele teria vendido para comprar drogas, além de casacos e sapatos da mãe.

Para evitar, trancava toda a casa e deixava acesso à cozinha e ao quarto dele.

  • Ele ameaçou colocar fogo na casa. Tinha medo dele.

A aposentada contou que a família passou a ser refém do crack, mas nunca perdeu a esperança de o filho deixar a droga. Também, acrescentou, que nunca pensou em matá-lo.

  • Nunca pensei que pudesse ter uma atitude radical com o Tobias. Só peguei aquele revólver para assustá-lo. Foi um tiro só. Um acidente. Não direcionei a arma, não apontaria para o rosto dele. Ele passou correndo por mim, estava desnorteado. Tentou me explodir com gás dentro da cozinha, foi dramático.

Flávia disse que a vida ficou vazia sem o filho.

  • A vida parece que parou. O centro das minhas atenções era meu filho. Por mais que me usava para comprar droga, eu estava sempre perto dele.

Notícia publicada no Jornal O Globo , em 11 de dezembro de 2010.

Cristiano Carvalho Assis comenta*

Quando lemos a notícia que mãe mata filho por causa do vício e justiça absolve, nossos pensamentos moralistas dizem: Que absurdo! Mas esquecemos de nos colocar no lugar dessa mãe que necessitou chegar a uma ação tão extrema. Medite um pouco neste momento e se imagine matando seu filho ou filha que tanto ama, aquele mesmo que embalou, brincou ou sorriu quando pequeno e agora está nesta situação de desespero, mais parecendo um animal que uma pessoa.

Depois que fazemos isso, nos solidarizamos com essa mãe e nos perguntamos: Por que foi necessário isso? Estava no destino desta mãe matar, ou do filho ser viciado? A culpa é dos pais, do filho ou dos traficantes?

Para respondermos estas perguntas, com base nos conhecimentos da Doutrina Espírita, precisamos entender que a causa de qualquer dependência, muitas vezes, está ligada a vivências passadas. Antes tivemos dores, decepções, frustrações, vontade de se integrar, curiosidades e reagimos equivocadamente indo em busca da dependência química para resolver estes problemas. Hoje somos pessoas com predisposições para alguns vícios. Como isso ocorre?

Fazendo essa escolha em existências passadas, destruímos nosso corpo, criando uma dependência psicológica e física, mas naturalmente haverá consequências mais profundas, pois o nosso corpo espiritual, ou períspirito, também ficará em desequilíbrio. Quando morremos ou, como nós espíritas gostamos de dizer, desencarnamos, levamos conosco toda a vontade de consumir a substância e toda mazela realizada no corpo espiritual, sofrendo as consequências do nosso ato no outro plano existencial. Mas sempre chega o momento que desejamos melhorar, reparar nossos erros, conosco e com aqueles que amamos. Por isso, Deus nos dá uma nova chance. Reencarnamos, mas o períspirito irá transmitir ao corpo as mesmas lesões que possui e continuaremos com as mesmas tendências mentais de antes.

Se procurarmos novamente as substâncias, reviveremos o vício. Por causa disso é que alguns possuem uma predisposição para a dependência com pequeno consumo, chegando a níveis críticos, como no caso da reportagem. Já outros não chegam a ficar viciados logo de começo. Os primeiros estão continuando hábitos e os segundos começando.

Com isso, vemos que não existe um determinismo cego que dita que a pessoa será dependente. Ela terá as mesmas dificuldades de antes que a levou a buscar o vício, as mesmas vontades, mas a escolha será dela de seguir o mesmo caminho. Se não escolher as drogas, conquistará a vitória moral e a reconstrução da sua vida com novos desafios e, mais tarde, provavelmente, terá que conviver com algum problema físico causado pela deterioração do períspirito, pois há necessidade deste expurgar para o corpo físico suas mazelas, conseguindo seu reequilíbrio. Por isso que muitos reclamam: Nunca fumei e tenho problema pulmonar ou nunca bebi e tenho cirrose hepática.

Nem tudo nas nossas vidas está determinado. Existem milhares de situações que ocorrem devido a forma que vivemos e pelo que atraímos. Nem sempre pessoas assassinadas tinham que morrer desta maneira, mas a forma de ser violenta ou intransigente atraiu esta situação. Provavelmente, não era necessário que Tobias morresse de maneira tão trágica, mas sua forma violenta atraiu a mesma violência que poderia ser por meio da aposentada Flávia ou por intermédio de outra pessoa. Sua mãe não agiu, reagiu. Quando reagimos, não pensamos, apenas agimos por impulso para sobreviver, em legítima defesa. Segundo os Espíritos responderam a Allan Kardec, em O Livro dos Espíritos :

747. É sempre do mesmo grau a culpabilidade em todos os casos de assassínio?

“Já o temos dito: Deus é justo, julga mais pela intenção do que pelo fato.”

748. Em caso de legítima defesa, escusa Deus o assassínio?

“Só a necessidade o pode escusar. Mas, desde que o agredido possa preservar sua vida, sem atentar contra a de seu agressor, deve fazê-lo.”

Quando queremos justificar algo, vamos sempre atrás de um culpado. Devemos aprender que em qualquer situação não existe um culpado isolado, e sim variáveis que juntas chegam ao resultado. Observamos, na reportagem, que a mãe se arrepende de deixar o filho com outras pessoas para trabalhar e mimar demais.

Atualmente, raras mulheres podem deixar de trabalhar ou trabalhar apenas um turno para ficar com seus filhos. Mas analisemos que não é quantidade de tempo que fará a diferença, mas a qualidade dele para darmos as orientações educacionais e morais necessárias, o carinho que precisam e os exemplos de como agir perante a vida. Às vezes, temos horas para ficar com eles, mas damos o que eles querem, não o que necessitam. Eles querem liberdade, libertinagem e desejos sem fim, mas não precisam de muito para criação de limites e crescimento espiritual. A tarefa de educar é uma das mais difíceis. Quando dizemos não, fazem birra, gritam ou “pedem com jeitinho” até que conseguem tudo que querem. Fazendo isso, as consequências são desastrosas, não criamos suporte psicológico neles. Quando as perdas e as frustrações ocorrem em suas vidas, não sabem o que fazer e muitos vão atrás das drogas para abafar o sofrimento.

Não aconselhamos rigidez total, falando não para tudo, nem proteção excessiva, dizendo sim e fazendo tudo por ele. Os dois casos criarão pessoas sem senso de escolha, sem saber o que fazer perante as dificuldades. A sabedoria está no equilíbrio, dando liberdade quando se houver responsabilidade. Vigiemo-nos, pois o resultado da educação dispensada aos nossos filhos terá consequências, conforme Allan Kardec, em O Evangelho Segundo o Espiritismo , no Capítulo V, mostra:

“Quantos pais são infelizes com seus filhos, porque não lhes combateram desde o princípio as más tendências! Por fraqueza, ou indiferença, deixaram que neles se desenvolvessem os gérmens do orgulho, do egoísmo e da tola vaidade, que produzem a secura do coração; depois, mais tarde, quando colhem o que semearam, admiram-se e se afligem da falta de deferência com que são tratados e da ingratidão deles.”

Acrescenta-se a isso a bagagem de progresso que trazem de outras vidas. Alguns necessitam de mais limites que outros para progredirem. Segundo a resposta dos Espíritos para Allan Kardec, na questão 209, de O Livro dos Espíritos : “Não é raro que um mau Espírito peça lhe sejam dados bons pais, na esperança de que seus conselhos o encaminhem por melhor senda e muitas vezes Deus lhe concede o que deseja.” Por isso a educação que dou para um filho não dá certo para o outro ou para o do vizinho, pois cada um está no seu grau evolutivo, necessitando de formas de educação diferentes. Quais pais se habilitam a levantar a mão para poder julgar essa mãe da reportagem? Será que você pode garantir que sua educação é suficiente para livrar seus filhos das drogas? Ou você faz o melhor que pode e reza para que ele ouça os seus conselhos?

Outra variável é justamente esta, cada um possui o livre-arbítrio de seguir o caminho que desejar. Podemos dar a melhor educação material e moral, mas se a pessoa quiser continuar com as mesmas tendências e moralidade que trouxe de outras existências a escolha é dela. Tobias podia seguir outros caminhos se desejasse, mas nunca quis, conforme sua mãe relatou. Outras pessoas que tiveram situações idênticas a dele procuraram se melhorar, lutaram e sofreram muito, mas conseguiram se libertar do vício.

Mais um aspecto para esse drama é a existência dos traficantes. Ouvimos apontamentos do tipo: Se não existissem, não ocorria isso ou só matando todos eles.

Será que resolveria? Precisamos ter a noção que, enquanto tiver a ambição de uns e o vício dos outros, esse casamento continuará ceifando nossas famílias. O papel da polícia é prendê-los, devido a esse crime hediondo. O nosso papel como pais é ir contra a ambição desmedida de nossos filhos que está chegando a níveis absurdos, onde já ouvimos em reportagens crianças respondendo que querem ser traficantes quando crescerem devido à riqueza e o poder. E ainda tentar o máximo que pudermos preparar nossos filhos para as vitórias e derrotas que a vida nos traz, ensinando que a força para enfrentar qualquer desafio está dentro de cada um de nós e não fora, nas drogas. Fazendo isso, mesmo havendo as drogas ou traficantes ao seu redor, nossos filhos terão discernimento de não se associar com eles.

Não julguemos apressadamente em busca de um culpado nesse caso, porque não conseguiremos achar. Façamos nossa parte e emitamos vibrações de paz e amor a essa mãe e ao seu filho para que recebam nosso conforto nesta hora tão difícil de suas vidas, pois são náufragos de tormentas que qualquer um de nós podemos passar.

  • Cristiano Carvalho Assis é formado em Odontologia. Nasceu em Brasília/DF e reside atualmente em São Luís/MA. Na área espírita, é trabalhador do Centro Espírita Maranhense e colaborador do Serviço de Atendimento Fraterno do Espiritismo.net.