Carregando...

  • Início
  • 'A paz vem das pessoas, e não da política'

A judia Anat Lev Ari, chef de cozinha que integra o grupo Chefs for Peace - associação criada em 2001 -, prega que o amor que move as pessoas à mesa pode ser mais forte do que as disputas políticas. Carlos Miguel Pereira comenta.

  • Data :10/02/2009
  • Categoria :

“A paz vem das pessoas, e não da política”

A judia Anat Lev Ari, chef de cozinha que integra o grupo Chefs for Peace , prega que o amor que move as pessoas à mesa pode ser mais forte do que as disputas políticas

Laura Lopes

Para a chef de cozinha Anat Lev Ari, a gastronomia pode ajudar a propagar a paz. Moradora de Tel Aviv, uma das cidades mais importantes de Israel, a banqueteira faz parte do grupo Chefs for Peace , que reúne quinze cozinheiros, entre cristãos, judeus e muçulmanos. A associação, criada em 2001, tenta promover o diálogo entre os povos por meio do amor que todos partilham pela boa comida. “A paz vem das pessoas, e não da política”, afirma Anat, que esteve em São Paulo para participar do II Festival Gastronômico de Israel, no restaurante Tarsila. No evento, que acontece até o dia 29, a chef faz pratos da cozinha kosher , em que os alimentos e a forma de prepará-los seguem regras do judaísmo.

O grupo de chefs promove quatro eventos por ano em que todos vão juntos para a cozinha e há apenas uma regra: é proibido falar em política. Os encontros acontecem, sobretudo, em Israel, mas os cozinheiros já se uniram em outros países, como Alemanha, Espanha, Itália, Austrália e Estados Unidos. “Falar sobre comida é muito melhor. Não gosto de falar de política”, diz a chef em entrevista a ÉPOCA.

Anat Lev Ari entrou para o Chefs for Peace porque achou uma boa idéia pregar a paz pelo estômago, e não por discussões infindáveis. Além disso, ela diz que já era amiga dos demais participantes. “Nós amamos cozinhar juntos. Se as pessoas no mundo fizessem coisas juntas, a paz surgiria naturalmente. Essa é a idéia, fazer amizade”, afirma. “Por que falar de guerra se podemos cozinhar?”

Matéria publicada na Revista Época , em 28 de novembro de 2008.

Carlos Miguel Pereira comenta*

Quando Allan Kardec inquiriu os Espíritos sobre o que empurraria o Homem para a guerra, estes responderam: “No estado de barbárie, os povos conhecem apenas o direito do mais forte. É por isso que a guerra é para eles um estado normal. Contudo, à medida que o homem progride, ela se torna menos frequente, porque ele evita as suas causas, fazendo-a com humanidade, quando a sente necessária. " A guerra desaparecerá um dia da face da Terra? “Sim, quando os homens compreenderem a justiça e praticarem a lei de Deus. Nessa época, todos os povos serão irmãos.” (Questões 742 e 743 de “O Livro dos Espíritos “, Allan Kardec)

A guerra ainda existe e tem uma predominância muito forte no nosso Planeta porque aquilo que nos divide enquanto seres-humanos tem um peso maior na nossa consciência do que aquilo que nos une. As nossas convicções ideológicas, políticas e religiosas, o preconceito e as ideias feitas que não largamos, os desequilíbrios sociais, intelectuais e culturais, o medo, os interesses econômicos, a pretensão de possuirmos a verdade, a ambição desmedida e o egoísmo que cultivamos mantêm-se como fendas colossais que impedem que todos nós, como espécie humana, possamos caminhar lado a lado com as diferenças que existem, juntos como irmãos, unidos na luta por melhores condições e oportunidades para evoluirmos como Humanidade.

Se as pessoas no mundo fizessem coisas juntas, a paz surgiria naturalmente. " Esta é a ideia chave da Israelita Anat Lev Ari e que nos instiga a preciosas reflexões: A paz não surge do nada, ela só pode ser construída coletivamente com o empenho, envolvimento e a participação ativa de todos, do pensamento expresso em palavras e da vontade manifestada publicamente, mas sobretudo através de ações, exemplos e atitudes concretas. A história tem demonstrado o poder que a determinação e a união possuem, quando atuam ao serviço da razão e do interesse coletivo, conseguindo fazer frente a obstáculos aparentemente inultrapassáveis. Só com o esforço individual, mas atuando num objetivo comum, é possível colocar um ponto final no ciclo de violência e de vingança, cimentando na consciência humana a ideia que as atitudes violentas e o ódio não são caminhos viáveis para a resolução de qualquer conflito ou problema, antes os escalam cada vez mais.

A Paz não se impõe a ninguém. A Paz conquista-se, e só poderá ser conquistada erradicando a violência e a exclusão, investindo nos valores éticos, morais e espirituais, que muitos querem fazer passar por decadentes. É que enquanto uma pequena parte da população mundial engorda, desperdiça e esbanja, alimentando o ego com as pequenas maravilhas tecnológicas que a ciência produz a um ritmo vertiginoso, há milhões e milhões de pessoas que vivem na miséria, sem condições de higiene, desnutridas, sem acesso a cuidados de saúde, sem trabalho, sem esperança no futuro, num ciclo de empobrecimento irreversível. Confrontados permanentemente com os fenômenos de violência física e psicológica que entram pelos lares através das televisões, ou que podem mesmo ser observados na própria vizinhança, as pessoas vão-se habituando a conviver com eles, vão perdendo a sensibilidade, os corações endurecem, deixando de se rebelar contra a injustiça, deixando de criar empatia com o sofrimento alheio e acabando por banalizar o fenômeno violento. Precisamos dizer em uníssono: “Não! Não pode! Não é admissível!”

Tal como Anat Lev Ari afirma, não são os políticos que fazem a paz, nem são eles que irão transformar este mundo. Somos nós, todos e cada um de nós! É a nossa determinação na construção de pontes sobre as profundas fendas que as diferenças entre os povos provocam: Pontes de amor, fraternidade, lucidez, solidariedade, conhecimento, entendimento, diálogo e empatia, que promovam a comunicação, a amizade, a tolerância, o respeito, a confiança e a compreensão mútuas. Em termos objetivos, essas pontes poderão ser a gastronomia, utilizada pelos “Chefs for Peace “, mas também a música, o desporto, a cultura, a tecnologia, tudo aquilo que possa aproximar as pessoas e fazê-las chegar à maravilhosa conclusão que o que as une é muito mais fundamental e precioso do que aquilo que as separa.

A Paz não é uma figura de estilo, nem uma ideia absurda, lírica ou romântica, onde quer que ela seja apregoada. A Paz é possível se tivermos a determinação suficiente em alcançá-la, se pensarmos a paz, se atuarmos em paz e pela paz. Que possamos refletir um pouco sobre a nossa contribuição pessoal para a paz, em nós, na nossa família, no meio social em que nos movemos, no nosso país e no nosso Planeta!

Então o lobo morará com o cordeiro, e o leopardo se deitará com o cabrito. A criança de peito poderá brincar junto à cova da áspide, a criança pequena porá a mão na cova da víbora. Ninguém fará o mal nem destruição nenhuma em todo o meu santo monte, porque a terra ficará cheia do conhecimento de Deus, como as águas enchem o mar " (Isaías 11, 6.8-9)

  • Carlos Miguel Pereira trabalha na área de informática e é morador da cidade do Porto, em Portugal. Na área espírita, é trabalhador do Centro Espírita Caridade por Amor (CECA), na cidade do Porto, e colaborador regular do Espiritismo.net.