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Porta voz das mulheres árabes, a escritora Jean Sasson diz que elas ainda lutam por direitos básicos e sofrem grandes abusos. Com 7 livros e 14 milhões de cópias depois, Jean é uma das conferencistas mais respeitadas da atualidade. Claudia Cardamone comenta.

  • Data :19 Jan, 2009
  • Categoria :

Cidadãs de segunda classe

Porta voz das mulheres árabes, escritora americana diz que elas ainda lutam por direitos básicos e sofrem grandes abusos

por Suzane Frutuoso

Quando a escritora americana Jean Sasson foi trabalhar na administração de um hospital de Riad, na Arábia Saudita, em 1978, não desconfiava que aquele era o início de sua transformação em porta-voz mundial da situação feminina nos países do Oriente Médio. Diante das agressões físicas e psicológicas que presenciou por parte dos homens sobre suas esposas, filhas e irmãs, ela decidiu que não se calaria. Especialmente após se tornar amiga de uma princesa, chamada por ela apenas de Sultana (nome fictício), que lutava pelos direitos das mulheres árabes. A americana relatou a vida de Sultana no livro Princesa, lançado em 1992, que vendeu seis milhões de cópias. Com a obra, criou um gênero de literatura que não existia até então: histórias de mulheres árabes e os problemas que elas enfrentam em sua sociedade. Sete livros e 14 milhões de cópias depois, Jean é uma das conferencistas mais respeitadas da atualidade. Seu último livro, Amor em terra de chamas - a corajosa luta de Joanna do Curdistão (Ed.BestSeller), relata a saga de uma jovem que vive no Iraque e batalha para livrar o povo curdo da perseguição dentro do país de Saddam Hussein. Jean já prepara duas outras obras. Em 2009 contará as percepções de uma mulher que nunca tirou o véu, nem nos lugares permitidos. Logo depois, escreverá sobre uma afegã. A autora conversou com ISTOÉ de sua casa, no extremo sul dos Estados Unidos (ela não revela o lugar exato em que vive por causa das ameaças).

ISTOÉ - Quando decidiu escrever sobre mulheres do Oriente Médio?

Jean Sasson - Fui para a Arábia Saudita em 1978 viver e trabalhar e me tornei amiga de várias árabes. Elas sabiam que eu era fascinada por livros e me pediam para escrever suas histórias. Me interessei, principalmente, depois de entender quanto a vida de algumas delas era difícil.

ISTOÉ - A sra. revelou histórias terríveis sobre o tratamento dado às mulheres nesses países. Sofreu algum tipo de ameaça?

Jean - Recebi ameaças de morte, por cartas e telefonemas, depois de cada livro que escrevi. Em relação ao meu último, Amor em terra de chamas, ninguém me ameaçou por uma simples razão: os homens de Saddam estão presos ou foram assassinados antes de o livro ser publicado.

ISTOÉ - Quais ameaças já recebeu?

Jean - Telefonemas dizendo que eu nunca mais veria o nascer ou o pôr-do-sol. Uma vez, passei meu endereço a um dos homens que me ameaçavam e disse que viesse me encontrar. Ninguém apareceu. Descobri que as pessoas fazem uma série de ameaças covardes sem mostrar a cara.

ISTOÉ - Quais abusos contra mulheres presenciou?

Jean - Maridos deixando suas mulheres doentes no hospital depois de se divorciarem, quando elas não podiam mais lhes dar filhos, por exemplo. Na sociedade deles, a mulher é sempre culpada, até mesmo em sua própria família. Conheci outras que eram educadas, intelectualizadas e desesperadas para trabalhar em suas áreas. Os maridos prometem antes do casamento que as futuras esposas poderão seguir uma carreira. Minutos depois de casados, eles as proíbem. Vi muita coisa no hospital em que trabalhei e também tenho amigas árabes que viviam relações de completo abuso.

ISTOÉ - Por que acredita que seus livros fazem sucesso em países tão diferentes em todo o mundo?

Jean - As histórias que escrevo são sobre pessoas reais, que superaram enormes desafios e se reergueram mais fortes. Há identificação. Também me esforço para passar algum conhecimento sobre as partes do mundo que muitas pessoas nunca tiveram oportunidade de conhecer. É uma maneira de aprender, por meio de um assunto sério.

ISTOÉ - Como surgiu a história de Amor em terra de chamas?

Jean - O irmão de Joanna, a protagonista, ouviu falar de mim e de meus livros. Ele voou até os EUA para me conhecer e me convencer de que eu deveria escrever sobre ela. Eu estava desconfiada no começo, mas fui até Londres conhecê-la. Alguns dias depois, percebi que havia uma importante história a ser contada. Recebo cerca de 20 relatos por mês. E, embora todos sejam interessantes, só posso fazer um livro por ano. Por isso, seleciono de maneira criteriosa, inclusive entrevistando a “candidata”. Meus critérios são: uma história interessante de alguém que superou grandes desafios e se tornou forte. Também avalio se a mulher agüentará a exposição, se não ficará nervosa de ter que aparecer na mídia.

ISTOÉ - De que forma a sra. conhece suas heroínas?

Jean - De maneiras diferentes. Algumas vezes, durante uma viagem. Em outras, por meio de amigos árabes. Houve situações em que elas me pediram para contar suas histórias. Mas nenhuma foi punida. E a única que teve a identidade preservada foi a princesa Sultana. Todas as outras tiveram seus nomes verdadeiros revelados. Não há segredos. Elas dão entrevistas, aparecem na tevê.

ISTOÉ - A sra. acredita que algum dia as mulheres do Oriente Médio terão os mesmos direitos que os homens?

Jean - A vida das mulheres melhorou em várias áreas, como educação e em relação ao direito de dirigir o próprio carro. Mas a cultura, a religião e a sociedade árabe encaram as mulheres, basicamente, como cidadãs de segunda categoria. Elas nunca terão o mesmo espaço. Não sei nem se temos isso nos EUA. Este mundo tem sido sempre masculino, mesmo que as americanas tenham lutado por cada direito ganho. Os planos de saúde aqui, por exemplo, pagam Viagra para os homens, mas não o pré-natal para as mulheres. É o mesmo no Japão e em muitas outras nações. É, pura e simplesmente, discriminação.

ISTOÉ - Como essa situação pode mudar?

Jean - Toda mulher deve receber educação. Com educação, vêm independência econômica e algum poder. Por toda minha vida banquei a mim mesma. Nunca precisei de um homem para pagar minhas contas. Sempre fui responsável por mim e isso funciona maravilhosamente bem. Mas, para muitas mulheres, isso é difícil.

ISTOÉ - Quais são as liberdades que as mulheres do Ocidente têm que as mulheres do Oriente Médio desejam?

Jean - As mulheres do Oriente Médio não desejam exatamente o mesmo tipo de liberdade que temos. A cultura é muito conservadora. Elas não se sentem à vontade com situações como morar sozinha, não ter família, usar roupas reveladoras. Elas querem liberdade para escolher seus próprios maridos, dirigir seus carros, trabalhar no que acham interessante, ter o que dizer sobre suas vidas. Elas querem os direitos básicos. Na verdade, quando vivi na Arábia Saudita, as sauditas freqüentemente sentiam pena de mim. Diziam que era triste eu ter de trabalhar e cuidar de mim mesma (risos). Elas têm expectativas diferentes que fazem parte da cultura delas. Mas, com certeza, não desejam ser vítimas de abusos.

ISTOÉ - O que é motivo de orgulho para essas mulheres?

Jean - Toda mulher árabe que conheci é orgulhosa de seu país e de sua cultura. E certamente existem coisas maravilhosas no mundo árabe/muçulmano. Adoro a maneira calorosa como recebem estranhos, a forma carinhosa e respeitosa com que cuidam de idosos, a educação com que tratam indivíduos de países de que não gostam. Nunca fui destratada, mesmo sendo americana. Você não terá a mesma recepção na América, se for de um país de que os americanos não gostam. Viajei por todas as regiões do Oriente Médio e nunca deixei de receber boasvindas e de ser bem tratada.

ISTOÉ - Qual a opinião das mulheres árabes sobre programas de tevê, livros e filmes na linha de Sex and the city?

Jean - Infelizmente, Hollywood acabou com a reputação da maioria dos americanos. Poucas mulheres americanas vivem o perdedor estilo de vida das mulheres de Sex and the city. A maior parte das americanas que conheço nunca viveria daquela maneira. Meus amigos árabes tiveram dificuldade de acreditar que nunca bebi nada alcoólico nem nunca fumei, e que eu amava tanto minha família que ligava para ela todos os dias quando estava longe. Eles acreditam que as americanas são prostitutas.

ISTOÉ - Qual sua opinião sobre a guerra no Iraque?

Jean - Como qualquer pessoa, odeio guerras e toda tristeza que surge com elas. Mas algumas são necessárias para produzir resultados que alterem as situações vigentes em determinados países. A guerra derrubou Saddam, o que me causa emoções mistas por ser americana. Ele tinha que cair, pois mergulhou o país em uma dor terrível.

ISTOÉ - A sra. acredita que a invasão americana ao Iraque era o melhor a ser feito?

Jean - Eu gostaria que tivesse sido de outra maneira, mas não sei qual deveria ser o caminho. Particularmente, não gosto dessa idéia de que meu país é o cara mau por tudo o que faz. No geral, os americanos têm a melhor das intenções. Mas, por pior que tenha sido, se livrar de um ditador era o único meio para que o Iraque e os iraquianos tivessem algum futuro. Muitos me disseram estar felizes e acho que eles são os únicos que têm o direito de dizer se foi bom ou não. A maioria dos iraquianos que conheço aprovou a invasão do país, embora se queixe dos problemas que a nação enfrenta.

ISTOÉ - A sra. acha que o povo árabe continua sendo alvo de preconceito devido aos ataques de 11 de setembro de 2001 ao World Trade Center?

Jean - Em alguns casos sim, especialmente vindo de pessoas que não têm um conhecimento real sobre o mundo árabe e sua dinâmica. Conheço muitos americanos que sabem que não é todo árabe que deseja nos matar.

ISTOÉ - Acredita que algum dia a idéia negativa sobre os árabes mudará?

Jean - Espero que sim. Tenho viajado pelo mundo e descobri que pessoas boas e decentes existem em todas as culturas. Há coisas boas e ruins em todos os lugares, em todas as direções que olhamos (se mantivermos nossos olhos abertos e formos honestos com nossas descobertas). Se você consegue olhar para uma pessoa sem a julgar por causa de pequenas diferenças, verá apenas alguém que vive culturalmente de uma maneira diferente da sua.

Matéria publicada na Revista ISTOÉ , em 5 de dezembro de 2008.

Claudia Cardamone comenta*

A Doutrina Espírita deixa claro que os espíritos não tem sexo, não há espírito masculino ou feminino. Corpo masculino e feminino é uma necessidade da matéria, para criar novos corpos. Mas um espírito não irá encarnar sempre em um destes gêneros e Kardec nos explica o porquê:

“Os Espíritos encarnam como homens ou como mulheres, porque não têm sexo. Visto que lhes cumpre progredir em tudo, cada sexo, como cada posição social, lhes proporciona provações e deveres especiais e, com isso, ensejo de ganharem experiência. Aquele que só como homem encarnasse só saberia o que sabem os homens.” (O Livro dos Espíritos, Allan Kardec - pergunta 202)

Como um espírito poderia saber como é viver por detrás de uma burca, ou como se sente uma esposa totalmente submissa, se ele somente encarnasse em corpos masculinos. Muitos de nós, ocidentais, não conseguimos compreender a cultura oriental, como existe uma sociedade com aspectos tão distintos entre homens e mulheres.

Mas o Espiritismo nos traz a chave para a compreensão destes povos tão distintos como nas questões:

“818. Donde provém a inferioridade moral da mulher em certos países?

– Do predomínio injusto e cruel que sobre ela assumiu o homem. É resultado das instituições sociais e do abuso da força sobre a fraqueza. Entre homens moralmente pouco adiantados, a força faz o direito.

819. Com que fim mais fraca fisicamente do que o homem é a mulher?

– Para lhe determinar funções especiais. Ao homem, por ser o mais forte, os trabalhos rudes; à mulher, os trabalhos leves; a ambos o dever de se ajudarem mutuamente a suportar as provas de uma vida cheia de amargor.

820. A fraqueza física da mulher não a coloca naturalmente sob a dependência do homem?

– Deus a uns deu a força, para protegerem o fraco e não para o escravizarem.

Deus apropriou a organização de cada ser às funções que lhe cumpre desempenhar. Tendo dado à mulher menor força física, deu-lhe ao mesmo tempo maior sensibilidade, em relação com a delicadeza das funções maternais e com a fraqueza dos seres confiados aos seus cuidados.

821. As funções a que a mulher é destinada pela Natureza terão importância tão grande quanto as deferidas ao homem?

– Sim, maior até. É ela quem lhe dá as primeiras noções da vida.

822. Sendo iguais perante a lei de Deus, devem os homens ser iguais também perante as leis humanas?

– O primeiro princípio de justiça é este: Não façais aos outros o que não quereríeis que vos fizessem.

822-a. Assim sendo, uma legislação, para ser perfeitamente justa, deve consagrar a igualdade dos direitos do homem e da mulher?

– Dos direitos, sim; das funções, não. Preciso é que cada um esteja no lugar que lhe compete. Ocupe-se do exterior o homem e do interior a mulher, cada um de acordo com a sua aptidão. A lei humana, para ser eqüitativa, deve consagrar a igualdade dos direitos do homem e da mulher. Todo privilégio a um ou a outro concedido é contrário à justiça. A emancipação da mulher acompanha o progresso da civilização. Sua escravização marcha de par com a barbaria. Os sexos, além disso, só existem na organização física. Visto que os Espíritos podem encarnar num e noutro, sob esse aspecto nenhuma diferença há entre eles. Devem, por conseguinte, gozar dos mesmos direitos.” (O Livro dos Espíritos, Allan Kardec)

O que pudemos compreender até aqui? Que o progresso humano caminha para uma igualdade de direitos entre homens e mulheres, que eles possam numa sociedade serem considerados pessoas iguais com funções diferentes. Compreendemos também que o domínio de um dos gêneros sobre o outro é uma característica da civilização em questão, modificando-se na medida de seu progresso.

Como Deus nada faz de inútil, o espírito que reencarna nestas condições é porque encontra nela instrumentos para o seu progresso moral. São provas necessárias ao burilamento do espírito. Isto sempre existirá? Visto que novos espíritos estão sempre a reencarnar no planeta. De certa forma sim, se estas provas forem necessárias e se a civilização não progredir.

*“A Humanidade progride, por meio dos indivíduos que pouco a pouco se melhoram e instruem. Quando estes preponderam pelo número, tomam a dianteira e arrastam os outros. De tempos a tempos, surgem no seio dela homens de gênio que lhe dão um impulso; vêm depois, como instrumentos de Deus, os que têm autoridade e, nalguns anos fazem-na adiantar-se de muitos séculos. O progresso dos povos também realça a justiça da reencarnação.” * (O Livro dos Espíritos, Allan Kardec - pergunta 789)

“791. Apurar-se-á algum dia a civilização, de modo a fazer que desapareçam os males que haja produzido?

– Sim, quando o moral estiver tão desenvolvido quanto a inteligência. O fruto não pode surgir antes da flor.

792. Por que não efetua a civilização, imediatamente, todo o bem que poderia produzir?

*– Porque os homens ainda não estão aptos nem dispostos a alcançá-lo.” * (O Livro dos Espíritos, Allan Kardec)

Por este motivo que estas mulheres, apresentadas pela escritora, não desejam a mesma liberdade que possuem as mulheres de outras civilizações.  Elas desejam o mesmo respeito e consideração, mas estão em um momento da evolução espiritual distinto das demais. Precisamos compreender isto para podermos exercitar a tolerância, a indulgência e o perdão. Enfim, para exercitar o amor, tão enaltecido por todos.

  • Claudia Cardamone nasceu em 31 de outubro de 1969, na cidade de São Paulo/SP. Formada em Psicologia, no ano de 1996, pelas FMU em São Paulo. Reside atualmente em Santa Catarina, onde trabalha como artesã. É espírita e trabalhadora da Associação Espírita Seareiros do Bem, em Palhoça/SC.