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Os advogados de Cadu deverão adotar a seguinte versão como uma das linhas da defesa do estudante: a de que ele teve agravado seu quadro de esquizofrenia após ter tido contato com a Igreja Céu de Maria e o Daime. Jorge Hessen comenta.

  • Data :27 Mar, 2010
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‘Cabeça’ de Cadu piorou após conhecer Daime, diz família de suspeito de crime

Linha da defesa será de que estudante virou problemático ao ir à igreja. Membros da Céu de Maria haviam dito que chá tem caráter religioso.

Kleber Tomaz Do G1, em São Paulo

Parentes de Carlos Eduardo Sundfeld Nunes, o Cadu, de 24 anos, suspeito de ter matado a tiros Glauco Villas Boas, de 53 anos, e o filho dele, Raoni, de 25 anos, afirmam que o estudante universitário piorou seu estado de saúde mental após frequentar a Igreja Céu de Maria, fundada pelo cartunista em Osasco, na Grande São Paulo, que é adepta do Santo Daime. Os advogados de Cadu deverão adotar essa versão acima como uma das linhas da defesa do estudante: a de que ele teve agravado seu quadro de esquizofrenia após ter tido contato com a igreja e o Daime.

De acordo com o que familiares do suspeito disseram ao G1 nesta terça-feira (16), sob a condição de anonimato, Cadu fazia tratamento psicológico, psiquiátrico e antidrogas, mas teve esses problemas agravados após conhecer a Céu de Maria e consumir o Santo Daime, que era ministrado nos cultos.

Ainda segundo eles, a ‘cabeça’ de Cadu não estava boa e os integrantes da igreja deveriam ter proibido o estudante de ingerir o Daime. A bebida é uma droga alucinógena feita a partir do chá de Ayahuasca. Segundo testemunhas do crime, ocorrido no dia 12, Cadu estava armado e aparentava estar drogado quando atirou em Glauco e em Raoni. O suspeito foi preso em Foz do Iguaçu, no Paraná, onde, segundo a Polícia Federal, confessou os assassinatos. A motivação ainda é desconhecida.

Os advogados do estudante conversaram com os mesmos parentes que falaram com a reportagem. Agora, os defensores do jovem estão compilando e organizando fotos, cartas e documentos de Cadu durante o período em que ele estava no Daime.

Outras duas linhas de defesa também estão sendo analisadas por seus advogados.

“A defesa vai verificar a condição mental dele [Cadu], e entre as causas a serem verificadas de um eventual comprometimento dele estão: o histórico familiar, uso de drogas e de ele ter frequentado o Santo Daime”, afirmou o advogado Gustavo Badaró, na manhã desta terça, ao G1 . Ele falou com a reportagem momentos antes de embarcar para Foz do Iguaçu, onde irá se encontrar com seu cliente.

Para Badaró, é preciso saber se os antecedentes familiares, o uso de drogas ou do Daime podem ter agravado ou gerado um estado psicótico ou de problemas psicológicos.

“Em termos bem gerais é isso aí. A defesa tem o interesse em verificar o estado psíquico do Cadu, até porque há um histórico de problemas psiquiátricos na família, mais especificamente com a mãe dele. E, de um tempo para cá, esses momentos em que ele apresentava sinais de anormalidade passaram a ser mais frequentes, segundo os parentes. De dois anos para cá, ele começou a frequentar o Daime. E isso coincide com o tempo em que o estado dele piorou."

Apesar de Cadu ter confessado o crime diante das câmeras de televisão no Paraná, o advogado dele sustenta que não pode afirmar ainda que seu cliente é culpado pelo crime ou o autor dos disparos. “Não sei se ele atirou. A defesa vai nesta terça conversar com ele, saber sua versão. Quero ouvir a versão dele antes”, afirmou Badaró, que também deve pedir um exame de sanidade mental de Cadu.

No velório de Glauco, membros da igreja afirmavam que o uso do Daime nos cultos não deveria ser encarado simplesmente como uma droga, mas sim como um elemento religioso importante na Céu de Maria. E que ele não traria problemas à saúde se fosse administrado corretamente.

Prisão

Preso em Foz do Iguaçu, Cadu está desde a madrugada de segunda (15) na carceragem da sede da PF. Após a prisão, ele estava muito agitado, mas, segundo policiais, o jovem se acalmou e passou a noite de segunda mais tranquilo.

O interrogatório desta terça, com a presença do delegado paulista, irá se concentrar na morte do cartunista e de seu filho. O suspeito já prestou esclarecimentos à PF nesta segunda. Com duas páginas, o depoimento concentra-se mais no que ocorreu após as mortes em Osasco. Apesar disso, ele confessa o assassinato de Glauco e Raoni, segundo a PF. “Ele confessou que foi responsável pelas mortes e somente isso. Não entramos muito na seara do que aconteceu em São Paulo”, afirmou o delegado-chefe da PF em Foz do Iguaçu, José Alberto Iegas.

Fuga

Carlos Eduardo está preso desde o fim da noite de domingo (14), quando tentou cruzar a fronteira entre o Brasil e o Paraguai. Na fuga em um carro que foi roubado na Vila Sônia, em São Paulo, ele resistiu à abordagem da Polícia Rodoviária Federal. Uma hora depois, atirou em um policial federal que tentou pará-lo na Ponte da Amizade.

Caso a polícia paulista resolva pedir a remoção do preso para Osasco, o pedido deve ser apresentado pelo delegado ao juiz do Fórum de Osasco, que, por sua vez, remeterá o pedido ao juiz federal da 2ª Vara Criminal de Foz do Iguaçu, que pode autorizar ou não a remoção.

Segundo o delegado Iegas, Cadu vai responder na Justiça Federal pelos crimes de tentativa de homicídio, receptação de veículo roubado e porte ilegal de arma. O estudante já tinha contra si um mandado de prisão temporária de 30 dias decretado pela Justiça paulista pela morte de Glauco e Raoni. Até a noite de segunda-feira (15), a Justiça Federal do Paraná não havia recebido o pedido de remoção do suspeito.

(Colaborou Paulo Toledo Piza, do G1, em São Paulo)

Notícia publicada no Portal G1 , em 18 de março de 2010.

Jorge Hessen comenta*

Parentes e o advogado de Carlos Eduardo Sundfeld Nunes, suspeito de ter matado o cartunista Glauco e o filho Raoni, afirmam que o homicida fazia tratamento psicológico, psiquiátrico e antidrogas, e que seu quadro de esquizogrenia teria agravado após ter tido contato com a igreja do santo Daime. Há dois anos, Carlos Eduardo começou a frequentar a seita. E isso coincide com o tempo em que seu estado de saúde piorou. Alguns afirmaram que não se deveria permitir que o jovem ingerisse a bebida enteógena. Para alguns estudiosos, ingerir bebida enteógena(1) sacramental, conhecida como chá de Ayahuasca (santo Daime), pode agravar ou gerar um estado psicótico ou problemas psicológicos.

O chá de Ayahuasca é consumido por comunidades indígenas da Amazônia há, pelo menos, 300 anos e não chega a ser um alucinógeno, porém, provoca um estado alterado de consciência e, por isso, não é combatido nem condenado pelas autoridades.  Seguidores dessas seitas afirmam que o uso do Daime nos cultos não deve ser encarado como uma droga, mas, sim, como um elemento “religioso” importante. Sabemos que muitas substâncias “inofensivas”, além de serem tóxicas, também são viciativas, ou seja, causam dependência, que pode ser física, psicológica e, por via de extensão, “espiritual”. Para tais praticantes, beber o chá não traz problemas à saúde física e mental, se for administrado corretamente. E se não for administrado corretamente? Estamos convencidos de que essa relação é emblemática.

Quem ingere chá de Ayahuasca tem alteração de consciência. Pode ocorrer certo descontrole, dor e perturbação evidentes; sintomas que são percebidos, inclusive, em nível de sensações perispirituais. Se o objetivo (o tal caráter “religioso”) for manter contato com o “mundo espiritual”, é importante alertar que, para se obter um intercâmbio com o mundo dos espíritos, é, absolutamente, dispensável a ingestão de quaisquer substâncias modificadoras da consciência. Portanto, é, totalmente, desnecessária a utilização do chá do santo Daime para esse fim; nem mesmo pode-se dizer que facilite o transe mediúnico; muito pelo contrário, pode ser, inclusive, prejudicial, dependendo do caso. O transe mediúnico é favorecido pela educação dos sentimentos e não por meios artificiais, pois é um fenômeno, absolutamente, natural.

Há alguns anos, pesquisadores da USP, de Ribeirão Preto, tentam conhecer melhor os efeitos do chá usado no Santo Daime e como ele atua no cérebro. Após a ingestão do chá, a substância vai para o estômago, entra na corrente sanguínea e segue para o cérebro, onde se espalha. O lado mais ativado é o hemisfério direito, que controla as emoções, como: satisfação, insatisfação, equilíbrio, desequilíbrio e euforia. Os estudos mostram que o chá leva, em média, meia hora para fazer efeito. Em uma hora, as pessoas começam a apresentar alterações de comportamento: primeiro, um estado de relaxamento; depois, muita euforia e, logo em seguida, alteração de percepções. É quando começam as visões distorcidas do cérebro.

A Doutrina Espírita esclarece que “os órgãos têm uma influência muito grande sobre a manifestação das faculdades [espirituais]; porém, não as produzem; eis a diferença. Um bom músico com um instrumento ruim não fará boa música, mas isso não o impedirá de ser um bom músico.”(2) O Espírito age sobre a matéria e a matéria reage sobre o Espírito numa certa medida, e o Espírito pode se encontrar, momentaneamente, impressionado pela alteração dos órgãos pelos quais se manifesta e recebe suas impressões materiais”.(3) Cada caso é um caso, mas sabe-se que certas substâncias, que alteram a consciência, trazem  consequências para o corpo físico, para o perispírito e para a mente. Para o corpo físico, são inúmeros os malefícios, desde a dependência física e sintomas que podem levar a quadros de intoxicação aguda, até a morte (há caso registrado em Goiás). Para o perispírito, a consequência é a impregnação energética-mórbida nesse corpo. E pior, o psicossoma, que é o modelo organizador biológico, leva, com ele, toda a lesão, inclusive, para outra encarnação.

“A loucura tem, como causa principal, uma predisposição orgânica do cérebro, que o torna, mais ou menos, acessível a algumas impressões. Se houver predisposição para a loucura, ela assume um caráter de preocupação principal, transformando-se em ideia fixa, podendo tanto ser a dos Espíritos, em quem com eles se ocupou, como poderá ser a de Deus, dos anjos, do diabo, da fortuna, do poder, de uma arte, de uma ciência, da maternidade ou a de um sistema político-social.”(4) No trágico caso “Cadu/Glauco/Raoni”, tudo nos leva a crer que o homicida é um esquizofrênico. Sua doença mental apresenta um conjunto de sintomas bastante diversificado e complexo, sendo, por vezes, de difícil compreensão. Essa psicopatologia pode surgir e desaparecer em ciclos de recidivas e remissões. Hoje, é encarada não como uma doença única, mas como um grupo de enfermidades, atingindo todas as classes sociais e grupos humanos. Geralmente, o diagnóstico tem mostrado níveis de confiabilidade relativamente baixos ou inconsistentes.

Lembrando, aqui, que a esquizofrenia não é a dupla pessoalidade, pois é muito mais ampla que isso, e não há motivos de incluir, nela, os Transtornos de Personalidade Múltipla. É uma doença gravíssima que atinge, aproximadamente, 60 milhões de pessoas do planeta (1% da população mundial), sendo distribuída, de forma igual, pelos dois sexos. A sua diagnose tem sido criticada como desprovida de validade científica ou confiabilidade, e, em geral, a validade dos diagnósticos psiquiátricos tem sido objeto de críticas. Os sintomas podem ser confundidos com “crises existenciais”, “revoltas contra o sistema”, “alienação egoísta”, uso de drogas, etc.

O delírio de identidade (achar que é outra pessoa - o Carlos Eduardo acreditava ser “Jesus”) é a marca típica de um esquizofrênico. Foi, durante muitos anos, sinônimo de exclusão social, e o diagnóstico de esquizofrenia significava internação em hospitais psiquiátricos (manicômios) ou asilos, como destino “certo”, onde os pacientes ficavam durante vários anos. A Organização Mundial de Saúde editou critérios objetivos e claros para a realização do diagnóstico da esquizofrenia. As causas do processo patogênico são um mosaico: a única coisa evidente é a constituição pluricausal da doença. Isso inclui mudanças na química cerebral [a atividade dopaminérgica é muito elevada nos indivíduos esquizofrênicos], fatores genéticos e, mesmo, alterações estruturais.

É importante frisar que a Esquizofrenia tem cura. Até bem pouco tempo, pensava-se que era incurável e que se convertia, obrigatoriamente, em uma doença crônica e para toda a vida. Atualmente, entretanto, sabe-se que uma porcentagem de pessoas que sofre desse transtorno pode recuperar-se por completo e levar uma vida normal, como qualquer outra.

Não podemos desconsiderar, ante o fato (“Cadu/Glauco/Raoni”) narrado no texto, o processo obsessivo, consoante esclarecem os ditames doutrinários. André Luiz, Espírito, comenta que “muitos dos nossos irmãos desencarnados, ainda presos a sentimentos de ódio e ira, cercam suas vítimas encarnadas, formando perturbações que podemos classificar como “infecções fluídicas” e que determinam o colapso cerebral com arrasadora loucura”.(5)

Fontes:

(1) estado xamânico ou de êxtase induzida pela ingestão de substâncias alteradoras da consciência. É um neologismo que vem do inglês: entheogen ou entheogenic proposto por estudiosos desde 1973;

(2) Kardec, Allan. O Livro dos Espíritos, Rio de Janeiro: Ed. FEB, 2001, questão 372;

(3) Idem, questão 375;

(4) Idem, Introdução, item 15, A Loucura e o Espiritismo;

(5) Xavier, Francisco Cândido. Evolução Em Dois Mundos, ditado pelo Espírito André Luiz, Rio de Janeiro: Ed. FEB, 2000.

  • Jorge Hessen é natural do Rio de Janeiro, nascido em 18/08/1951. Servidor público federal lotado no INMETRO. Licenciado em Estudos Sociais e Bacharel em História. Escritor (dois livros publicados), Jornalista e Articulista com vários artigos publicados.