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Como o jornalista potiguar Flávio Rezende, de 48 anos, está erguendo uma casa para educar 400 jovens num dos bairros mais carentes e violentos de Natal, longe do auxílio do poder público, afastado de ONGs por convicção pessoal e ecumênico até o último fio de cabelo. Sonia Maria Ferreira da Rocha comenta.

  • Data :17/12/2009
  • Categoria :

O construtor da bondade

Como o jornalista potiguar Flávio Rezende está erguendo uma casa para educar 400 jovens num dos bairros mais carentes e violentos de Natal

Texto: Paulo Araújo

Longe do auxílio do poder público, afastado de organizações não-governamentais por convicção pessoal e ecumênico até o último fio de cabelo, o jornalista potiguar Flávio Rezende, 48 anos, está assentando os últimos tijolos de um sonho que começou a cultivar há quinze anos no bairro de Mãe Luíza, em Natal: construir uma casa para dar a oportunidade de estudo, trabalho e qualificação a cerca de 400 jovens.

A empreitada começou na década de 1980 quando ele mudou-se para o bairro, um dos mais estigmatizados pela violência na cidade, e descobriu que a vida dos vizinhos, que não param de bater na sua porta em busca de todo tipo de ajuda, não era nada fácil. “Falta muita coisa, principalmente ocupação pós-escola para as crianças e os adolescentes que passam o dia nas ruas, por falta do que fazer”, lista Flávio. “E o horror das drogas está ali, só esperando uma chance para ocupar essa brecha”.

Erguido num terreno de 40 metros de comprimento por 10 de largura, o prédio de dois andares que ainda precisa de piso, portas, janelas, acabamento nas paredes e telhado para ficar pronto terá salas amplas para aulas de balé, canto, capoeira, culinária, informática, surf e reforço pré-vestibular. Para erguê-la, Flávio, que é funcionário da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, “se virou nos trinta”, como costuma dizer, organizando festas, bingos, sorteios, rifas e batendo de porta-em-porta dos empresários da cidade em busca de doações em forma de dinheiro, material de construção ou qualquer outro tipo de auxílio.

A obra tem um custo total estimado em R$ 370 mil e até agora já foram arrecadados e empregados 150 mil. “Quando ele chega nos lugares, as pessoas já sabem que vão ter que abrir a carteira”, brinca o fotojornalista Canindé Soares, um dos grandes parceiros de profissão e de solidariedade do “Construtor da Bondade”. Ricardo Barros, proprietário de um hotel instalado no bairro, é outro elo fundamental na corrente do bem. “Eu via toda aquela luta solitária dele e decidi que era hora de ajudar também”, diz o empresário, que doou o terreno onde está sendo erguida a Casa do Bem.

A companhia de energia elétrica do Estado doou R$ 150 mil para a obra. A planta e o projeto foram feitos de forma voluntária pelo arquiteto Wellington Fernandes a pedido da jornalista Eliana Lima, outra grande parceira de Flávio, e agora faltam mais R$ 220 para tudo ficar pronto até o meio de 2010. “Depois de 15 anos de luta, as empresas não tem mais do que desconfiar da nossa seriedade e já estão recorrendo à renúncia fiscal para nos ajudar”, aposta Flávio, que está em negociacões avançadas com a Petrobras para o ano que vem.

Cidade partida

Mãe Luíza, bairro batizado assim em homenagem a uma antiga parteira, é um prato cheio para sociólogos e urbanistas entenderem como as cidades litorâneas excluem os mais pobres do prazer de viver à beira-mar a medida que crescem. Localizado num morro onde começa a Via Costeira, avenida à beira-mar onde estão os hotéis de altíssimo luxo de Natal, o bairro tem um dos maiores índices de violência e um dos menores IDH da capital potiguar. “Até hoje, muita gente acha que sou louco porque me mudei para cá, mas não me arrependo”, diz o jornalista. Nos últimos 10 anos, Flávio viu com tristeza ser erguido um paredão de edifícios à beira-mar, tapando a visão dos moradores e bloqueando a brisa que antes soprava farta. “Como se já não bastasse o apartheid social, agora temos o físico”, lamenta.

Apesar de morarem tão perto do mar – a pouco menos de um quilômetro – as maioria das crianças de Mãe Luíza costumam atingir os 10, 12 anos, sem nunca ter ido à praia. Pois Flávio foi bater de recepção em recepção dos hotéis de luxo da Via Costeira para fazer um pedido inusitado: convencer os gerentes a deixarem os pequenos cidadãos utilizarem a piscina e outros equipamentos turísticos do hotel durante a baixa estação. Sérgio Gaspar, proprietário do Hotel Ocean Palace, foi um dos primeiros a atender o pedido e colaborar com o projeto Hotel do Bem.

Só em 2008 foram realizadas 9 visitas. A garotada também curte a piscina dos hotéis em Ponta Negra, pelo menos uma vez por mês. “Além de ver de perto como funciona tudo, aprendemos como trabalha um gerente, arrumadeira, garçons”, diz Michelle Silva, de 13 anos, que planeja trabalhar na área de turismo. “Depois, claro, curtimos a piscina, o salão de jogos e ainda ganhamos um lanche”, complementa. Para proporcionar um pouco de lazer à garotada, Flávio tem que fazer outra amarração: recorre à generosidade de Augusto Maranhão, proprietário da empresa de ônibus Cidade das Dunas. “Não custa nada deslocar um veículo da frota para transportar as crianças”, diz Augusto. “A satisfação delas paga tudo”.

Nos mesmos ônibus da empresa do parceiro, Flávio também promove, uma vez por mês, o Cultura do Bem. É outro passeio para que a meninada conheça pontos turísticos da cidade tais como o Teatro Alberto Maranhão, o Forte dos Reis Magos e mesmo atrações históricas e culturais dos municípios vizinhos de Macaíba e Ceará-Mirim, famosos pela cultura da cana-de-açúcar. “É um dia de festa no bairro”, conta uma mãe, emocionada. “Ninguém dorme na noite anterior de tanta expectativa. Isso que Flávio faz não tem preço”.

Educação e esportes

O Cursinho Cidadão é outra frente de solidariedade que, enquanto as salas de aula da Casa do Bem não ficam prontas, tem lugar todas as noites nos salões cedidos da Igreja Batista do Farol e do Instituto Pedra Angular. 43 jovens aprendem o essencial para compensar as deficiências do ensino público e tentar passar no vestibular. Os recursos para pagar os professores saem direto dos bolsos do juiz Fábio Holanda e do empresário Fernando Veríssimo, do shopping Cidade Jardim, entre outros apoios. “São dois grandes parceiros que não deixam a peteca cair um só mês”, conta José Gilderley, coordenador das aulas.

E tendo a praia com um dos melhores picos de onda como grande quintal, Flávio atacou numa das frentes mais visíveis de todas as ações até agora: o Surf do Bem. O projeto abriga numa casa simples cerca de 50 adolescentes que depois da escola regular assistem aulas teóricas e práticas sobre o esporte. “Ensinamos todos os segredos do surf e daqui já estão saindo campeões nacionais”, diz Francisco Ventura, marinheiro reformado que voluntariamente tomou a frente do projeto e já perdeu as contas de quantas medalhas e troféus guarda na sala.

Os jovens têm aula de educação física, cidadania e depois pegam as pranchas, fruto de doações, e descem a duna em frente ao bairro para cair no mar. Quando a fome aperta, no retorno, é da padaria Pão & Cia, também parceira de Flávio, que vem o lanche que para muitos é a única alimentação do dia. “Quando formos para a Casa do Bem, eles também vão poder aprender a cozinhar a própria refeição”, planeja Flávio, que já tem guardada uma lista de chefs de cozinha potiguares a quem vai pedir ajuda em breve.

Promovendo todas essas ações espalhadas enquanto a sede física do seu projeto não fica pronta, o potiguar chegou a uma conclusão dia desses, enquanto observava o filho de 10 anos brincar com um dos garotos do “morro de Mãe Luíza” – por sinal melhores amigos. “Não adianta querer melhorar o mundo do dia para a noite, pois ele é muito grande. Nada melhor do que dividir o pouco que temos com quem está ao nosso lado. Gentileza gera gentileza”.

Casa do Bem

Av. João XXIII, s/n, Mãe Luíza Natal (RN) Tel: (84) 9902-0092

Participe do Projeto Generosidade

Entre no site www.projetogenerosidade.com.br e conte sua história do bem. Você pode relatar sua própria ação transformadora ou a experiência de alguém - ou de um grupo - que pratique atos generosos.

Sonia Maria Ferreira da Rocha comenta*

Entre tantas notícias de violência que lemos e vemos no nosso dia a dia, tomar conhecimento de uma matéria como esta é restabelecer toda a esperança que por vezes pensamos ter sido dissipada do nosso planeta.

É constatar que não estamos desamparados pela Espiritualidade Superior e nos dá a certeza de que, quando envolvidos pela vontade de trabalhar em prol dos nossos irmãos mais necessitados, estaremos sendo dirigidos por forças espirituais que reúnem, no mesmo ideal, espíritos, tanto encarnados como desencarnados, na marcha do bem.

Essas ações que se desenvolvem no anonimato são inumeráveis, mas que não causam comerciais. Por isso, vivemos alimentados pelo medo, até mesmo dentro das nossas casas.

Exemplos como esses deveriam ser mais publicados para que nossos filhos despertassem, desde cedo, pelo sabor de acolher um amigo carente ou até mesmo aquela criança abandonada à fome e à sede pela vias públicas.

Dar, hoje, oportunidades para que essas crianças tenham condições de mais tarde serem profissionais é tirar um criminoso das teias da marginalidade. Construir educandários, hoje, é diminuir o número de cadeias no futuro.

Segundo o Espiritismo, a evolução moral nem sempre acompanha a evolução intelectual. No processo evolutivo é necessário primeiramente o conhecimento do bem e do mal, somente possível em função do desenvolvimento do livre-arbítrio, consequência natural do aprimoramento intelectivo. A evolução moral é uma consequência da evolução intelectual. “A moral e a inteligência são duas forças que não se equilibram senão com o tempo.” (O Livro dos Espíritos, pergunta 780-b.)

O comentário de Allan Kardec, a esse respeito, é bem elucidativo: “A educação, se for bem compreendida, será a chave do progresso moral. Quando se conhecer a arte de manejar os caracteres como se conhece a de manejar as inteligências, poder-se-á endireitá-los, da mesma maneira como se endireitam plantas novas. Essa arte, porém, requer muito tato, muita experiência e uma profunda observação. É um grave erro acreditar que basta ter a ciência para aplicá-la de maneira proveitosa.” (O Livro dos Espíritos, pergunta 917.)

A educação segundo o Espiritismo é moralizante. A educação espírita é libertária sem ser libertina. Ela não é religiosa; é cultural, reflexiva e tolerante.

  • Sonia Maria Ferreira da Rocha reside em Angra dos Reis, RJ, estuda o Espiritismo há mais de 30 anos e é colaboradora regular do Espiritismo.net.