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Inseguros, mas sempre cheios de si, eles descarregam suas tensões sobre os outros. O lamento contínuo alimenta a si mesmo, criando um círculo vicioso que pode se tornar infernal, para o lamentoso e para quem o cerca. Sergio Rodrigues comenta.

  • Data :13/11/2010
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Os lamentosos - Vivem choramingando, mas recusam qualquer ajuda

Inseguros, mas sempre cheios de si, os lamentosos descarregam suas tensões sobre os outros. O lamento contínuo alimenta a si mesmo, criando um círculo vicioso que pode se tornar infernal, para o lamentoso e para quem o cerca

por Luis Pellegrini

Nada mais fácil do que perceber as lamentações dos outros: cada vez que encontramos alguém assim e lhe damos ouvidos, eles nos aporrinham com os relatórios detalhados dos seus azares e infortúnios, arrastando-nos para o interior de uma atmosfera negativa. Os lamentosos nos pedem conselhos, mas não prestam atenção em nenhum deles. Trata-se quase sempre, para nós, de gastar saliva à toa, numa operação perda de tempo que, se podemos, procuramos evitar. Bem mais difícil, no entanto, é perceber quando nós mesmos manifestamos um comportamento lamentoso: quem se lamenta, com efeito, fala sempre apenas de si mesmo, mas não vê a si mesmo, pois se perde no emaranhado das suas histórias.

O lamentoso quase sempre não se dá conta do que faz e do quanto incomoda os outros. Por isso, atenção: se alguém levanta a lebre, dizendo que você se queixa demais e isso o incomoda, significa provavelmente que você também é um lamentoso. Melhor seria se refletisse a respeito, pois o lamento é uma das coisas que mais bloqueiam o nosso crescimento.

O lamento, fenômeno superdifundido a ponto de tornar-se um verdadeiro estilo de comunicação, é a expressão de várias problemáticas internas do indivíduo. Através do lamento, a pessoa se libera de um pouco da tensão interna que a aflige, da ansiedade da qual não conhece bem a causa ou que não consegue canalizar de um outro jeito. Assim fazendo, ela consegue permanecer num mínimo de equilíbrio psicológico, embora precário.

O lamentoso, em resumo, é um dependente: pega a trouxa dos seus conflitos e a entrega inteiramente nas mãos do outro. A solicitação inconsciente é: “Fique com isto: engula e digira isto para mim, carregue ao menos um pouco do meu fardo.”

O egocentrismo sempre está por trás das ações do lamentoso. Colocar no centro da discussão os próprios problemas é um modo de colocar a si próprio no centro das atenções e obter consideração. Em pessoas assim, a capacidade de se identificar e se interessar pelos problemas dos outros é mínima.

Como todo egocêntrico, o lamentoso tem baixa autoestima. Age como uma criança que continuamente pede à mãe confirmação afetiva; ele busca uma dose de consolação (afeto e aceitação) para sentir que seu mal-estar é legitimado, pois ele não consegue legitimá-lo sozinho.

O estranho emaranhado psicológico do lamentoso frequentemente também está ligado ao sentimento de culpa (“se digo que estou bem, ofendo quem está pior”), à superstição (“se digo que vai tudo bem, logo me cairá um tijolo na cabeça”), ao álibi (“falo, falo, falo, mas não me comprometo”). O resultado final de tudo isso é sempre um dano ao cérebro: o lamento, na verdade, recria uma ordem química cerebral passiva e reverberante; o lamentoso é incapaz de sair de si mesmo e de se transformar, colocando-se em sintonia positiva com a vida.

Conselhos

O médico e psicoterapeuta italiano Pietro Fornari sugere algumas posturas que ajudam na libertação do vício do lamento:

Procure ver como você é quando se lamenta – Pergunte a alguém de confiança se você é um lamentoso. Procure saber do que você mais se lamenta e, se se tratar de um amigo bonachão, peça-lhe que o imite quando se lamenta. Ao mesmo tempo, procure perceber se algum motivo ou razão particular ativa a sua torrente de lamentos.

Permaneça uma semana inteira sem exprimir nenhuma emoção negativa – É muito útil para se dar conta de quanto você se lamenta e de como é difícil se controlar e deixar de fazê-lo. Deixe que o sofrimento e o desconforto se concentrem dentro de você, em vez de lançá-los sobre o primeiro que cruzar seu caminho. Uma semana depois, o lamento concentrado pode tornar-se um desconforto real, que você irá desafogar através de um verdadeiro, honesto e sadio pranto liberatório (e não o choramingo inútil de sempre). É possível então que algum processo seja automaticamente desencadeado em sua mente, trazendo-lhe uma percepção diversa de você mesmo, mais determinada e menos passiva.

O lamento é, com frequência, um álibi para não enfrentarmos a realidade de modo direto. Quem procura passar de si mesmo uma imagem vencedora deve enfrentar os inimigos, mas quem se mostra fraco e machucado pode pedir piedade. Diga sempre que está bem (mesmo que isso não lhe pareça verdadeiro) e observe o que acontece.

Principais objetos das lamentações

• Doenças e sintomas físicos, às vezes reais, mas quase sempre imaginários • O parceiro • O dinheiro • Os filhos • O genro, a nora • Os pais e os irmãos • O trabalho (os colegas e o chefe) • A casa e os vizinhos

O que você consegue com os lamentos

• Passa a ser considerado um chato e pé-no-saco • Aonde vai, cria uma atmosfera negativa • Não se afirma na vida nem na profissão • Perde as amizades e afasta as pessoas queridas • Só encontra, nos outros, uma piedade totalmente falsa

Matéria publicada na Revista Planeta , em março de 2010.

Sergio Rodrigues comenta*

O artigo traça um perfil bastante próximo da realidade, acerca da figura do lamentoso. O autor foi muito feliz nas observações a respeito. Realmente, o que a experiência com pessoas com esta característica nos ensina é que o lamentoso age exatamente como descrito pelo articulista. Ele não quer uma solução para seu problema. Ao contrário, ele prefere cultivá-lo, para poder continuar “curtindo” o problema ao seu modo, pois é disso que se alimenta. Superado um problema, imediatamente ele identificará outro, que será a matéria prima de suas lamentações futuras. E assim procedendo, o lamentoso cristaliza-se numa eventual dificuldade e vai como que se enredando num emaranhado psicológico do qual não conseguirá sair. Na verdade, ele não quer mesmo sair, mas, tão somente, arranjar um ouvido onde possa despejar suas lamentações. Como bem destaca o articulista, é um processo de transferência para o outro de suas agruras, sejam elas reais ou, como muitas vezes acontece, fruto de seu imaginário pessimista.

Outra característica sempre presente na figura do lamentoso e mencionada no artigo em questão é o seu egocentrismo. Todo lamentoso age como se fosse o centro do Universo, como se tudo girasse em torno de si. Sua vida - ou, mais precisamente, suas lamentações - é o que interessa. O seu problema é sempre o mais grave, o mais difícil e ele uma vítima injustiçada pelo mundo. Tudo o mais não tem importância e não merece atenção. É uma necessidade do lamentoso chamar para si todas as atenções, ser o centro das atenções de todos os que o cercam.

É preciso cuidado, no entanto, para que não adotemos procedimento oposto, isto é, que o discriminemos e o deixemos entregues à própria sorte. O lamentoso é, em verdade, um enfermo psicológico, que carece da nossa solidariedade e compreensão. Mas é preciso dosar a atenção que lhe dedicamos, para que não nos tornemos alimentadores dessa patologia.

Devemos procurar compreendê-lo e avaliar suas lamentações conforme cada caso, separando o que é de fato importante. Cabe-nos buscar motivá-lo para a vida, dando-lhe ânimo para o enfrentamento de suas dificuldades, ainda que elas sejam mais fruto de seu imaginário.

  • Sergio Rodrigues é espírita e colaborador do Espiritismo.Net.