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Ilma Paixão deixou o Brasil em 1984. Não era apenas a crise econômica que assolava o país que a incomodava, mas a falta de oportunidades para ‘mulheres e, principalmente, mulheres de cor’, disse. Sergio Rodrigues comenta.

  • Data :29/01/2009
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Ex-faxineira vira pesquisadora do MIT e em Harvard

Néli Pereira Da BBC Brasil em Londres

Ilma Paixão estava decepcionada com o Brasil quando resolveu deixar o país em 1984. Não era apenas a crise econômica que assolava o país que a incomodava, mas a falta de oportunidades para “mulheres e, principalmente, mulheres de cor”, disse.

“Eu entro naquele quadro ‘mulata do Sargentelli’. Tenho um corpo mais moldado, sou alegre, comunicativa, simpática com as pessoas e, no Brasil, se você tem essas características, essa passa a ser a sua única característica”, disse Ilma à BBC Brasil.

“Pra mim foi revoltante, vi muita coisa e notei que, por mais capacidade que eu tivesse, seria muito difícil chegar onde meu idealismo pensava que uma mulher como eu pudesse chegar”, contou.

Ilma tinha 20 anos e trabalhava como enfermeira em Governador Valadares quando soube que um empresário carioca estava ajudando valadarenses a deixar o país.

“Quem contou para a gente das oportunidades da vida lá fora, quem abriu nossa mente foi o empresário Roberto White, que ajudou vários valadarenses a deixarem o Brasil entre 1984 e 86. Eu vim com um grupo dele, com a cara e com a coragem”, disse Ilma.

Ela desembarcou em Miami e, de lá, seguiu para Boston. Quando chegou à cidade, não falava nenhuma palavra em inglês e foi dormir em uma quitinete com outras nove pessoas.

“Tinha gente dormindo até no banheiro”, recorda.

Líder comunitária

Depois de instalada em outra casa, junto com outros imigrantes brasileiros que também haviam ido com a ajuda de White, Ilma começou a trabalhar na cozinha do Hotel Sheraton na cidade.

“Ninguém trabalhava menos que 60 horas por semana. Mas, na época, se ganhava bem, já dava para fazer uns U$7 ou U$8 por hora”, conta.

Ilma guardava dinheiro para ajudar a família no Brasil e continuar a vida nos Estados Unidos. À medida que a situação melhorava, ela trazia os parentes do Brasil. Quando teve a primeira filha, em 1987, chamou a irmã e a sobrinha, depois trouxe o irmão e os sobrinhos.

Quando os filhos já estavam um pouco maiores, ela começou a trabalhar como doméstica. Foi a partir desse período que seu envolvimento com a comunidade brasileira se tornou maior e aumentou seu interesse pelo engajamento social e político.

“Limpando as casas, eu conheci várias famílias, criei um grupo de orações, fazia reuniões. Assim, foi surgindo uma comunidade mesmo”, contou.

“Tinha um patrão brasileiro que me dava o jornal New York Times e as revistas New Yorker e Forbes para ler e eu fui me interessando. Sempre que dava, fazia cursos profissionalizantes, buscava cursos gratuitos e fui me especializando”, conta Ilma.

Quando uma das sobrinhas entrou para a escola, em 1986, Ilma passou a trabalhar ativamente em campanhas para levantar fundos para a instituição, fazia reuniões com pais e começou consolidar a trajetória de ativista social.

Seu interesse nas atividades sociais e como líder comunitária fez com que fosse eleita, mais de uma vez, como a presidente da Bramas (Brazilian American Association), que presta assistência a brasileiros em Framingham.

Capacitação

No entanto, foi o projeto Handeiras, criado por ela em 2003, com o intuito de capacitar rendeiras brasileiras da comunidade indígena de Xukurus, que lhe rendeu o título de professora associada no Centre for Reflective Community Practice do Instituto de Tecnologia de Massachussets (MIT, na sigla em inglês), que trabalha com desenvolvimento econômico para comunidades e inovações comunitárias.

A idéia do projeto é simples: Ilma vai até o Brasil, seleciona algumas peças produzidas pelas rendeiras e as vende como produto artesanal em lojas nos Estados Unidos. O dinheiro revertido é reinvestido na comunidade em escolas, cursos de capacitação, construção de ateliês e outros projetos.

Desde a criação, o projeto já ajudou a manter mais de 200 crianças na escola e já auxiliou mais de 300 agricultores, além de garantir a renda para mulheres que produzem o artesanato.

“Para mim, o grande motivo deste trabalho é porque vejo tantos brasileiros aqui nos EUA que estariam vivendo muito melhor no seu país, ganhando um salário e vivendo na sua terra. Alguns brasileiros que estão aqui perderam o caminho de casa”, disse.

“Minha idéia é distribuir o trabalho deles para fora para que eles possam viver na sua terra, ter oportunidades no Brasil e já conseguimos isso com o grupo que ajudamos”, contou Ilma.

O modelo fez tanto sucesso que, neste ano, o projeto de capacitação comunitária desenvolvido por Ilma foi aprovado pelo Ministério da Cultura e, em três anos, será adotado em outras comunidades indígenas do Brasil, em uma parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento.

O projeto de capacitação também chamou a atenção do departamento de Língua Portuguesa da Harvard e do grupo de agentes culturais da universidade, onde Ilma foi convidada a trabalhar como pesquisadora para implementar o modelo na comunidade brasileira da cidade de Framingham, em Boston.

“A realidade é a mesma em qualquer lugar que você vá, por isso, apesar de fazermos o projeto para a comunidade brasileira, a capacitação pode ajudar comunidades de vários lugares”, conta.

“É maravilhoso poder retornar ao Brasil e fazer alguma coisa para ajudar”, disse Ilma.

Apesar do entusiasmo e dos esforços para auxiliar os brasileiros, Ilma não pensa mais em voltar ao país.

“Mesmo achando que poderia ser de grande valor no meu país, não acho que o Brasil valorizaria um talento como o meu. O Brasil é um país de aparências e eu jamais conseguiria viver pensando que a sociedade está mais preocupada com o que eu tenho do que com o que sou”, disse.

Notícia publicada na BBC Brasil , em 24 de março de 2008.

Sergio Rodrigues comenta*

Este é mais um exemplo, como tantos, da injustiça social reinante em nosso país, que atinge mais diretamente as mulheres. A mulher ainda é avaliada pelo mercado de trabalho pela sua aparência. A imagem exterior da mulher se sobrepõe aos valores intelectuais e morais de que é portadora. Como bem mencionou Ilma, infelizmente, as mulheres ainda são vistas sob essa ótica machista. Ao comparecerem a uma entrevista objetivando um emprego, o que vai chamar atenção, via de regra, é a sua aparência, o seu visual. Não que estes atributos não possam ser igualmente importantes, notadamente em algumas funções que exigem mais da imagem do funcionário.

Porém, como ela afirma na matéria, ser possuidora de beleza, simpatia e facilidade em se comunicar, ao invés de se constituir algo positivo, passa a funcionar contrariamente à mulher, pois essas características passam a ser vistas como as únicas. Absorvem os demais atributos que a mulher possua. Em sociedades mais desenvolvidas moral e intelectualmente, isso não ocorre e o valor profissional da mulher prevalece sobre seus atributos exteriores. Por esse motivo é que Ilma resolveu emigrar em busca de oportunidades. E assim acontece com tantos outros brasileiros, não só por essa razão como por tantas outras. É de se lamentar o fato de nosso país não oferecer oportunidades de trabalho para todos. Só nos resta esperar e lutar para que o país se desenvolva e que essa mentalidade retrógada seja definitivamente abandonada.

  • Sergio Rodrigues é espírita e colaborador do Espiritismo.Net.