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Sem governo ou ONGs, artistas vendem quadros para atender aos sonhos de crianças. O Paint a Future, idealizado pela artista plástica Hetty Van der Linden, existe no Brasil há três anos. E começa a produzir melhorias, como a construção de casas. Nara de Campos Coelho comenta.

  • Data :22 Oct, 2009
  • Categoria :

Arte contra a pobreza

Sem governo ou ONGs, artistas vendem quadros para atender aos sonhos de crianças

Renata Cabral

O catarinense Rafael Cristiano Leite, 13 anos, vivia com mais sete parentes numa pequena casa de dois cômodos e sem banheiro. Quando ventava, parecia que o teto ia desabar. Seu pai, falecido no ano passado, deixou uma carta orientando a família a procurar o projeto Paint a Future (Pintar um Futuro), que, sem a participação de governos ou ONGs, transforma em realidade os desejos das crianças rabiscados em papel. Hoje, a casa azul de dois andares que Rafael desenhou tem paredes, teto e em breve será um endereço digno em Florianópolis (SC). “Agora tudo vai melhorar”, aposta ele.

O Paint a Future, idealizado pela artista plástica holandesa Hetty Van der Linden, existe no Brasil há três anos. E começa a produzir melhorias concretas. Nos Estados de Santa Catarina e São Paulo foram construídas 15 casas, além de parquinhos e salas de informática. Realizaram-se também tratamentos médicos. Quando o sonho da criança é uma singela pipa ou uma bicicleta, os integrantes do projeto atendem, mas procuram a família para saber como ajudar mais. O projeto existe em vários países e, para Hetty, que já esteve na Argentina, Bulgária, no Chile e Marrocos, ele dá certo aqui por conta da grande pobreza aliada à vontade de ajudar: “Há uma diferença enorme entre os dois extremos da sociedade brasileira e acredito que a arte pode ser o elo entre eles.”

Os anseios infantis captados pelo projeto, criado em 2002, variam de acordo com as carências. Na Bósnia, as crianças órfãs de guerra pediram famílias. Em Madagascar, o desejo foi por pratos de comida. No Brasil, os pequenos querem uma casa. Hetty percorre escolas e creches de comunidades carentes com tintas e folhas em branco e faz as ilustrações chegarem às mãos de um grupo de artistas internacionais, que transforma o material em obra de arte. São telas que, conforme o tamanho, são vendidas por R$ 6 mil ou mais e permitem transformar as vidas.

Cerca de 15 artistas internacionais que aderiram à causa de Hetty pagam a própria passagem para pintar no País. São nomes de vanguarda como Lorenzo Moya, do Chile; Jaan Elken, da Estônia; e Lone Seeberg, da Dinamarca. A cada ano, o time muda. Para Gregório Gruber, artista plástico paulista que participou da primeira edição do projeto no Brasil, o Paint a Future desperta a verdadeira essência da arte: “Não acho que ela deva servir sempre ao comércio e ao dinheiro. O projeto tem uma proposta inovadora.” Quando não são vendidos no país de origem, os quadros vão para um ônibus que circula pelas cidades da Europa, como uma exposição itinerante. “Eu me sentia ridícula vendendo quadros, enquanto as crianças passavam fome nas ruas. Hoje, não mais”, diz a artista, um exemplo de como fazer a diferença.

Matéria publicada na Revista ISTOÉ , em 6 de fevereiro de 2009.

Nara de Campos Coelho comenta*

A arte de ser solidário

Com Kardec, aprendemos que “O que há de sublime na arte é a poesia do ideal, que nos transporta para fora da esfera acanhada de nossas atividades.” E o ideal paira, exatamente, na região extramaterial, em que só se penetra pelo pensamento…

A arte, assim, possibilita ao espírito reencarnado, independente de sua idade cronológica, contatar regiões sublimes, vibrações saudáveis e felizes, elevando o seu padrão vibratório, salvando-o dos abismos que, muitas vezes, o circundam na vida material. Não importa quem seja, nem onde esteja; por meio do sentimento artístico ele pode alçar voos só percebidos pelo que ele produzirá. E ele se supera, saindo da impotência material para a supremacia de si mesmo. O desenvolvimento artístico é, assim, poderosa arma contra o subdesenvolvimento, tanto material quanto espiritual e moral, permitindo que o seu agente adivinhe a felicidade que pode vivenciar, porque ele a percebe em pequenos lampejos, quando vivencia sua arte.

Porém, o que Hetty Van der Linder faz, e que é destacado neste artigo da “ISTOÉ”, é mais do que arte. Ela ajuda a tirar de dentro das crianças, que ampara com carinho e atenção, o seu ideal mais puro e materializa-o pelo esforço da solidariedade. Ela une arte e solidariedade para salvar essas crianças, minimizando-lhes as dores, permitindo-lhes adivinhar, como o dissemos, um futuro mais feliz, ao registrarem que existe quem olhe por elas, quem as pode ajudar. Ao estimular essas crianças a usarem a “poesia do seu ideal” e lutar por realizá-los, ela os salva por comunicar-lhes a esperança: nada está perdido. Podem ter uma casa, um prato de comida, uma família, o que desejarem, enfim, segundo sua necessidade evolutiva. Eis aí outro ponto importante. Cada espírito tem resgates diferentes, por isto, cada qual reencarna em ambientes que lhes permitirão corrigir a própria falta e lutar para supri-la. Emmanuel nos ensina que o maior valor da caridade é dizer ao que sofre que existe alguém que nele pensa, ajudando-o a superar as dificuldades em que se encontra. Essa mulher é, portanto, uma missionária, cuja sensibilidade artística a fez galgar degrau mais alto, permitindo-a encontrar no amor ao próximo a assertiva de Jesus quanto a edificação da felicidade.

“Eu me sentia ridícula vendendo quadros, enquanto as crianças passavam fome nas ruas. Hoje, não mais”, diz a feliz Hetty. Feliz sim, porque já superou os obstáculos do egoísmo e do orgulho, as grandes chagas da humanidade, no dizer de Kardec. Eis que ela não se encontra mais entre os milhões de ridículos que sequer se preocupam com os semelhantes, pois só vivem para si mesmos, multiplicando fortunas e possibilidades em detrimento de tantos, para descobrirem-se, mais adiante, presas das dores que cultivaram com seu egocentrismo… E, assim, concretizam os círculos viciosos do sofrimento.

Hetty Van der Linder segue a lógica do Cristo… Belo exemplo…

Quem sabe possamos, ao menos, repetir-lhe o gesto no mundo acanhado de nossos ideais, aprendendo a arte de ser solidário?

  • Nara de Campos Coelho, mineira de Juiz de Fora, formada em Direito pela Faculdade de Direito da UFJF, é expositora espírita nos Estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro, articulista em vários jornais, revistas e sites de diversas regiões do país.