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Sentimentos considerados negativos, como raiva, ciúme, ódio e inveja fazem parte da natureza do homem. A criação que tivemos e oferecemos aos nossos filhos abre pouco espaço para a expressão das emoções negativas. Carlos Miguel Pereira comenta.

  • Data :26 Jan, 2009
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Opinião: Falando de sentimentos

Raiva, ciúme, ódio e inveja fazem parte da natureza do homem. Psicóloga recomenda não reprimir e sim conversar sobre o assunto.

Ana Cássia Maturano Especial para o G1

Falar de sentimentos não é coisa simples. Quando eles se referem àqueles considerados negativos, como raiva, ciúme, ódio ou inveja, menos ainda. Isso provavelmente se deve a dois fatores: a moral cristã, que prega que devemos amar uns aos outros a qualquer custo; e a nossa criação, baseada nessa moral, que dificulta o conhecimento de nossos aspectos internos.

Considerando a criação que tivemos e oferecemos aos nossos filhos, há pouco espaço para a expressão das emoções negativas. Caso alguém diga ter inveja, não é visto como boa pessoa. E se essa expressão for de uma criança, geralmente mais transparente e autêntica em seu modo de ser, parece incomodar ainda mais. Afinal, elas são vistas como puras de coração e incapazes de coisas tão ruins.

As famílias acabam reprimindo o reconhecimento dos sentimentos nos pequenos. Ao dizer, por exemplo, que tem raiva do irmão, os pais rapidamente dizem que não, que de verdade ele o ama. Ter raiva de alguém em algum momento não significa que não haja amor.

Atitudes assim, embora cheias de boas intenções, não ajudam. Algumas crianças se sentem muito mal de terem esses sentimentos, e acabam acreditando que são más. Quando alguém lhes oferece compreensão, dizendo-lhes o quanto isso é natural, sentem-se aliviadas.

Temos de ter em mente que raiva, ciúme, inveja e o tão temido ódio fazem parte da natureza humana (é interessante observar como muitos se surpreendem quando ouvem a palavra ódio). Assim como o amor. Se pudermos reconhecer os primeiros fazendo parte de nós, podemos confiar na nossa capacidade de amar, sem desconfiar do que sentimos. Os dois tipos de sentimentos fazem parte do mesmo universo - diz o ditado que o amor e o ódio são o reverso da mesma moeda.

O que não quer dizer colocá-los para fora de qualquer maneira. Pelo contrário. Sentir seja lá o que for é legítimo, bem diferente de expressar-se de qualquer forma. Ou seja, sentir raiva de alguém é uma coisa possível, mas bater no alvo de sua raiva não. Portanto, a repressão não deve ser para o que sentimos, mas para a ação decorrente.

Espaço para o sentimento

Se criarmos um espaço para reconhecermos e falarmos dos nossos sentimentos, não precisaremos transformá-los em atitudes. Muitas atitudes que temos impensadamente são decorrência de sentimentos que não foram pensados e reconhecidos por nós. Não podemos nos esquecer de que, em algum momento e de alguma forma, eles serão colocados para fora. O melhor é que seja em palavras. E se pudermos falar sobre eles, teremos uma grande chance de dar-lhes um sentido. Ninguém sente raiva à toa. Algo a provocou.

Então, vamos ajudar nossas crianças a olharem sem medo ou culpa para o que sentem. Mas para isso temos que começar a ver esses sentimentos com naturalidade. Eles fazem parte de nossa natureza e é muito mais fácil mudar nossa visão deles do que mudar a natureza humana.

(Ana Cássia Maturano é psicóloga e psicopedagoga)

Matéria publicada no Portal G1 , em 11 de setembro de 2008.

Carlos Miguel Pereira comenta*

Durante a evolução e o progresso social e cultural que a espécie humana conseguiu conquistar, as emoções sempre assumiram um papel crucial. Foi a manifestação, expressão e condução das mais intensas emoções que permitiu que revoluções inadiáveis fossem realizadas enfrentando os poderes instalados, que ideias renovadoras fossem defendidas contra a ortodoxia reinante, que dificuldades aparentemente intransponíveis fossem vencidas e ultrapassadas com sucesso. Em situações de impasse, perigo, medo, perda, de ligação sentimental, quando é necessário tomar decisões instantâneas, o corpo humano responde de uma forma emocional, desencadeando reações morfológicas naturais e instintivas.

Ao longo da história da Humanidade, a razão foi conquistando gradualmente maior importância, atirando as emoções para o canto mais escuro da existência humana. Amedrontado pela sombra do que sente, temeroso das acusações dos que o rodeiam, esmagado por uma cultura social e religiosa que privilegia regras de conduta uniformes e inquestionáveis, o Homem repudia e acaba por negar a sua verdadeira essência, aquilo que ele verdadeiramente é como Espírito único e distinto. Por que as emoções provocam tanto temor? Porque não as controlamos, porque as emoções ocorrem independentemente da nossa vontade ou desejo. Não queremos sentir inveja do colega que exibe o seu carro topo de linha, mas sentimos! Não pretendemos sentir raiva do vizinho que atira o lixo para cima do nosso jardim, mas sentimos! Não tencionamos sentir ciúmes se quem amamos tem uma expressão de carinho para outra pessoa, mas sentimos! Sentimos tudo isso, porque isso ainda faz parte da nossa essência, do nosso Espírito, daquilo que somos verdadeiramente.

Muitas vezes não conseguimos, ou não queremos, conviver com a verdade de quem somos, pois isso exigiria mudanças da nossa parte. Por isso, tentamos sufocar os nossos sentimentos e emoções mais sombrios, ignorando-os ou culpando fatores externos, afirmando, por exemplo, que a culpa é dos “obsessores que não me largam”, ou “do chefe que é um tirano”. Negamos o que sentimos na esperança que essas emoções desapareçam se não lhes dermos importância. Mas elas não desaparecem num passe de mágica e essas energias reprimidas irão instalar-se no nosso corpo psicossomático, esperando uma nova oportunidade de se manifestarem e potencializando a geração de uma variedade de doenças, psicoses e desequilíbrios.

Este comportamento que revelamos, tal como é afirmado na notícia, é muitas vezes induzido inconscientemente por pais insensíveis, que reprimem duramente as expressões de raiva das crianças, que as humilham por revelarem medo e que as ridicularizam por manifestações de afeto e carinho. As crianças crescem com a impressão de que o que sentem é errado, tornam-se criaturas inseguras e fracas, pensam que são más e acabam por deixar de confiar em si e no que as suas emoções lhes transmitem. Uma particularidade de qualquer emoção é que é sempre verdadeira, ensina-nos sempre algo sobre nós mesmos.

Permitamo-nos sentir as emoções que possuímos e isso não pressupõe a necessidade de agir de acordo com elas. Em vez de as empurrarmos para o baú da indiferença, aceitemos que elas fazem parte de nós, para que possamos conhecer verdadeiramente a nossa individualidade burilada em inúmeras encarnações. As regras, castrações e imposições podem segurar o impulso, mas não transformam a sua origem. Essa transformação só pode ser conseguida quando compreendermos as emoções que manifestamos e lograrmos modificar a essência de quem nós somos. Só podemos modificar aquilo que reconhecemos. Dessa forma conquistamos melhores condições de trabalhar a renovação íntima, equilibrando, aprimorando e canalizando as nossas emoções e sentimentos para comportamentos adequados, transformando gradualmente as nossas energias negativas de forma a aplicá-las convenientemente.

Precisamos perceber que ninguém é um mau Espírito, ninguém está errado. Não precisamos ter medo das nossas emoções porque dentro de nós mesmos não há nada de sombrio, negativo ou hediondo. Dentro de nós existe algo único e maravilhoso: Nós mesmos, a nossa verdadeira essência, uma alma em evolução e crescimento.

Sugestão de Leitura: “Renovando Atitudes” , ditado pelo Espírito de Hammed, psicografia de Francisco do Espírito Santo Neto.

  • Carlos Miguel Pereira trabalha na área de informática e é morador da cidade do Porto, em Portugal. Na área espírita, é trabalhador do Centro Espírita Caridade por Amor (CECA), na cidade do Porto, e colaborador regular do Espiritismo.net.