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Programa possibilita convivência pacífica entre asfalto e favela depois de décadas de preconceito e violência. A presença da polícia 24 horas pôs fim à venda ostensiva de drogas e à presença de traficantes armados nas ruas. A paz possibilitou que eventos chegassem ao morro. Jorge Hessen comenta.

  • Data :27/12/2009
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Morros em paz. E vizinhos curiosos

Programa da polícia possibilita convivência pacífica entre asfalto e favela depois de décadas de preconceito e violência

Roberta Pennafort, RIO

Morador de Copacabana há 42 anos, desde que nasceu, o advogado Horácio Magalhães nunca foi de frequentar o Morro da Babilônia. A distância entre seu prédio, na Avenida Nossa Senhora de Copacabana, e a favela é de cerca de 3 quilômetros, mas parecia bem maior até três meses atrás, quando a Unidade de Policiamento Pacificadora (UPP) se instalou por lá. A presença da polícia 24 horas pôs fim à venda ostensiva de drogas e à presença de traficantes armados nas ruas. E gente como Magalhães passou a se sentir segura para circular por ali.

Há uma semana, o advogado integrou um grupo de 300 pessoas que participou de uma caminhada ecológica a 220 metros de altura. Foi a 10ª edição da caminhada, mas nunca tantos moradores da zona sul participaram. “Eu já tinha ido à favela para tratar de questões comunitárias, mas nunca até a parte mais alta. Com o morro pacificado, fui tranquilo”, conta Magalhães, que preside a Sociedade Amigos de Copacabana.

A sensação é justificável. Na mesma favela onde há pouco mais de um ano os tiroteios eram intensos, não há qualquer sinal de perigo. A Babilônia e o Chapéu Mangueira, morros vizinhos no Leme, têm a mais nova UPP do Rio. Em dezembro de 2008, a polícia havia ocupado o Dona Marta, a comunidade-modelo da UPP. A paz possibilitou que eventos que antes não subiriam o morro de Botafogo chegassem até lá.

Neste fim de semana está sendo realizado o Red Bull Downhill Urbano no Dona Marta. A competição de mountain bike reunirá 16 atletas, que passarão com suas bicicletas sobre vielas, rampas montadas sobre casas e escadarias. É a primeira vez que um evento esportivo internacional tem como cenário uma favela. “A favela nunca foi um lugar proibido. Só que antes nenhuma empresa chegava aqui. É bom que esses eventos venham, mas ainda tem muita gente desempregada”, pondera o rapper Fiel, liderança natural no Dona Marta. “Quando as pessoas dizem que o morro está tranquilo, eu não entendo dessa forma. A comunidade em si sempre viveu em harmonia.”

O fotógrafo Guillermo Planel, que é de Laranjeiras, sempre se sentiu bem-vindo na comunidade de Botafogo. Virou frequentador no ano passado, enquanto filmava o documentário Vivendo Um Outro Olhar, sobre fotojornalistas que trabalham em coberturas em favelas. Acabou por se tornar habitué do bar do Zé Baixinho, uma simpática birosca no morro.

Acompanhado do filho, João Pedro, de 4 anos, ele continua indo lá, mesmo terminadas as filmagens, para tomar cerveja e bater papo. “É extremamente seguro. Não levo meu filho com uma orientação política ou filosófica, para que ele conviva com pessoas da favela, mas porque é natural.” Amigo de Planel, o cientista político e jornalista Evandro Euriques, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), volta e meia está em outra comunidade livre da violência: a Tavares Bastos, no Catete. Lá, o que faz com que não haja traficantes pelas ruas é o quartel do Bope.

Euriques tem amigos na Tavares Bastos e costuma visitá-los com a filha, de 10 anos. “Esse tipo de convívio é importante. Precisamos apagar esses fantasmas para reconstruir a cidade”, afirma. “A ida da classe média à favela abre uma janela para a transformação social.” Cezar Zerbinato, líder comunitário da Babilônia, acredita que, para muitos moradores do Leme e de Copacabana, o medo deu lugar à curiosidade. “As pessoas só tinham notícia ruim do morro. Agora, elas querem tirar 40 anos de dúvidas, mesmo morando aqui do lado. Era perto, mas era longe.”

Ele prepara, aos sábados, uma feijoada cujo tempero e preço (R$ 6) já desceram a Ladeira Ary Barroso, acesso à Babilônia. “Vem gente do Leme e de Copacabana comer na minha laje, com vista para o mar.”

Instalado há três anos numa espaçosa casa na Babilônia, o austríaco Matthias Lemprecht montou o Chill Hostel Rio, albergue com 11 quartos. Ele crê que, com a UPP, vá deixar de receber somente estrangeiros. “Acho que só agora os brasileiros vão passar a vir.” Ele é casado com uma carioca de Copacabana. “Ela prefere o apartamento da Rua 5 de Julho. Eu prefiro ficar aqui do que em qualquer outro lugar.”

Notícia publicada no estadao.com.br , em 27 de setembro de 2009.

Jorge Hessen comenta*

As estatísticas demonstram que a violência cresce à medida que aumenta a distribuição de drogas em determinadas regiões. Por isso, é mister reprimir os criminosos, obviamente. Porém, junto a isso, urge o envolvimento, também, da sociedade em todo esse contexto, nas áreas onde eles atuam. A tibieza policial do Estado forja os líderes do crime que “governam” as comunidades com as suas próprias “leis”. Por isso mesmo, além dessas estratégias pacificadoras, é mister que todo governante invista em projetos de asfaltamento de ruas, ampliação da iluminação pública, recuperação das praças, construção de escolas e postos de saúde, controle dos horários dos estabelecimentos que vendem bebidas alcoólicas nos locais mais afetados pela criminalidade. São medidas eficazes para reduzir a barbárie da violência social.

O Rio de Janeiro vive uma situação muito semelhante à cidade de Medellín, na Colômbia dos anos 90. Os narcotraficantes controlam os territórios das favelas, e o aparelho policial do Estado tem extrema dificuldade em combatê-los, seja pela falta de coordenação entre os governos, nas suas diversas esferas, seja entre as polícias civil, militar, federal e as guardas municipais. Nos idos dos anos 90, Bogotá, na Colômbia, era considerada uma das cidades mais violentas do mundo, e, atualmente, conseguiu reduzir em 70% seu índice de violência urbana, fruto das medidas sócio-educativas ali empreendidas.

Seguindo o exemplo colombiano, percebemos um enorme esforço do governo do Rio de Janeiro para a conquista da pacificação social nas favelas. Para esse objetivo, adotou-se, na prática, uma nova estratégia de Segurança Pública com ocupação, permanente, das favelas através da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). O plano que diminuiu as áreas sob comando do crime organizado, contudo, também, redundou no acirramento dos confrontos entre facções criminosas pelos pontos de vendas de drogas ainda disponíveis (que não estão sob a ação das UPPs) nos morros cariocas. Apesar da reação dos criminosos, o clima tenderá à convivência pacífica entre policiais e moradores, sem tráfico ostensivamente armado, permitindo que os moradores do asfalto voltem a conviver com a favela. Aposta-se que, com a entrada da classe média na favela, horizontes poderão ser abertos para a transformação social.

Em verdade, a violência do homem civilizado tem as suas raízes profundas e vigorosas na selva. O homo brutalis tem as suas leis: subjugar, humilhar, torturar e matar. O pragmatismo das sociedades atuais coisificou o homem, equivalendo dizer que o nadificou no aspecto moral. O homem contemporâneo vive atormentado pelo medo, esse inimigo atroz que o assombra, uma vez submetido às contingências da vida atual, de insegurança e de incertezas. Vivemos tempos complexos e tormentosos. A violência não está só nas favelas cariocas. Há violências, de várias nuanças, em toda parte do planeta. A violência urbana é reflexo natural dos que administram gabinetes luxuosos e desviam os valores que pertencem ao povo; que elaboram leis injustas, que apenas os favorecem; que esmagam os menos afortunados, utilizando-se de medidas especiais, de exceção, que os anulam; que exigem submissão das massas, para que consigam o que lhes pertence de direito… produzindo o lixo moral e os desconsertos psicológicos, psíquicos e espirituais.

A criminalidade tem seus fulcros na desigualdade social, no elevado índice de desemprego, na urbanização desordenada e, de modo destacado, no tráfico de drogas, na difusão incontrolada da arma de fogo, sobretudo clandestina, situações essas que contribuem, de forma decisiva, para o aumento da criminalidade. Atualmente, quase metade da população mundial mora nas grandes cidades. Nos próximos 20 anos, a população urbana vai superar os 5 bilhões. Sete pessoas, em cada dez, estarão morando em uma dessas megalópoles, provocando mudanças (não para melhor) do sistema de vida da população. Estudiosos afirmam que as megalópoles serão enormes regiões interligadas, superpovoadas, que englobarão cidades vizinhas e, nas quais, mais da metade da população concentrar-se-á em bolsões de miséria, favelas ou “barracópoles”. Segundo as projeções demográficas, daqui a duas décadas, as megalópoles estruturar-se-ão com centros luxuosos e ultra modernos, habitados por uma classe poderosa e rica, mas rodeados, ou melhor, sitiados por enormes extensões de favelas, de marginados, como se pode perceber, embora em dimensões, ainda, reduzidas, nas atuais metrópoles do Rio de Janeiro e São Paulo.

Há uma síndrome perversa, em que os benefícios do desenvolvimento não estão sendo divididos, equitativamente, e o fosso, entre afortunados e deserdados (ricos x pobres), está aumentando. Essa tendência é extremamente perigosa, mas podemos evitá-la. Caso contrário, as bases da segurança global estarão, seriamente, ameaçadas, muito mais do que já estão. Temos o conhecimento e a tecnologia a nosso favor, necessários para sustentar toda a população, equilibradamente, e reduzir os impactos de agressão ao meio ambiente, até porque os desafios ambientais, econômicos, políticos, sociais e espirituais estão interligados, e, juntos, podemos criar, de início, soluções emergenciais, para que evitemos o caos absoluto em pouco tempo.

Erguemos altos muros com fios eletrificados ao redor de nossas residências, tentando evitar que ela (a violência) nos atinja. Contratamos seguranças para protegerem nossas empresas e nossos lares. Instalamos equipamentos sofisticados que nos alertem da chegada de eventuais usurpadores de nossos bens. Contudo, existe outro tipo de violência que não damos atenção: é a que está fincada dentro de cada um de nós. Violência íntima, que alguns alimentam, diariamente, concedendo que ela se torne animal voraz. É o ato de indiferença que um elege para apunhalar o outro no relacionamento doméstico, estabelecendo silêncios macabros às interrogações afetuosas. São os cônjuges que, entre si, pactuam com a mudez, como símbolo do desconforto por viverem, um ao lado do outro, como algemados sem remissão. A violência de fora pode nos alcançar, ferir-nos e, até mesmo, magoar-nos, profundamente, mas a violência do coração (interna), silenciosa, que certas pessoas aplicam todos os dias, em seus relacionamentos, é muito mais perniciosa e destruidora. A paz do mundo começa em nossa intimidade e sob o teto a que nos albergamos. Se não aprendemos a viver em paz, entre quatro paredes, como aguardar a harmonia das nações?

Nesse panorama, a mensagem do Cristo é o grande edifício da redenção social, que haverá de penetrar em todas as consciências humanas, como um dia penetrou no desprendimento de Vicente de Paulo, na solidariedade de irmã Dulce, na bondade de Chico de Assis, na dedicação de Teresa de Calcutá, na humildade de Chico Xavier e na não-violência de Mohandas Karamchand Gandhi, o Mahatma da Índia. Os postulados evangélicos, sob a ótica espírita, são antídotos contra a violência, posto que quem os conheça, sabe que não se poderá eximir das suas responsabilidades sociais, e que o seu futuro será uma decorrência do presente.

Nesse contexto, devemos considerar que o espírita-cristão deve se armar de sabedoria e de amor, para atender à luta que vem sendo desencadeada nos cenários da sociedade, concitando à concórdia e ao perdão, em qualquer conjuntura anárquica e perturbadora da vida moderna. Os Centros Espíritas, como Prontos-Socorros espirituais, muito podem contribuir no trabalho de prevenção e auxílio às vítimas das drogas, nas duas dimensões da vida, através de medidas que os incentivem ao estudo das Leis de Deus. O Centro Espírita, além de estimular as famílias à prática do Evangelho no Lar, oferece recursos socorristas de tratamento espiritual: passe, desobsessão, água fluidificada, atendimento fraterno (trabalho assistencial que enseja o diálogo, a orientação, o acompanhamento e o esclarecimento, com fundamentação doutrinária a todos, indistintamente.

A Doutrina Espírita, embora compreenda e explique muitos fenômenos sociais e econômicos, através da tese reencarnacionista, é revolucionária, porque propõe mudanças estruturais do ser humano; não contemporiza com a concentração de riqueza e com a ausência de fraternidade, que significam a manutenção de privilégios e de excessos no uso dos bens, das riquezas e do poder de uns poucos em detrimento do infortúnio da maioria. O mais amplo sentido de Justiça Social, segundo a visão do Espiritismo, é a que está gravada no escrínio da consciência humana, que estimula o homem a cumprir seus deveres, honestamente, e a proteger seus direitos, respeitando os direitos alheios.

  • Jorge Hessen é natural do Rio de Janeiro, nascido em 18/08/1951. Servidor público federal lotado no INMETRO. Licenciado em Estudos Sociais e Bacharel em História. Escritor (dois livros publicados), Jornalista e Articulista com vários artigos publicados.