Carregando...

  • Início
  • Empresa israelense com funcionários palestinos ‘dribla’ muro para crescer

Conflito na região é ‘tema proibido’ durante as reuniões de negócios, que podem ser realizadas através de videoconferência ou em um posto de gasolina. Carlos Miguel Pereira comenta.

  • Data :23/11/2009
  • Categoria :

Empresa israelense com funcionários palestinos ‘dribla’ muro para crescer

Conflito na região é ‘tema proibido’ durante as reuniões de negócios. Israel mantém em pé muro para separar país dos territórios palestinos.

Dani Blaschkauer Do G1, em São Paulo

Em uma terça-feira, um dia como outro qualquer, dois homens deixam o escritório conversando amenidades e entram no mesmo veículo. Atravessam uma das passagens do muro de mais de 600 quilômetros que divide Israel da Cisjordânia e vão se encontrar com cerca de 30 palestinos em um posto de gasolina de uma estrada no meio do deserto. Logo nas primeiras conversas, o principal tema vem à tona.

A cena não faz parte de filme algum e muito menos de uma conspiração contra Israel ou o governo da Palestina. O encontro nada mais é que uma reunião de uma empresa que prova ser possível israelenses e palestinos coexistirem.

“Normalmente, nós fazemos as reuniões através de uma videoconferência ou MSN ou Skype, mas às vezes, quando precisamos, nos encontramos em um posto de gasolina, entre Jericó e Jerusalém, onde as duas equipes podem se encontrar sem encrencas”, afirma ao G1 Montasser Abdellatif, gerente de marketing e comunicações da G.hos.t, uma empresa de alta tecnologia presidida e criada por um israelense, Zvi Schreiber.

A empresa faz a chamada ‘computação nas nuvens’ e é através do ar que consegue quebrar, ao menos virtualmente, o muro levantado pelo governo israelense que separa o país da Cisjordânia e da Faixa de Gaza. Hoje, a G.hos.t tem 35 funcionários, sendo três israelenses e os demais palestinos.

Como é complicado e burocrático fazer com que um palestino consiga entrar em território israelense por questões de segurança, quando as duas partes precisam ter um encontro ‘ao vivo’, é mais fácil fazer toda uma cena cinematográfica e marcar o encontro em um posto de gasolina no meio do deserto. Os israelenses saem de Moddin, e os palestinos, de Ramallah.

“Nós somos um real exemplo de paz, que colaboram entre si mesmo com um muro de 400 milhas (cerca de 640 quilômetros). Esperamos que o setor de tecnologia possa colaborar com progressos na região e ser um dos pilares para a economia palestina”, completa ele.

No último dia 14, eles tiveram a possibilidade de participar de um evento colado ao muro juntamente com Tony Blair, ex-premiê britânico e hoje representante do Quarteto de Madri para o Oriente Médio (formado por ONU, EUA, Rússia e União Europeia). O slogan, claro, combinou exatamente com a filosofia da empresa: “No walls” (sem barreiras/muros, em livre tradução do inglês).

A questão palestina, porém, não é assunto quando estão todos reunidos. No momento para falar de negócios, não se comenta sobre a política na região, se Israel está certo em manter o muro ou se os palestinos estão sofrendo restrições econômicas. “Durante as reuniões, não falamos sobre o conflito. Mas, individualmente, se eles querem falar sobre o tema, nós conversamos”, conta o presidente Schreiber.

Notícia publicada no Portal G1 , em 30 de julho de 2009.

Carlos Miguel Pereira comenta*

Em tempos que não vão longe, os homens construíam muros à volta das cidades para se defenderem dos ataques dos salteadores e dos exércitos inimigos. Sentiam-se invioláveis, como reclusos dentro dos seus cárceres, mesmo sabendo que as maiores muralhas e fortalezas eram vergadas pela persistência dos grandes exércitos. O tempo foi derrubando os muros que cercavam as cidades, mas o homem não extinguiu a necessidade de levantar novas barreiras que o protegessem do medo e da suspeição que a diferença lhe provocava. Umas mais visíveis do que outras, em todas as paredes de segregação que construímos ficam gravados as dores e os vícios morais que ainda atormentam a Humanidade.

Esta história fala-nos do Muro da Cisjordânia, que tem uma altura de 8 metros e 700Km de comprimento e que divide Israel da Cisjordânia. Dois mil anos depois de um sábio carpinteiro ter pisado aquelas terras, inspirando os que o ouviam ao amor e à fraternidade entre todos, continuamos a persistir nos mesmos erros da raiva, do orgulho e do egoísmo. Este muro, vigiado por tanques e metralhadoras, um monumento rude e sem inspiração com 5,6 milhões de metros quadrados, é um símbolo do ódio, do fanatismo e da intolerância que ainda reina neste Planeta. Durante quanto tempo mais vamos insistir em levantar muros para resolver os nossos problemas? Durante quanto tempo mais as diferenças morais, intelectuais, culturais, religiosas, raciais e sociais, que nos distinguem como seres humanos únicos e em busca da felicidade, serão fantasiadas como fossos intransponíveis? Durante quanto tempo mais iremos recusar criar laços de solidariedade, persistindo em reagir violentamente, julgar comportamentos, generalizar atitudes e deduzir intenções? Durante quanto tempo mais vamos recusar partilhar os nossos privilégios, mordomias e conhecimentos com aqueles que sofrem com a escassez e a ignorância? Durante quanto tempo mais vamos insistir em cuspir na mão que nos quer ajudar a levantar, porque ela não partilha da nossa crença ou opinião?

Estes muros que envergonham a Humanidade e diminuem a dignidade humana não existem apenas cravados na crosta da Terra. Eles moram sobretudo no coração de todos os que, de uma forma obtusa, dividem o mundo entre o certo e o errado, o bom e o mau, o nós e o eles, o meu e o deles. Se pensarmos bem, nós levantamos muros a todos os instantes: Temos os muros da família, das amizades, do time de futebol, da nacionalidade, da língua, das crenças íntimas, da cultura, das opiniões, do status social, do conhecimento, do comportamento sexual e muitos outros. Todos estes muros fragmentam a nossa sociedade, criando clivagens profundas que só o tempo consegue sarar.

Que fazer para mudar? Se as muralhas de outrora foram derrubadas pela força, os muros da intolerância têm de ser desfeitos por um exército sem armas: uma sociedade civil inconformada e moralmente elevada, que não pactua com a segregação, não aceita a divisão da Humanidade em bons e maus, que está empenhada e fortemente motivada em construir um mundo mais justo, solidário e livre. É esta a inspiração que a empresa Israelita “G.hos.t” nos transmite: A vontade de construir pontes que unam Israelitas e Palestinos, dois povos que anseiam pela paz mas que não conseguem libertar-se da desconfiança mútua. Nenhum muro será capaz de destruir a suspeição. Apenas o trabalho conjunto na construção de uma convivência saudável e pacífica, criando laços de amizade e empatia, ensaiando a confiança e a compreensão, proporcionará a lucidez de uma verdade que o bom senso nos grita constantemente, mas que o nosso egoísmo ignora: O que nos une é muito mais precioso do que aquilo que nos distingue.

E nós? Queremos pertencer ao grupo dos que erguem muros ou dos que constroem pontes?

  • Carlos Miguel Pereira trabalha na área de informática e é morador da cidade do Porto, em Portugal. Na área espírita, é trabalhador do Centro Espírita Caridade por Amor (CECA), na cidade do Porto, e colaborador regular do Espiritismo.net.