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Quais são as características moleculares que fazem com que o cérebro de uma pessoa seja mais suscetível à ansiedade ou à depressão e menos propenso a responder ao tratamento com medicamentos? Carlos Miguel Pereira comenta.

  • Data :24/10/2010
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Pesquisa tenta desvendar porque os antidepressivos não funcionam

Agência Fapesp

Depressão no cérebro

Quais são as características moleculares que fazem com que o cérebro de uma pessoa seja mais suscetível à ansiedade ou à depressão e menos propenso a responder ao tratamento com medicamentos?

Um novo estudo, publicado pela revista Neuron , tenta responder à questão e abrir novos caminhos para o desenvolvimento de estratégias mais eficientes para o tratamento da depressão, um dos principais problemas de saúde pública em todo o mundo.

Embora mecanismos cerebrais associados com a depressão e com a ansiedade não sejam totalmente conhecidos, pesquisas recentes têm indicado o papel de uma combinação de eventos estressantes com fatores biológicos que predispõem aos distúrbios depressivos.

Por que os antidepressivos não funcionam?

Os medicamentos antidepressivos mais populares, com os inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS), têm como princípio de funcionamento a elevação dos níveis do neurotransmissor serotonina no cérebro.

“Infelizmente, mais da metade de todos os pacientes com depressão não responde ao primeiro tratamento medicamentoso. Por conta disso, é fundamental tentar esclarecer a natureza exata tanto dos fatores de predisposição da depressão como dos mecanismos por trás da resistência ao tratamento”, disse René Hen, da Universidade Columbia, nos Estados Unidos, principal autor da nova pesquisa.

Estudos anteriores em humanos indicaram que a regulação de receptores de serotonina pode estar relacionada com a depressão e com a resposta ao uso de antidepressivos.

Os receptores 5-HT1A são encontrados em neurônios de serotonina, nos quais inibem a liberação da molécula neurotransmissora, e em áreas específicas que recebem a inervação serotonérgica, os heterorreceptores.

Modificação dos autorreceptores

Segundo os autores do estudo, os autorreceptores são críticos para estabelecer o “tom serotonérgico” no cérebro. Uma alteração genética que pode regular os níveis dos receptores 5-HT1A foi relacionada à suscetibilidade à depressão e à diminuição na resposta a tratamentos medicamentosos.

Hen e seus colegas desenvolveram um novo sistema por meio do qual se pode manipular especificamente autorreceptores sem alterar os heterorreceptores.

Em testes, camundongos com níveis mais altos de autorreceptores exibiram uma resposta psicológica abrupta ao estresse agudo, tiveram mais problemas de comportamento e não apresentaram resposta comportamental ao tratamento com antidepressivos.

Quando os níveis do autorreceptor 5-HT1A foram reduzidos antes da terapia antidepressiva, os animais passaram a responder ao tratamento.

Notícia publicada no Diário da Saúde , em 26 de janeiro de 2010.

Carlos Miguel Pereira comenta*

Interessante pergunta e excelente oportunidade de reflexão: Porque os antidepressivos não funcionam?

Atualmente, a medicina encara a depressão como um desequilíbrio bioquímico do cérebro, provocado por um nível muito baixo de alguns neurotransmissores, como a seratonina, dopamina, entre outros. Os neurotransmissores têm uma enorme importância na forma como o nosso cérebro processa e distribui as mais diferentes informações. Havendo um déficit de neurotransmissores, a informação fica como que corrompida podendo originar sensações desagradáveis com efeitos perturbadores na vida diária do indivíduo. O objetivo dos medicamentos antidepressivos passa por incrementar o número de neurotransmissores em áreas do sistema nervoso responsáveis pela regulação do estado do humor.

Através desta breve explicação, percebemos que, segundo a visão médica, as dores morais que atormentam os doentes depressivos têm como origem um desequilíbrio biológico que os antidepressivos deveriam corrigir. Será que a tristeza profunda, o angustiante sentimento de vazio, a aflitiva sensação de que nada na vida vale mais a pena, que os doentes depressivos descrevem de uma forma tão dolorosa, são sobejos de uma anomalia bioquímica? Serão os sentimentos assim tão insignificantes? Esta postura médica reduz o ser humano a uma máquina hirta e desengonçada, em que as mais íntimas emoções e pensamentos jazem transformados em subprodutos das mais diversas reações químicas cerebrais.

Esta ideia, tão deprimente e que contraria a razão, não seria alvo de refutação se as evidências a comprovassem de uma forma inequívoca, mas isso está muito distante de ser uma realidade. Numa época em que os anti-depressivos batem todos os recordes de vendas e fazem disparar os lucros das empresas farmacêuticas, as estatísticas das síndromes depressivas continuam a aumentar de uma forma assustadora. Colocando de outra forma: numa época em que possuímos fármacos capazes de corrigir as anomalias bioquímicas do nosso cérebro, não conseguimos estancar a propagação de uma epidemia que atinge proporções dramáticas, afetando não apenas adultos, mas cada vez mais crianças e adolescentes. O que falta então?

Em vez de se conformar com a superficialidade de um mundo extraordinário, falta à ciência coragem para percorrer o complexo labirinto de Dédalo, onde poderá descobrir o Minotauro que oculta a raiz dos problemas depressivos. O ponto crucial para resolver esta difícil equação está na inversão do paradigma, compreendendo que o déficit de neurotransmissores não é a causa da depressão, mas sim um efeito de uma causa muito mais profunda, que se esconde atrofiada no denso materialismo que varre o nosso mundo. O ritmo da nossa vida é estonteante. Vivemos em permanente contra-relógio, empurrados por uma multidão que julga saber o caminho certo, receando não conseguir acompanhar a velocidade de uma sociedade possessiva, que compete como selvagens por dinheiro, status e poder, ávida de tudo o que ainda não possui, sem tempo para questionar os seus comportamentos, sem capacidade de reflexão sobre a própria existência e esquecida de estimular a sua espiritualidade. Provavelmente, seremos conhecidos pela História como os Homens que viviam para consumir. Hoje, tudo precisa ser fácil e simplificado, os desejos são satisfeitos através de um clique no mouse, as dores e frustrações são eliminadas através de um pequeno comprimido, ficamos passivamente sentados no sofá esperando que chegue a hora da diversão.

Vivemos como autômatos, mas a nossa consciência não se deixa converter passivamente num subproduto de um qualquer monismo materialista. Cada ser humano é um Espírito imortal, viajante incansável do tempo, detentor de uma bagagem existencial acumulada em múltiplas vivências, dono de um conjunto de capacidades íntimas e imperfeições ainda não sublimadas, que em cada ensejo de regressar à vida física usufrui de uma inestimável oportunidade para aprender novas virtudes, retificar os seus equívocos e adquirir uma mais ampla compreensão sobre a vida e o mundo, desenvolvendo, através da sua inteligência e criatividade, os seus inúmeros talentos para criar. Mas atrofiado por um estilo de vida corrosivo que potencia o fracasso e a frustração, esmagado por alguma dor opressiva, subjugado pelas sensações efêmeras da matéria ou incapacitado para cumprir os desígnios de amor, liberdade e alegria que o trouxeram à vida física, o Espírito soçobra infestado por uma tristeza compulsiva que o paralisa. Carente de uma razão para a sua vida, escravo da ausência de um sentido para as suas lutas e dores, nada mais parece valer a pena. Para quê viver?

Em qualquer doença, é muito mais agradável o doente encarar o seu estado como uma disfunção orgânica da qual não possui responsabilidades diretas, do que aceitar que está intimamente comprometido com a perturbação de que padece. Ou seja, é muito mais cômodo pensar que uns quaisquer comprimidos vão resolver um problema do qual julga ser uma vítima inocente, do que iniciar um árduo trabalho de estudo, compreensão e transformação das causas interiores que o levaram a um determinado estado depressivo.

A depressão é um sinal de alarme expondo o que está mal na nossa vida, indicando o que se faz urgente aprender ou corrigir. Não se pretende estigmatizar os anti-depressivos. Eles possuem um papel importante no processo terapêutico da depressão, oferecendo ao doente a possibilidade de recuperar temporariamente o alento, a racionalidade e a sua capacidade de reação. Mas desenganem-se: Eles não proporcionarão a cura. A cura só poderá ser alcançada se ousarmos escutar a verdade que exala na forma de duras emoções e conseguirmos modificar o que está errado, tanto na nossa vida interior como exterior. Havendo uma insistência em negar os apelos de mudança que a vida clama, teimando em resolver unicamente através de comprimidos as dores de uma crise existencial, estaremos a procrastinar a resolução dos conflitos interiores, recalcitrando continuamente contra os aguilhões da nossa vida.

  • Carlos Miguel Pereira trabalha na área de informática e é morador da cidade do Porto, em Portugal. Na área espírita, é trabalhador do Centro Espírita Caridade por Amor (CECA), na cidade do Porto, e colaborador regular do Espiritismo.net.